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CNS e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa vão ao Senado para barrar o PL das Cobaias Humanas
Foto: CNS
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) estão intensificando as ações para promover informações à sociedade e barrar o PL 6007/2023 (antigo PL 7082/17), que propõe mudanças significativas em ensaios clínicos com seres humanos, na produção de novos medicamentos, procedimentos e tecnologias na saúde.
O maior risco do projeto, chamado por setores ligados à pesquisa e entidades representativas de pessoas/pacientes com doenças crônicas de “PL das Cobaias Humanas”, é o de retirar o controle e a participação social da decisão sobre as questões éticas envolvidas nos ensaios clínicos. Atualmente a regulamentação e o acompanhamento das pesquisas com seres humanos, que garantem os direitos e a dignidade dos participantes de pesquisas, é feito por um grande sistema que soma em torno de 900 Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (o chamado Sistema CEP/Conep), que garante autonomia e independência para a regulamentação dessa atividade.
Representantes da Conep, uma das comissões do CNS, estão propondo ao Senado que convoquem novas audiências públicas para debater o projeto e suas importantes consequências para o povo brasileiro. Ao mesmo tempo, acolhendo um dos argumentos dos defensores do PL sobre a necessidade de maior segurança jurídica, mantêm o diálogo com senadores e senadoras de todos os partidos, visando identificar uma alternativa ao PL do modo como está elaborado hoje.
O “PL das Cobaias Humanas”, cuja origem remonta a um texto apresentado em 2017 no Senado, já tramitou pela Câmara dos Deputados e, após diferentes pareceres e emendas, está neste momento na Secretaria Legislativa do Senado, sob o número 6007/2023, pronto para ser votado em plenário.
Embora o texto preveja a manutenção dos CEPs , não faz qualquer menção à Conep, o órgão central que tem, entre suas funções, regulamentar os direitos das pessoas que participam de pesquisas no Brasil, além de acompanhar o cumprimento das responsabilidades dos pesquisadores e os patrocinadores de pesquisas e formar os membros do CEP, contemplando os interesses dos usuário, trabalhadores e gestores do SUS. A desarticulação do sistema brasileiro, como existe hoje, coloca os participantes de pesquisa em risco ao reduzir o controle em um sistema único, conferindo total autonomia ao CEPs.
Uma grande vantagem da Conep como comissão do CNS, é o respeito ao interesse público na utilização dos recursos da saúde, uma vez que frequentemente os ensaios clínicos utilizam, em alguma medida, a rede do SUS (Sistema Único de Saúde), onde os pacientes são atendidos por equipes profissionais com utilização de equipamentos e capacidade instalada dos serviços, mantidos por verbas do SUS. Esse é um aspecto significativo, porque os ensaios clínicos são de iniciativa de grupos farmacêuticos privados, que, futuramente comercializarão os medicamentos testados nas pesquisas, e não é justo que a população brasileira assuma, mesmo que indiretamente, os custos das pesquisas, favorecendo o lucro da iniciativa privada estrangeira.
A coordenadora da Conep, Laís Bonilha, Conselheira Nacional de Saúde comenta:
“A desorganização e a desconstituição do Sistema CEP/Conep representa um retrocesso. O sistema se qualifica, gradativamente, acumulando experiência desde 1996, melhorando os processos de análise ética em pesquisa, tanto em qualidade quanto no tempo de tramitação. Além disso, há a formação continuada de cerca de 15 mil pessoas que trabalham nos CEPs de modo voluntário, membros que dedicam seu tempo em defesa da ética na pesquisa no país, e a adequação da normatização, em resposta às necessidades que surgem da proposição de novas metodologias”.
Segundo Laís, “a ausência de um órgão central que cuide do funcionamento do sistema com unicidade, com normatização única, formação de pessoas, e a capilarização necessária para contemplar a diversidade regional do país, colocará as pessoas que participam de pesquisas em maior risco, visto que o PL prevê o funcionamento de CEP autônomos e um órgão central com funções restritas ao âmbito administrativo. A análise da ética em pesquisa não deve ser comparada a um serviço cartorial, mas representa um trabalho coletivo, em defesa dos interesses e valores de uma população singular, para que a pesquisa com seres humanos seja ética e confiável”
A Conep, constituída democraticamente por representantes da sociedade, e que trabalha em conjunto com os CEP’s, tem característica multidisciplinar e um papel semelhante ao do próprio Senado, que agora pode extingui-la, caso o PL das Cobaias Humanas seja aprovado: instância revisora de projetos e propostas capazes de produzir mudanças profundas com consequências amplas,
A composição da Conep também é multidisciplinar, abrigando representantes de diferentes segmentos: pesquisadores e cientistas, trabalhadores e trabalhadoras da saúde, pacientes e entidades de pessoas com doenças crônicas e raras, governo (em nível nacional, o Ministério da Saúde) e prestadores de serviços, além dos próprios patrocinadores das pesquisas.
“Esta participação da Conep na definição das normas éticas e acompanhamento no desenvolvimento das pesquisas, como um espaço democrático de discussão e tomada de decisão, com a transparência necessária para a defesa dos participantes das pesquisas, precisa ser defendida. Aliás, existência da Conep no Controle Social incentiva a participação das pessoas nas pesquisas, pois aumenta a confiabilidade do sistema, de responsabilidade do Estado brasileiro. Se foi identificado que há a necessidade de segurança jurídica, por meio de projeto de lei, que seja outro, e não esse, que fragiliza todo o sistema e coloca os participantes de pesquisa em risco”, acrescenta Laís Bonilha.
Um dos argumentos daqueles que defendem o texto atual do PL das Cobaias Humanas é que a exclusão da Conep iria conferir maior rapidez à aprovação dos ensaios clínicos e outras pesquisas com seres humanos realizadas no Brasil, o que traria maior volume de recursos ao país. Esse argumento, adotado pela iniciativa privada e parceiros interessados, pretende reduzir a garantia de direitos dos participantes de pesquisas, denominando-a de burocracia.
Porém, nem mesmo nesses termos o argumento se sustenta. Atualmente, 93% dos pareceres são emitidos pela Conep no prazo regulamentar, que é de 60 dias, comparável a países com grande experiência em pesquisas. “É importante destacar que o período de análise ética até a emissão de parecer envolve tanto os profissionais que analisam o protocolo/proposta como os pesquisadores que corrigem as pendências identificadas”, comenta Ana Lúcia Paduello, Conselheira Nacional de Saúde e Coordenadora-adjunta da Conep. No CNS e na comissão, Ana Lúcia representa o segmento de usuários do SUS.
O projeto segue agora para análise em comissões temáticas do Senado, que serão definidas a partir da abertura do ano legislativo em fevereiro. O CNS propõe ao Senado que promova o debate ampliado com todos os interessados no desenvolvimento de pesquisas no país, sejam patrocinadores das pesquisas, pesquisadores, membros do sistema CEP/Conep e, principalmente os potenciais participantes de pesquisas, o povo brasileiro.
Confira o Podcast AbraSUS sobre o trabalho da Conep
Ascom CNS