Notícias
CNS
Saúde da mulher e mortalidade materna: racismo, falta de formação obstetrícia e ausência de direitos humanos colocam Brasil em ranking letal
Foto: CNS
Como reduzir a razão de morte materna (RMM) evitáveis no Brasil, que acomete principalmente mulheres pardas e pretas, entre 25 a 34 anos, com baixo acesso escolar e consequentemente baixa renda salarial, abriu as discussões neste primeiro dia da 344º Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), realizada nesta quarta-feira (19/7), em Brasília.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a RMM nos 38 países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo Brasil também faz parte, chega-se ao patamar de 7 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Aqui, onde 98% dos partos são realizados em ambiente hospitalar, esta razão é 10 vezes maior.
Para apresentar dados e estimular este debate, a Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher do CNS (Cismu/CNS) convidou Elisiane Gomes Bonfim, presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo Nacional), Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial e Grace Fátima Souza Rosa, coordenadora-geral de Articulação do Cuidado Integral do Ministério da Saúde (CGACI/DGCI/SAPS/MS). A mediação do debate foi realizada pelas conselheiras nacionais de saúde Madalena Margarida da Silva e Fernanda Magano.
Elisiane aponta que, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes), há apenas dois enfermeiros disponíveis para cada mil bebês nascidos vivos no país. “Pensar na Rede Cegonha como um modelo de assistência à gestação e puerpério é investir também na enfermagem obstétrica (...) o enfermeiro faz parte de uma equipe e há problemas de registro profissional, portanto precisamos mapear e fazer um censo da enfermagem obstétrica”, sugeriu. Ela conclui afirmando que investir na formação e no fortalecimento da atuação das enfermeiras obstétricas de acordo com padrões internacionais é um investimento econômico, pois economiza recursos ao reduzir intervenções dispendiosas. No entanto, há uma surpreendente falta de investimento em educação obstétrica de qualidade, apesar da evidência do impacto.
Recorte racial e os direitos humanos na Saúde
Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial afirma que falar sobre mortes maternas é reiterar um conjunto de violações sistêmicas de direitos e é preciso partir deste pressuposto ao analisar dados e construir políticas públicas que erradiquem essa situação.
“As mortes maternas são desconsideradas porque os direitos humanos das pessoas que gestam são desconsiderados como direitos universais. A morte materna tem rosto, história e CEP, e quando há conexão direta entre o desfecho evitável por causas relacionadas à gravidez ou parto, não é possível deixar de fazer conexões entre saúde, determinantes sociais e os princípios gerais de governança de um sistema que pretende ser integral, universal, humanizado e de qualidade sustentável”, revela.
A diretora reforça que essa ordem de violência começa antes em mulheres negras, que vivem situação de pobreza e tem acesso restrito aos serviços de saúde pública. “Racismo e todo o peso discriminatório está presente na mortalidade materna quando analisa-se que antes da pandemia de Covid-19 a razão de mortalidade em mulheres negras era 2,5% maior que em mulheres brancas. Na pandemia essa diferença ampliou-se em 4 vezes”.
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres
Grace Fátima Souza, da SAPS/MS, trouxe a perspectiva ministerial sobre a violência obstétrica, ressaltando a importância em se pensar no cuidado integral à saúde associando questões de gênero, direitos reprodutivos e desigualdades econômicas e raciais, o que coloca novamente a pauta dos direitos humanos no foco desta questão de saúde pública.
A técnica do Ministério da Saúde relembra que a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres existe há 20 anos e possui eixos temáticos e metas bem definidas, com ênfase na saúde sexual e na redução da taxa de mortalidade materna global. “Vínhamos numa curva decrescente e no período da pandemia o aumento desse índice de mortalidade foi absurdo. Houve queda considerável entre 1990 e 2016 de mais de 50%, mas entre 2019 e 2021 aglutinamos mais de 100% de aumento nos casos”, revela Grace.
Há também a perspectiva regionalizada da mortalidade materna. No período da pandemia a RMM aumentou em todas as grandes regiões do Brasil. Na região sul, por exemplo, a RMM aumentou 2,9 vezes, passando de 38,3 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos em 2019 para 111,9 em 2021. A diferença deste índice entre Roraima, maior estado com índice de RMM para Pernambuco, cujo índice é o menor no país, chega a ser de 4 vezes. Em 2021, houve 3.030 mortes maternas causadas, principalmente, por quadros de hipertensão arterial, seguido por hemorragia, infecção e aborto.
A Atenção Primária à Saúde (APS) segundo toda a mesa é, portanto, uma ferramenta para reduzir a morbimortalidade materna, mapeando mulheres em idade fértil e sua vinculação às equipes de saúde, dando acesso oportuno à métodos contraceptivos, garantindo consulta puerperal até o 7º dia pós-parto e oferecendo acompanhamento multiprofissional. Reduzir taxas de cesarianas desnecessárias e identificar precocemente sinais de gravidade somam as várias ações que devem ser urgentemente asseguradas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
Confira o álbum de fotos do primeiro dia da 344ª RO
Ascom/CNS