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Boletim epidemiológico sistematiza de forma inédita dados de saúde da população negra
Foto: Walterson Rosa/MS
O número de mortes de gestantes por hipertensão caiu entre mulheres indígenas (quase 30%), brancas (-6%) e pardas (-1,6%), mas aumentou 5% entre mulheres pretas brasileiras entre 2010 e 2020. É o que apontam os dados do Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra, lançado nesta segunda-feira (23) pelos ministérios da Saúde e da Igualdade Racial. O levantamento também sistematiza, de forma inédita, dados sobre doença falciforme. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou que, a partir de agora, as notificações sobre a doença passam a ser compulsórias.
A decisão será publicada no Diário Oficial da União esta semana. O documento também retoma a análise epidemiológica com critério raça-cor, que não era realizada desde 2015, e inova ao compilar, pela primeira vez, as doenças e agravos monitorados pelos diversos sistemas de informação da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Dividido em quatro volumes, o boletim é uma importante ferramenta de monitoramento dos indicadores de saúde entre as pessoas negras e vai guiar políticas públicas de combate ao racismo, redução das desigualdades e promoção da saúde ao longo dos próximos anos.
Para Nísia, combater o racismo é a agenda do desenvolvimento sustentável, a agenda da equidade. “Essa pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social da saúde. Estamos retomando essa agenda com aprendizado. Aprendizado, muitas vezes duro, como foi a pandemia, como foi o governo passado. Aprendizado porque a sociedade brasileira elegeu o presidente Lula, senão essa agenda de hoje seria impossível. Nossa ideia é avançar e não podemos olhar somente do ponto de vista do senso comum - aquelas doenças com incidências com especificidade maior, como o caso da anemia falciforme, - mas é olhar este quesito raça, cor, etnia, em toda as políticas, em todos os dados da saúde, como demonstra o boletim”, declarou.
Os dados evidenciam o impacto do racismo enquanto um dos determinantes sociais de saúde e expõem a vulnerabilização da população negra em relação ao acesso das políticas já existentes. Exemplo disso são as causas de morte que atingem desproporcionalmente pessoas pretas e pardas, como a Covid-19, um dos principais motivos de morte materna no país em 2020. Dos 1.965 óbitos registrados naquele ano, 22% (430) foram por Covid-19. Desses, 63,4% (273) foram registrados entre mulheres pretas e pardas. Além da mortalidade materno-infantil, o primeiro volume do boletim traz temas como acesso à assistência pré-natal e baixo peso ao nascer, doença falciforme, vacinação e mortalidade por raça-cor.
A secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênia, destacou que falar da saúde da população negra exige refletir sobre as consequências que o racismo provoca na saúde das pessoas. “Nós estamos aqui vivendo esse momento histórico, porque está nas nossas mãos a oportunidade de transformação das condições de saúde da população negra, fortalecendo o cumprimento da Agenda 2030, em busca da efetiva implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável dedicados ao enfrentamento do racismo e pela promoção da igualdade racial em âmbito global. Estamos tratando sobre promover condições de vida saudáveis para todos”, defendeu.
Ana Lúcia Paduello, conselheira nacional de saúde pelo subsegmento de patologias, representou o Conselho Nacional de Saúde na cerimônia ressaltando a importância do evento e de se pautar o racismo na saúde. "Poucas vezes eu me reconheci em um espaço. Eu me vejo e me reconheço em vocês. Isso é muito importante pra nós. Porque muitos de nós foram únicos nos espaços, porque eles não são acessíveis para nós." A conselheira ainda destacou a forte presença da pauta anti racista na 17ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida no mês de julho. "Essas propostas são uma construção coletiva que saiu dos territórios, sendo aprovadas e homologada", afirmou.
Proporção de recém-nascidos com baixo peso aumenta entre mães negras e indígenas
Outro dado relevante, a proporção de crianças nascidas vivas com peso menor que 2,5kg aumentou entre as mães pretas, de 8%, em 2010, para 10,1% em 2020. O percentual também foi maior entre as pardas e indígenas, ao mesmo tempo em que caiu para as amarelas e ficou estável entre as brancas. Na média geral, o número de recém-nascidos com baixo peso permaneceu estável, de 8,4% para 8,6% no mesmo período.
O peso ao nascer é um dos indicadores de maior influência na saúde e sobrevivência infantil, uma vez que dados epidemiológicos revelam que crianças nascidas com peso abaixo de 2,5kg apresentam maior risco de mortalidade. Fatores como vulnerabilidade socioeconômica e falta de assistência médica estão entre os principais causadores do baixo peso e da morbimortalidade neonatal e infantil.
