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Uso racional de medicamentos passa por medicalização e ausência de formação profissional sobre assistência farmacêutica
Foto: CNS
Por sugestão da Comissão Intersetorial de Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde (Ciaf/CNS), a 345ª Reunião Ordinária, realizada nos dias 16 e 17 de agosto, trouxe para o centro do debate o uso racional de medicamentos no Brasil. A relação entre os profissionais farmacêuticos e os prescritores, como os pacientes (usuários) podem estabelecer uma relação mais lúcida em relação ao uso de remédios, e a análise de políticas públicas que organizam a rede no âmbito da Assistência Farmacêutica foram alguns dos principais pontos apresentados aos conselheiros e conselheiras nacionais de saúde.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define que pacientes devem receber medicamentos adequados às suas necessidades clínicas, em doses que atendam às suas necessidades individuais, por um período de tempo adequado e ao menor custo para ele e sua comunidade, o que corrobora não apenas com a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) como também com a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS). O foco dessas políticas é atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais e de qualidade e os acessos a medicamentos e vacinas essenciais seguros e eficazes.
A Política Nacional de Assistência Farmacêutica, por exemplo, foi constituída na Conferência Nacional de Assistência Farmacêutica, realizada em 2003. A PNAF propõe interfaces econômicas, sociais e políticas sobre o uso de medicamentos e, segundo Marcos Aurélio Pereira, diretor do departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (DAF/SECTICS/MS) e um dos convidados da mesa para discutir o assunto, ela reforça também a atuação da participação social na elaboração de políticas públicas.
“A PNAF sempre foi para nós um dos casos emblemáticos de construção coletiva de uma política, pois ela foi moldada e estabelecida a partir da primeira Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica”, reforça. A PNAF é fundamentada na Resolução nº 388 de 6 de maio de 2004” do Conselho Nacional de Saúde.
O Programa Farmácia Popular do Brasil, que também surgiu em 2004, cumpre uma das principais diretrizes da PNAF. A partir de 2011, o Farmácia Popular passou a disponibilizar os medicamentos indicados para o tratamento da hipertensão e do diabetes sem custos para os usuários, cuja campanha foi denominada “Saúde Não Tem Preço”. Dados de uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas publicada em 2021 que monitorou os resultados do programa entre 2006 e 2012 revelaram que o subsídio oferecido pelo programa evitou cerca de 240 mil das hospitalizações (cerca de 17%) que poderiam ter ocorrido por conta do diabetes tipo 2, gerando uma economia de custos na faixa dos 13%.
De acordo com a pesquisa, o impacto é percebido especialmente entre as camadas mais pobres e mais vulneráveis. Segundo os dados analisados, o programa foi considerado custo-efetivo, o que significa que seu custo compensa o benefício causado. Em 2022, o governo federal cortou em 59% o orçamento do programa Farmácia Popular e de acordo com informações apresentadas pelo Ministério da Saúde (MS) no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023, o Programa Farmácia Popular atinge mais de 22 milhões de pessoas por meio de mais de 28 mil farmácias espalhadas por mais de 3.490 municípios do país.
Saúde da Família e Medicalização
Quantos usuários atendidos nos serviços usam mais de cinco medicamentos por dia? O profissional sabe exatamente o motivo pelo qual uma medicação foi prescrita? Os usuários sentem efeitos colaterais e usam regularmente o medicamento da forma como foi orientado? Elaborar esses questionamentos são essenciais para que o profissional de saúde tenha acesso a uma perspectiva mais real sobre a assistência farmacêutica (AF), segundo Ricardo Heinzelmann, Coordenador do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UFSM.
Ricardo, que é médico da família, avalia que o envolvimento dos pacientes usuários de medicamentos no processo de conscientização deste uso é de extrema importância para amenizar eventuais exageros e consequências fisiológicas, ou efeitos colaterais indesejáveis. Para potencializar o debate sobre o uso de medicamentos é preciso priorizar um espaço de diálogo sobre o tema, convidando todos os atores e atrizes envolvidos no processo e não somente os profissionais farmacêuticos, incluindo também os usuários (pacientes) de medicamentos.
Outro ponto levantado foi sobre a formação do farmacêutico como fundamental sob a perspectiva da AF no âmbito da Atenção Primária à Saúde, entendendo que a AF não atua simplesmente na dispensação de medicamentos. “A pequena presença de médicos de família e comunidade no país, hoje em torno de 10 mil profissionais no Brasil todo, é um diferencial nessa perspectiva. É na saúde da família que a gente coordena o cuidado e boa parte desses problemas pode ser feito via Estratégia Saúde da Família ”, defende Ricardo, que revela também que congressos e eventos científicos voltados à medicina em saúde da família não recebem patrocínios de grandes laboratórios e indústrias farmacêuticas.
Essa formação dos profissionais de saúde e de todos que diariamente trabalham no âmbito do SUS deve se atentar também para a medicalização, ou seja, quando problemas não médicos passam a ser definidos e tratados como médicos, transformando experiências sentidas em objetos da Saúde. Com tantos avanços na ciência e na saúde, a percepção das pessoas é que elas estão mais doentes que antes e isso se dá, também, graças a progressiva medicalização da vida cotidiana, que trouxe expectativas irrealistas de cura.
E mais, há uma relação subjetiva com o medicamento, traduzindo-os como objetos sócio técnicos e com construção sócio-cultural. “Existe até mesmo um fetiche em relação aos medicamentos onde o usuário acredita que o simples acesso a eles pode gerar a cura”, revela Ricardo, que finaliza completando que “Somado a este processo, temos toda uma complexificação do cenário epidemiológico brasileiro, especialmente com o envelhecimento da população, que naturalmente amplia o aumento do uso de medicações”.
Mercado de medicamentos no Brasil
Elaborado pela Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (SCMED) e divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a 6ª edição do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico aponta dados sobre a indústria e comercialização de fármacos no Brasil. De acordo com as informações do anuário, a venda de medicamentos no país gerou, em 2022, um faturamento de R$ 131,2 bilhões com a venda de mais de 5,7 bilhões de embalagens de medicamentos.
Dentre os princípios ativos mais vendidos, destacam-se o Cloreto de Sódio, que tem várias indicações como descongestionante ou para limpeza de ferimentos, seguido pela Losartana Potássica, medicamento indicado para quadros de hipertensão. A Losartana é também um dos medicamentos mais prescritos e pertence ao rol de produtos oferecidos a custo zero pela Farmácia Popular do Ministério da Saúde.
O cenário do mercado farmacêutico nacional é composto, em sua maioria, por grandes empresas. Do total de 217 empresas que comercializaram medicamentos em 2022, 59 (27,2%) possuem faturamento superior a R$500 milhões, e somam juntas 86,9% do faturamento total do setor. Dados do Portal de Transparência indicam que o orçamento anual previsto em 2023 para o SUS alcança R$180,32 bilhões, dos quais a Assistência Farmacêutica utiliza 9,91%, o que corresponde a cerca de R$8 bilhões.
A mesa sobre uso racional de medicamentos contou também com a participação de Antônio Mendes dos Santos Júnior, representante da Executiva Nacional dos Estudantes de Farmácia (Enefar) e mediação de Neilton Araújo e Madalena Margarida da Silva, conselheiro e conselheira nacionais de saúde.
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Ascom CNS