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5ª CNSTT
Do campo às cidades: Direito humano à saúde sob a ótica de trabalhadoras e trabalhadores
A realidade da saúde das trabalhadoras e trabalhadores, tanto em áreas urbanas quanto rurais, foi tema central da 358ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde. Durante os debates, discutiram-se as ameaças ao direito humano à saúde sob a ótica desses grupos, em consonância com o tema da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT): "A Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano." A etapa nacional da conferência ocorrerá de 18 a 21 de agosto de 2025, com discussões voltadas para a garantia desse direito fundamental.
A categoria dos motociclistas no Brasil, que abrange entre 7 e 8 milhões de trabalhadores, enfrenta desafios significativos em relação à formalização e à regulamentação de suas atividades. De acordo com Benedito Carlos dos Santos, presidente do Sindimotocas/s, apesar das legislações vigentes, a falta de fiscalização e incentivo geraram um efeito contrário, levando à queda em desuso dessas regulamentações.
Em 2009, o presidente Lula sancionou a lei que regulamenta a atividade de motofrete, motoboy e mototáxi em todo o território nacional. Em 2011, outra lei foi aprovada, proibindo empresas e pessoas físicas de incentivarem a velocidade nas entregas realizadas por esses profissionais. Já em 2014, foi criada uma lei que estabelece o adicional de periculosidade para os trabalhadores motociclistas. No entanto, essa lei abrange apenas aqueles com carteira assinada, que infelizmente são minoria na categoria. Atualmente, a maior parte desses trabalhadores está à margem da formalização, atuando como entregadores por aplicativos ou realizando bicos.
Ele ressalta que com o advento das plataformas digitais, a regulamentação existente deixou de ser discutida. “No Grupo de Trabalho (GT) do Ministério do Trabalho, discute-se a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos como se fosse algo novo, ignorando que essas pessoas já exerciam a mesma função por outros meios, como telefone ou agendamentos diretos.”
Para dos Santos, o problema não é a ausência de regulamentação, mas a falta de implementação das normas já existentes. "Ninguém dirige ou pilota aplicativos; continuamos dirigindo carros e motos. O aplicativo é apenas uma ferramenta", destaca, reforçando a necessidade de atualizar e fiscalizar as leis, tanto para proteger os trabalhadores quanto para responsabilizar as empresas.
Ele finaliza trazendo dados sobre a categoria que merecem atenção. Em São Paulo, 80% dos motoboys vivem em situação de vulnerabilidade social. Embora carreguem comida saudável em suas entregas, muitos não têm acesso à alimentação adequada. Outro dado alarmante é que 54% desses trabalhadores possuem moto, mas 17 milhões não têm carteira de habilitação (CNH), o que contribui para os altos índices de acidentes. A maioria desses profissionais é usuária do SUS.
Na defesa do trabalho digno e saudável
Luiz Henrique da Costa Leão, coordenador-geral da Vigilância em Saúde do Trabalhador, destacou que o conjunto de garantias oferecido pelo Estado e pela sociedade deveria assegurar a integridade física e mental de cada indivíduo. No entanto, quando essas garantias falham, os direitos humanos são violados. "O mundo do trabalho é um ambiente marcado por grandes injustiças, onde muitos perdem a saúde e, até mesmo, a vida ao ingressar no mercado de trabalho", afirmou. Leão enfatizou que o desejo por trabalho, saúde e direitos é universal, e a desarmonia entre eles é onde surgem os problemas mais graves.
Leão ressaltou ainda que estamos testemunhando uma violação constante do direito humano à saúde, especialmente no contexto laboral. Ele reforçou a necessidade de a conferência oferecer uma resposta que inclua as diferentes frações da classe trabalhadora, recordando a importância da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que consagrou a saúde como um direito humano universal. "Por que não pensar na saúde do trabalhador nesse mesmo marco, ultrapassando as questões trabalhistas e previdenciárias, e elevando a discussão à dignidade e liberdade humanas?", questionou. Para ele, é fundamental criar uma cultura que assegure o direito ao trabalho digno e saudável como um direito universal, alinhado à construção da cidadania, como defendido por Sérgio Arouca no contexto do SUS.
Projetos políticos alinhados às necessidades dos trabalhadores
A necessidade de garantir políticas públicas que dialoguem com a realidade dos territórios rurais e promovam justiça social e sustentabilidade ambiental foi a defesa central de Edjane Rodrigues Silva, representante da Secretaria de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Para ela a construção de um projeto político alinhado aos interesses dos trabalhadores rurais é fundamental para assegurar direitos humanos básicos e melhorar as condições de vida no campo.
A Contag, composta por mais de 4.000 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais distribuídos por todo o Brasil, atua em prol dos direitos dos agricultores familiares. Segundo Edjane, esse esforço é parte de um sistema confederativo que organiza e fortalece as bases da luta sindical. Para garantir a efetivação desses direitos, é indispensável pensar em políticas públicas que ultrapassem o incentivo à produção agrícola, como o Pronaf, e avancem em áreas como educação, saúde, segurança e saneamento. "O campo que desejamos é um campo com vida, com gente, um campo com sujeitos de direitos", reforça.
Um dos pilares desse projeto político é a democratização do acesso à terra, tema central para a Contag. Edjane defendeu que a reforma agrária é uma questão urgente para garantir saúde e dignidade aos trabalhadores rurais. Citando dados do Incra de 2010, ela expôs a concentração fundiária no Brasil: 85,9% das propriedades são pequenos minifúndios, enquanto 1% das grandes propriedades detêm 44% das terras. Esse quadro, segundo Edjane, resulta de políticas que priorizaram a produção em larga escala, negligenciando o cuidado com a vida, o meio ambiente e a sustentabilidade das comunidades rurais.
Edjane também alertou para os riscos que os trabalhadores enfrentam no campo, como a exposição a agrotóxicos e os frequentes acidentes de trabalho. Diante disso, ela defendeu o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas, além da implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural. Para a líder sindical, essas políticas são essenciais para garantir que o campo seja um espaço de vida digna, sustentabilidade e justiça social.
Elisângela Cordeiro
Conselho Nacional de Saúde