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Shirley Morales: O enfrentamento do câncer de mama no Brasil é uma luta de todos nós
“Informar para Proteger. Cuidar para Viver”. Esse é o tema da Campanha 2023, do Governo Federal, para o Outubro Rosa.
Informação e cuidado parecem ser o foco das estratégias governamentais para o enfrentamento do câncer que mais mata mulheres em todo mundo.
Mas, quais percalços o país precisa vencer para reduzir significativamente o número de vidas ceifadas por essa doença?
O movimento do Outubro Rosa nasceu, nos Estados Unidos, na década de 90, sendo idealizado por Nancy Komen como forma de cumprir uma promessa feita à sua irmã, Susan G. Komen, que faleceu lutando contra o câncer de mama.
Mas não podemos limitar o movimento apenas a uma homenagem póstuma. A luta, na verdade, nasceu para combater o preconceito em torno do tema que era tabu na época.
O resultado desse preconceito foi a falta de investimento em tratamento e diagnóstico precoce.
Na época de Susan G. Komen, o único método diagnóstico difundido era a mamografia.
Nancy Komen decidiu romper paradigmas buscando métodos diagnósticos precoces e mais acessíveis às mulheres.
Nesse sentido, o maior desafio seria envolver a sociedade no combate ao câncer de mama.
E, assim, surgiu o maior movimento advocacy sobre proteção à saúde que o mundo já conheceu.
O Outubro Rosa constitui um forte movimento das mulheres em prol do acesso à informação e cuidados.
É sobre esse engajamento, com participação social, que fazemos uma pequena reflexão.
Em primeiro lugar, precisamos entender o perfil epidemiológico e socioeconômico da patologia. Essas informações são essenciais para traçar estratégias eficientes para melhoria da assistência à saúde de quem passa por esse grave problema.
Segundo dados da Organização Pan-Americana (OPAS), em 2020, o câncer de mama perfez 30,7% dos casos das neoplasias entre as mulheres. Nesse período, foram registrados cerca de 500 mil novos casos e mais de 100 mil mortes ocorreram nas Américas.
No Brasil, o câncer de mama, também é a principal causa de óbitos por câncer entre as mulheres, com taxa de mortalidade ajustada de 11,71/100 mil (18.139 óbitos), e maior incidência nas regiões sudeste e sul.
A taxa de morte é 40% maior em mulheres negras. Para o Brasil, foram estimados, alarmantes, 73.610 casos novos de câncer de mama em 2023.
Em 2022, 76% das pacientes (222.701) eram da faixa etária entre 40 e 69 anos. No entanto, é preciso frisar que esses são dados oficiais e registrados pelo Instituto Nacional do Câncer — o Inca, do Ministério da Saúde –, mas no país ainda há grande subnotificação devido aos vazios assistenciais.
Em territórios, onde a desigualdade social é predominante, ainda temos escassez de informações.
Também é inegável que a maior crise sanitária mundial afetou o principal pilar de enfrentamento às neoplasias – o diagnóstico precoce.
O aumento da mortalidade dos casos de câncer de mama, durante a pandemia da covid-19, se deve aos diagnósticos tardios, ausência de investimentos nas campanhas de prevenção e promoção à saúde e ao desmonte da rede de atenção primária à saúde.
Segundo estudo publicado na BMC Health Services Research, periódico da Revista Nature, mais de um milhão de mulheres não realizaram mamografia em 2020, o que aumentou em torno de R$ 129 milhões os custos de tratamentos quimioterápicos no setor público brasileiro.
Nesse mesmo ano houve uma redução de 41% na taxa de cobertura do rastreamento de câncer de mama em mulheres de 50 a 69 anos de idade.
A falta de investimento em medidas de prevenção, além de custar muitas vidas, também representou um grave prejuízo ao orçamento do SUS.
Em 2020, a cada R$ 1,00 gasto no SUS com mamografia, foram gastos R$ 8,62 em quimioterapia para o câncer de mama.
Essa redução de investimento na atenção primária à saúde e nos cuidados com a saúde da mulher foi questionada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), que reprovou os relatórios anuais de gestão (RAG) de 2020 a 2022.
O controle social também fez recomendações ao Ministério da Saúde para que essa situação caótica de política de morte fosse revertida.
Entretanto, o governo de Jair Bolsonaro não atendeu à Constituição do Brasil e desrespeitou as deliberações do CNS.
Diante da dura realidade, onde as desigualdades sociais obstruem o acesso da população menos favorecida aos exames diagnósticos e tratamento, o que fazer?
Aqui não vamos criar receitas mágicas para mudar o atual cenário do câncer de mama no país. Mas fica evidente que o aumento do investimento orçamentário em ações de promoção e prevenção à saúde deve ser o foco das estratégias governamentais.
Fortalecer a Rede de Atenção Primária à Saúde, promover adequada condição de trabalho aos profissionais de saúde, formular campanhas inclusivas, que combatam todas as formas de preconceito, valorizar a participação social, garantir o acesso rápido a métodos diagnósticos de qualidade, incorporar novas tecnologias de saúde para assistência integral também são medidas efetivas para o adequado enfrentamento do câncer de mama no Brasil.
Nesse sentido, a sociedade também tem papel fundamental nas ações de preservação da vida.
Difundir campanhas de prevenção, acolher e apoiar todas as pessoas acometidas pelo câncer de mama, exigir das autoridades o cumprimento das leis federais, Nº 14.238/2021 e Nº 12.732/2012, que estabelecem os direitos das pessoas com câncer, são caminhos assertivos para que povo brasileiro possa contribuir para a redução das mortes causadas pelo câncer de mama.
Como parte da enfermagem brasileira, que tem defendido arduamente o cuidado adequado e integral à saúde de todas as pessoas, reforço que esta luta é de todos nós. Esta é uma luta em prol da vida!
*Shirley Marshal Díaz Morales é enfermeira da Estratégia Saúde da Família, servidora pública municipal de Nossa Senhora da Glória-SE, Conselheira Nacional de Saúde, Coordenadora Adjunta da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher – CNS, Vice-presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros e Presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Sergipe.
Via: viomundo.com.br