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Conselho Nacional de Saúde debate atuação da AgSUS e encaminha críticas e propostas
Foto: CNS
Tinha uma Adaps no meio do caminho. Em dezembro de 2019, o governo Bolsonaro, através da lei 13.958, criou, sob essa sigla, a Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde, com o objetivo de gerir o programa Médicos pelo Brasil, substituto do Mais Médicos, cuja existência tinha sido alvo de duras críticas do candidato e depois presidente de extrema-direita.
Mas foi apenas depois de três anos de mandato, no período eleitoral de 2022, que o ex-presidente preparou algo concreto para reativar a contratação de médicos por um programa federal. E, ainda assim, o Médicos pelo Brasil, gerido pela Adaps, colecionou problemas e denúncias de corrupção e desvios, divulgados inclusive pela imprensa.
Para substituir a Adaps e interditar novos desvios, sem, no entanto, paralisar o programa Médicos pelo Brasil, o atual governo criou a AgSUS (Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS), por intermédio da lei 14.621/2023. A AgSUS também tem entre suas funções prover equipes para os programas de Saúde Indígena.
O projeto chegou ao Congresso Nacional na forma de medida provisória apresentada pelo governo, em março deste ano. Em junho, foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, e depois sancionado pelo presidente Lula.
A rapidez na tramitação e entrada em vigor precedeu o debate com movimentos sociais e entidades populares da área da saúde. E esta foi a principal e mais recorrente crítica ao projeto, durante a 2ª Oficina de Trabalho promovida pelo Conselho Nacional de Saúde para tratar da AgSUS, realizada no último dia 28 de novembro, em Brasília.
O encontro, intitulado “Desafios para o provimento e fixação de trabalhadores e trabalhadoras na Atenção Básica à Saúde e a transformação da Adaps em AgSus”, reuniu representantes do Ministério da Saúde e da própria agência. Mais de 80 representantes de movimentos e entidades participaram do debate.
Críticas, dúvidas e propostas foram apresentadas na oficina. Entre as quais:
- qual o impacto financeiro da criação da agência sobre o orçamento do SUS?
- a Atenção Básica no SUS é a porta de entrada das pessoas no sistema, e precisa considerar especificidades de raça, gênero, etnia e geracionais. Isso exige não apenas a contratação de médicos, mas de outras carreiras de saúde, e sempre na perspectiva de fixação nos territórios. A AgSUS vai contemplar isso?
- a estrutura da agência vai privilegiar indicações políticas em detrimento de pessoas com experiência e vivência nos territórios que serão atendidos?
- a contratação de profissionais de saúde se dará em que termos?
- a agência aponta para uma perspectiva de privatização do SUS?
“A aprovação da AgSUS em ritmo acelerado, sem debate com o controle social, nos colocou muitas dúvidas. Temos uma responsabilidade grande, representamos coletivos que se preocupam com mudanças que possam afetar o SUS”, cobrou Francisca Valda da Silva, coordenadora da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (CIRHRT) e integrante da Mesa Diretora do CNS.
Por sua vez, Altamira Simões, coordenadora da Comissão Intersetorial de Atenção Básica à Saúde (CIABS), cobrou: “A atenção básica é onde se dá o atendimento das especificidades das populações, e decisões neste âmbito não podem se dar sem um amplo debate”. Rildo Mendes, coordenador Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), destacou que há aspectos da realidade dos povos originários que não podem ser compreendidos sem diálogo permanente. "Uma estrutura montada sem discussão com o controle social corre o risco de se tornar danosa para os indígenas”.
Nésio Fernandes, secretário nacional de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, em resposta aos questionamentos, explicou que a AgSUS não é uma autarquia, portanto terá “caráter meramente prestacional”. Além disso, garantiu, “não há nenhuma chance de privatização. É um órgão da administração direta estatal”. Os custos da agência, pontuou, serão regidos pelas mesmas regras da administração direta.
Fernandes destacou que a AgSUS não vai interferir nas formas de contratação dos demais trabalhadores e trabalhadoras do sistema, uma vez que isso é responsabilidade de estados e municípios. Além do Médicos pelo Brasil, apenas a saúde indígena cabe exclusivamente à União, lembrou.
O secretário acrescentou que as contratações via AgSUS de profissionais para o atendimento das populações indígenas serão feitas, se houver esse entendimento, pelo regime CLT, com carteira assinada e direitos previstos na lei. Os funcionários da agência, também em regime CLT, serão admitidos depois de processo seletivo público, o que afasta o risco de indicações meramente políticas. Os participantes do Médicos pelo Brasil, por sua vez, continuarão sendo contratados como bolsistas, e os médicos tutores, via CLT.
Essas formas de contratação, segundo avaliação de Fernandes, vão tirar de cena as OS’s (organizações sociais) como gestores de programas de saúde que estão sob responsabilidade da União. “O modelo das OS’s, das gestões conveniadas, se esgotou. Não pagam nem o piso e em muitos casos não conseguem preencher as vagas”.
O presidente da AgSUS, André Longo, também presente ao encontro, garantiu que a agência apenas está gerindo, neste momento, o programa Médicos pelo Brasil, e que a ação nos territórios indígenas só vai ter início depois de debate com as populações e se for aprovada essa estratégia.
Na opinião de Lucinha Tremembé, a AgSUS será positiva para o atendimento da saúde indígena. Um dos motivos é a garantia de contratação via CLT, com 50% das vagas para indígenas. Segundo Lucinha, coordenadora de Participação e Controle Social na Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, além de substituir os contratos temporários, essa modalidade de contratação vai garantir a presença de integrantes das comunidades no atendimento ao público, o que nem sempre os concursos públicos permitem. Ela destacou ainda a criação de um Grupo de Trabalho para acompanhar o debate.
Bruno Almeida, diretor do Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde, afirmou que as condições de trabalho no âmbito da AgSUS devem ser acompanhadas a partir das mesmas preocupações e critérios do restante do sistema, incluindo a Mesa Nacional de Negociação Permanente.
O secretário Nésio lembrou que o Conselho Nacional de Saúde tem um assento reservado no conselho deliberativo da AgSUS, e insistiu para que o espaço seja ocupado. “O Conselho terá participação direta em toda e qualquer decisão que tomarmos”, garantiu.
Fernando Pigatto, presidente do CNS, afirmou que as propostas construídas durante a oficina serão encaminhadas, em forma de relatório, para o Ministério da Saúde, para as Comissões Intersetoriais e para a própria AgSUS. "Vamos seguir debatendo com o conjunto de conselheiras e conselheiros, criticando, propondo e, enquanto não tivermos uma deliberação diferente pelo plenário do CNS, não indicaremos representante para o conselho deliberativo da AgSUS", sinaliza. “Vamos continuar influenciamdo as políticas e a gestão da Saúde, pois esse é nosso papel constitucional. Estamos vigilantes”, disse.
Ascom CNS