De acordo com o boletim, as malformações congênitas — alterações estruturais ou funcionais que ocorrem durante a vida intrauterina — e a prematuridade foram as principais causas de morte infantil entre 2010 e 2020. As condições responderam, respectivamente, por 21,6% e 16,3% dos óbitos registrados.
A malformação congênita, a partir de 2015, se tornou a principal causa de mortes infantis na população preta e parda, superando a prematuridade e as infecções perinatais. Para os recém-nascidos pretos, a proporção de óbitos por malformação congênita passou de 16,7% em 2010 para 19,1% em 2020, enquanto para os pardos subiu de 16,1% para 20,3% no mesmo período.
Em contrapartida, os óbitos por prematuridade reduziram ao longo dos anos analisados. Em 2010, as proporções de óbitos por prematuridade em crianças pretas e pardas eram de 17,1% e 19,7%, caindo para 14,8% e 15,5% em 2020, respectivamente.
Pela primeira vez, Ministério da Saúde sistematiza dados sobre doença falciforme
Atualmente, a doença falciforme é uma das patologias genéticas mais comuns em todo o mundo e afeta principalmente a população preta e parda. No Brasil, estima-se que há entre 60 mil e 100 mil pessoas com a doença, sendo a Bahia a Unidade Federada de maior incidência (9,46 casos a cada 100 mil habitantes), seguida por São Paulo (6,52 casos a cada 100 mil habitantes) e Piauí (6,23 casos a cada 100 mil habitantes).
Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), entre os anos de 2014 e 2020, a mortalidade por doença falciforme foi de 0,22 a cada 100 mil habitantes. Quando se trata de faixa etária, pessoas entre 20 e 29 anos correspondem ao maior percentual de mortes pela patologia no País.
O diagnóstico da doença falciforme é feito, principalmente, pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) – conhecido como “teste do pezinho”. No Brasil, entre os anos de 2014 e 2020 a cobertura média do programa foi de 82,37%. A incidência da patologia no período foi de um caso a cada 2,5 mil nascidos vivos (cerca de 1,1 mil casos por ano) e dois casos de traço falciforme — condição em que uma criança herda a mutação do gene falciforme de um dos pais — a cada cem nascidos vivos (média de 63 mil casos por ano).
A doença falciforme é genética, hereditária e de herança recessiva, sendo caracterizada por uma mutação no gene que produz a hemoglobina (HbA), que faz surgir uma hemoglobina mutante denominada S (HbS). A fim de transformar o panorama da doença no Brasil, em 16 de agosto de 2005, foi estabelecida a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias (PNAIPDF) no âmbito do SUS. O tratamento para a patologia é orientado pelo Ministério da Saúde por meio do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), bem como por portarias, diretrizes e manuais.
Hoje, aproximadamente 150 serviços de atenção ambulatorial especializada estão encarregados do acompanhamento de pacientes com doença falciforme no SUS. Além de fornecer medicações, são oferecidos exames de sangue e de imagem, consultas especializadas, suporte transfusional e a possibilidade de transplantes curativos da doença, incluindo transplantes alogênicos aparentados de medula óssea, sangue periférico e sangue de cordão umbilical.
O Ministério da Saúde mantém um cadastro nacional de pacientes com doença falciforme e outras hemoglobinopatias, o Sistema Hemovida Web Hemoglobinopatias. Em fevereiro de 2023, a ferramenta alcançou uma cobertura de 50% dos serviços de atenção especializada, com um total de 29 mil pacientes cadastrados, fortalecendo a abordagem abrangente da patologia no país.
A pasta também retomou as ações voltadas à Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme com a realização do IX Simpósio Brasileiro de Doença Falciforme, que vai acontecer em novembro deste ano. Além disso, houve um resgate das cooperações internacionais em saúde com Angola, e em andamento, Benin e Tanzânia, quanto à implementação de Políticas Públicas de Atenção as Pessoas com Doença Falciforme. Por fim, o Ministério da Saúde iniciou a oferta de curso de capacitação em Doença Falciforme para promover uma maior conscientização e aprimoramento de profissionais de saúde quanto ao tratamento e o fortalecimento da assistência aos pacientes e familiares.
Confira os boletins:
Saúde da População Negra - Volume 1
Saúde da População Negra - Volume 2
Confira a apresentação na íntegra
Com informações do Ministério da Saúde