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CNS debate como enfrentar os danos de três séculos de regime escravocrata à saúde coletiva no Brasil
Fotos: CNS
Por definição, racismo é uma teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças e desencadeia em atitudes hostis em relação a determinadas categorias de indivíduos. No Brasil, após 125 anos de abolição do regime escravocrata (em face aos seus 328 anos de vigência) são evidentes as catastróficas consequências que esta prática gerou para a nossa sociedade.
No âmbito da Saúde Coletiva, questionar como o racismo impacta o acesso da população negra à saúde é cada vez mais urgente e deve ser rotineiro, pois o preconceito de raça aniquila toda a possibilidade de cuidado à saúde equânime, universal e integral, pilares básicos do Sistema Único de Saúde.
Com foco nessa maioria marginalizada historicamente, a Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde de Pessoas com Patologia (Ciaspp) propôs e levou para o centro da 347ª RO, realizada em Salvador entre os dias 18 e 19 de outubro, a pauta Racismo, Saúde da População Negra e Anemia Falciforme em Debate: a luta por um SUS antirracista.
O objetivo foi promover uma ampla discussão sobre como o controle social e a gestão do SUS estão trabalhando para enfrentar os danos que três séculos de regime escravocrata acumularam na saúde brasileira, sob a premissa de garantir, de fato, o direito à saúde a todos os cidadãos, conforme estipulado no Artigo 196 da Constituição Federal.
A mesa foi mediada pelas conselheiras nacionais de saúde Ana Lúcia Paduello e Heliana Hemetério, com participações de Doté Thiago, conselheiro nacional e representante da Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde (Renafro), Miranete Arruda, da Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, além de Paulo Roberto Guimarães e Sérgio Pedro da Silva, representantes da Secretaria de Atenção Primária à Saúde.
Doença Falciforme
A Doença Falciforme (DF) é prevalente na população negra e é importante que o diagnóstico seja feito de forma precoce, assegura Marinete Trajano, do MS. A doença possui origem africana, é genética e hereditária. Considerada grave, crônica e degenerativa, seu tratamento é preconizado no SUS por meio de protocolos clínicos, portarias, manuais e orientações.
Promulgada em 2005, a Portaria nº 1.391 de 16 de agosto institui no SUS as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias (PNAIPDF). Ela surge aproximadamente cem anos depois do primeiro relato da doença falciforme no país, registrado em 1910. Aos conselheiros e conselheiras, Miranete apresentou os desafios e as perspectivas da PNAIPDF, que perpassam desde a revisão e atualização da portaria que rege à política, o fortalecimento da hemorrede e a recriação da Câmara Técnica e a estruturação do Comitê da PNAIPDF, com participação do controle social, dentre outros.
A luta é também, para Paulo Roberto Guimarães, da Saps/MS, uma promoção ao acesso à saúde e aos demais direitos garantidos pela constituição federal. “Estamos falando, na verdade, de uma política para a maioria da população brasileira, que é formada essencialmente por pessoas pretas e pardas”, declarou o técnico. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, o número de pessoas negras, ou seja, que se autodeclararam pretas e pardas, constitui 56% do total da população brasileira em 2022.
Paulo reforçou também o papel histórico do CNS dentro dessas garantias. “Em 2005, após 68 anos de existência do Conselho, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e isso se deu graças ao movimento do controle social”, destacou.
Racismo Religioso e Políticas de Saúde
O racismo e a intolerância religiosa são promotoras de adoecimento e, especificamente, o preconceito religioso afeta de forma radicalmente violenta as religiões de matriz africana no Brasil, sendo um desafio também para a implementação da PNSIPN. Entre os participantes da mesa foi consensual a compreensão de que O CNS precisa ser este espaço que ajuda a fortalecer o estado laico, mas também o desejo individual de cada pessoa que em um momento paliativo, por exemplo, para além da atenção de um profissional de saúde também requer sua liderança religiosa.
Para Doté Tiago Soares, conselheiro nacional de saúde, a Resolução nº 715 de 20 de julho representou, para os povos de terreiro, uma enorme importância ao reiterar que espaços de religiões de matriz africana também são espaços de cuidado e atenção à saúde pública. “Os terreiros estão sempre nas periferias pois é lá que a grande parte da comunidade negra está, e lá nós construímos ações públicas, pois estamos em contato direto com este povo. Nós somos importantes na periferia, pois a nossa ancestralidade está na periferia”, ensina Doté.
O representante da Renafro no CNS explica como um terreiro pode agregar cuidados junto às devidas orientações e protocolos clínicos e biomédicos. “Meu terreiro é posto de saúde e de vacinação nas campanhas. As pessoas então já procuram o terreiro pois sabem que lá vai ter ponto de vacinação e esse acolhimento é comum. Ou seja, nós trabalhamos transformando o SUS, caminhando junto, e por isso a nossa importância”, destacou o líder religioso.
Ascom/CNS