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Agência Lupa: Entenda o que é a Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde
Publicado em
07/08/2023 00h00
Atualizado em
04/09/2024 14h23
Foto: CNS
Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, deliberou sobre as diretrizes que irão nortear a formulação do Plano Plurianual e do Plano Nacional de Saúde. Foto Augusto Coelho / CNS. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou, em 20 de julho, a Resolução nº 715/2023, que possui 59 orientações estratégicas que servem de subsídio para o Ministério da Saúde formular o Plano Plurianual (PPA) e o Plano Nacional de Saúde (PNS). O documento foi construído a partir de uma série de conferências pelo país, que contaram com a participação de cerca de 2 milhões de pessoas. Nas redes sociais, alguns pontos da resolução provocaram a disseminação de uma série de informações distorcidas que relacionam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a temas como aborto e maconha.
O que diz a Resolução nº 715/2023?
O documento compila as diretrizes apresentadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde com intuito de orientar os planos de gestão para saúde do governo federal e garantir a implementação das demandas populares no Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo a Resolução do CNS nº 680/2022, a conferência tinha como objetivo debater o tema "Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia - Amanhã Vai Ser Outro Dia"; reafirmar e efetivar princípios e diretrizes do SUS, da universalidade, integralidade e equidade; mobilizar e estabelecer diálogos com a sociedade sobre saúde como um direito constitucional; garantir a devida relevância à participação popular e ao controle social do SUS; e avaliar a situação de saúde e construir uma mobilização permanente das forças da sociedade que incidem sobre o setor.
Dentre as 59 orientações contempladas na Resolução nº 715/2023 estão, por exemplo, fortalecer o Estado democrático de direito e efetivar o SUS universal e equânime (diretriz 4); implementar a Política Nacional de Cuidados Paliativos (7); fortalecer a Política Nacional de Assistência Farmacêutica e a Política Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação em Saúde (9); garantir atenção em saúde às pessoas com sequelas e familiares de vítimas de Covid-19 (11); e resgatar o protagonismo do país na agenda sanitária internacional (13).
Quais pontos da resolução têm repercutido nas redes sociais?
Três orientações, relacionadas ao aborto, à população LGBTQIA+ e à maconha, têm sido alvo de críticas. Entre elas está a diretriz 49, que garante a “intersetorialidade nas ações de saúde para o combate às desigualdades estruturais e históricas, com a ampliação de políticas sociais e de transferência de renda, com a legalização do aborto e a legalização da maconha no Brasil”.
Também repercutiu a diretriz 45, a qual garante os “direitos sexuais e os direitos reprodutivos das mulheres, meninas e pessoas que podem gestar tendo por base a justiça reprodutiva e atenção à saúde segundo os princípios do SUS, considerando os direitos das pessoas que menstruam e daquelas que estão na menopausa e em transição de gênero, tendo em conta, no sistema de saúde, a equidade, igualdade com interseccionalidade de gênero, raça/etnia, deficiência, lugar social e outras”.
Por fim, tem sido alvo de ataques a diretriz 44: “Atualizar a Política Nacional de Saúde Integral LGBT para LGBTIA+ e definir as linhas de cuidado, em todos os ciclos de vida, contemplando os diversos corpos, práticas, existências, as questões de raça, etnia, classe, identidade de gênero, orientação sexual, deficiência, pessoas intersexo, assexuais, pansexuais e não binárias, população em restrição de liberdade, em situação de rua, de forma transversal, e integração da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; revisão da cartilha de pessoas trans, caderneta de gestante, pré-natal, com foco não binário; com a garantia de acesso e acompanhamento da hormonioterapia em populações de pessoas travestis e transgêneras, pesquisas, atualização dos protocolos e redução da idade de início de hormonização para 14 anos”.
O que são as orientações da Resolução nº 715/2023 e para que servem?
São diretrizes que obtiveram o voto favorável de, no mínimo, 50% mais um dos delegados presentes na Plenária Deliberativa da 17ª Conferência Nacional de Saúde. As propostas são provenientes das conferências municipais, livres e estaduais de saúde que antecederam o encontro em Brasília. As orientações não têm força de lei.
"Na etapa nacional, são aprovadas deliberações, no formato de diretrizes, propostas e moções, oriundas dos debates das etapas anteriores, para compor o Relatório Final, documento que busca subsidiar a gestão do SUS na tomada de decisões, definição de ações prioritárias e elaboração dos planos de saúde. Decisões de Conferência somente podem ser alteradas por outra Conferência", diz o CNS, em nota informativa.
É a primeira vez que uma resolução do CNS causa polêmica?
Não. Em 2019, após pressão de bolsonaristas nas redes sociais, o então ministro da Saúde Marcelo Queiroga revogou duas orientações da Resolução nº 617/2019, oriundas da 16ª Conferência Nacional de Saúde. Foram alvos a diretriz 73, sobre o “direito ao aborto legal, assegurando a assistência integral e humanizada à mulher", e a 17, que previa o fortalecimento, ampliação e obtenção de aporte financeiro público próprio para políticas e ações voltadas à população LGBTQIA+.
O CNS, porém, não recuou e divulgou uma nota pública destacando que mantinha todas as diretrizes da Resolução nº 617/2019.
A resolução é um plano do governo Lula?
Não. As diretrizes do programa de governo de Lula e Geraldo Alckmin (PSB), apresentado durante a eleição do ano passado, não citam “aborto”, “maconha” ou “hormonização”, por exemplo. A população LGBTQIA+ chegou a ser citada em um item (nº 41) que prometia, de forma genérica, “direito à saúde integral” desse grupo, mas sem se aprofundar no tema.
