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Princípios do SUS são pilares da terapêutica do bem-viver
Foto: CNS
Provavelmente, a saúde mental é um campo em que os princípios fundadores do SUS podem ser vistos e sentidos com maior amplitude, tanto na ausência como nos momentos em que se realizam. As experiências compartilhadas na mesa de debates que ocupou a manhã do dia 12/12, com o título “Política de saúde mental e os princípios do SUS: universalidade, integralidade e equidade”, confirmam essa impressão.
Os três convidados da mesa, parte do Eixo 3 da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental Domingos Sávio (CNSM), concordam que não há nada mais contrário aos princípios fundadores do que a internação compulsória de pacientes de saúde mental. Isso porque, basicamente, a prática manicomial reduz todas as pessoas a um tratamento pré-formatado, que desconsidera as dimensões subjetivas de cada um, o conjunto histórico-social dos coletivos onde habitam e ainda punem as diferenças. Não é universalizante, é reducionista, não é integral, mas fragmentário, não é equânime, e sim preconceituoso.
Para seguir o rumo dos três princípios do SUS, as políticas de saúde mental precisam considerar e respeitar as especificidades de cada grupo atendido. A primeira convidada a falar, Priscila Góre Emílio, representante do povo indígena Guarita, do Rio Grande do Sul, reafirmou que as políticas precisam ser elaboradas junto com a população.
“O trabalho com as lideranças indígenas é extremamente importante. O SUS precisa conhecê-los”, disse. Além disso, é necessário que haja indígenas na condição de trabalhadores da rede pública, o que gera maior segurança e compreensão junto ao público. E essa lacuna precisa ser preenchida inclusive nos centros urbanos.
“Estamos em todos os lugares. A rede de cuidados precisa estar dentro e fora dos territórios indígenas”, afirmou Priscila, que é psicóloga e integrante do conselho regional do Rio Grande do Sul, na comissão de Direitos Humanos. Para ela, a violência contra os povos indígenas é resquício da colonização. E que a ameaça do chamado marco temporal, cujo veto presidencial ainda pode ser derrubado no Congresso, vai aprofundar as violências e, portanto, o adoecimento. “Meu corpo, meu território. Marco temporal mata”, bradou, sob aplausos da audiência.
Para o médico psiquiatra Pedro Gabriel Delgado, do Núcleo de Pesquisa em Saúde Mental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os princípios do SUS devem se guiar pelo conceito de bem-viver, que já havia sido defendido por Priscila. “Nosso mandato como médicos não é de cura de sintomas, mas a construção compartilhada de bem-viver. O sofrimento individual nasce de traumas coletivos, do contexto histórico e social”, disse. “Temos de combater a patologização do sofrimento. Não somos profissionais da medicalização”, completou.
Na opinião de Marco José de Oliveira Duarte, professor de Serviço Social na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o próprio conceito de doença é permeado de significados políticos. “Até os anos 1990, eu, que sou homossexual, era classificado como portador de uma patologia”, lembrou.
A construção do SUS, ressaltou Marco, também é um processo de luta política e social. “As diferenças se organizam, em torno da reivindicação de ser aceitas. A interseccionalidade é unir essas diferenças”. Por outro lado, segundo ele, “não há uma hierarquização do sofrimento. Somos todos oprimidos”. Contra o que chamou “clínica da precariedade”, criação típica dos anos que se seguiram ao golpe de 2016, o professor recorreu à Carta de Bauru, de 1987, documento que marca os primeiros momentos da luta antimanicomial no Brasil. “Nossa luta não é de hoje”, completou.
Ascom CNS