O governo Lula é obrigado a incorporar no PNS todos os pontos da Resolução nº 715/2023?
Não. A Portaria de Consolidação do Ministério da Saúde nº 1/2017 determina que o “Plano de Saúde deverá considerar as diretrizes definidas pelos Conselhos e Conferências de Saúde e que ele deve ser submetido à apreciação e aprovação do Conselho de Saúde respectivo”. Ou seja, as diretrizes presentes na resolução representam um importante referencial para a elaboração do plano, mas a legislação não estabelece que ela seja seguida à regra.
Em nota enviada à Lupa, o Ministério da Saúde informa que cumpre a legislação e a Constituição. Também aponta que a “atual gestão não tem projetos de alteração das normas em vigor”.
Como a Resolução nº 715/2023 foi formulada?
A Resolução nº 715/2023 foi redigida a partir das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre os dias 2 e 5 de julho, em Brasília. O evento tinha como tema “Garantir Direitos, defender o SUS, a Vida e a Democracia - Amanhã vai ser outro dia!”.
A primeira Conferência Nacional de Saúde ocorreu em 1941, com destaque para a 8ª edição, em 1986, cujo relatório final serviu de base para o capítulo sobre Saúde na Constituição Federal de 1988, resultando na criação do SUS. A Lei Federal nº 8.142/1990 determinou que sua realização ocorra a cada quatro anos. A edição deste ano vinha sendo convocada desde maio de 2022.
Antes do encontro na capital federal, entre novembro de 2022 e março de 2023, ocorreram as etapas municipais; já entre abril e maio de 2023, foram realizadas as etapas estaduais e do Distrito Federal que elegeram 4.048 delegados para deliberar, em Brasília, sobre 1.500 propostas apresentadas nessas etapas preparatórias. Conforme a Resolução nº 680/2022, do CNS, entre os delegados estão representantes do conselho; do segmento gestor e prestador de serviço em saúde (de âmbito municipal, estadual e federal); de entidades do segmento trabalhador de saúde; e de entidades e movimentos do segmento de usuários do SUS (página 18).
“Não é um evento, é o final de um processo que culmina na etapa nacional. Uma construção que envolveu mais de 2 milhões de pessoas no Brasil. Quem chega na conferência nacional são pessoas eleitas delegadas nos diversos espaços de possibilidades de opinarem e debaterem propostas. E não são só pessoas, elas vem representar propostas e diretrizes que foram aprovadas nas conferências”, disse o presidente do CNS, Fernando Pigatto, na ocasião.
A realização da conferência é estabelecida pelo parágrafo 1º, do Artigo 1º, da Lei Federal nº 8.142/1990, a qual determina que a reunião ocorra a cada quatro anos e inclua a representação dos vários segmentos sociais para "avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde".
O que é o Plano Plurianual (PPA) e o Plano Nacional de Saúde (PNS)?
O PPA é o principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do governo federal. Conforme o parágrafo 1º, do artigo 165, da Constituição Federal, o PPA define as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal. A legislação contempla as despesas de capital (com investimentos, por exemplo) e outras delas decorrentes, além das relativas aos programas de duração continuada.
O plano é estabelecido por lei, com vigência de quatro anos. Ele se inicia no segundo ano de mandato de um presidente e se prolonga até o final do primeiro ano do mandato de seu sucessor. O PPA 2020-2023 foi instituído pela Lei Federal nº 13.971/2019, revisado pela Lei Federal nº 14.235/2021 e pela Portaria ME nº 5.806/2021.
A elaboração do PPA começa a partir de um projeto de lei proposto pelo Poder Executivo, que deve ser submetido ao Congresso Nacional até quatro meses antes do encerramento do primeiro ano de mandato do presidente. O novo plano é, então, avaliado e votado pelos congressistas para, em seguida, ser devolvido ainda no mesmo ano para sanção do presidente.
Durante sua vigência, o PPA norteia a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). A Constituição determina também que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais sejam elaborados em consonância com o PPA.
Já o Plano Nacional de Saúde (PNS) é o instrumento que baliza o planejamento, monitoramento e avaliação das políticas e programas do Ministério da Saúde. Conforme a Portaria de Consolidação nº 1/2017, o plano norteia a elaboração do planejamento e orçamento do governo no tocante à saúde.
A Lei Federal nº 8.080/1990 determina que o processo de planejamento e orçamento do SUS seja ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos municípios, estados, Distrito Federal e União. A Lei Complementar nº 141/2012 aponta que cabe aos Conselhos de Saúde deliberar sobre as diretrizes para o estabelecimento de prioridades.
Já a Lei Federal nº 8.142/1990 estabelece que a Conferência de Saúde deve ser realizada a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde. Para que tenha efeito, o PNS precisa estar alinhado às demais iniciativas e instrumentos governamentais, com o PPA, LDO e LOA, já que é vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos da saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública na área.
O que é o Conselho Nacional de Saúde (CNS)?
É um colegiado permanente do SUS e faz parte da estrutura organizacional do Ministério da Saúde. Criado em 1937, sua missão é fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas de saúde nas suas mais diferentes áreas, levando as demandas da população ao poder público. É conhecido por ser um órgão público responsável por exercer o controle social na saúde.
Entre as principais atribuições está a realização de conferências e fóruns de participação social, além de aprovar o orçamento da saúde e acompanhar a sua execução, avaliando a cada quatro anos o PNS. Suas atribuições são reguladas pela Lei Federal n° 8.142/1990.
É composto por 48 conselheiros, representantes dos segmentos de usuários, trabalhadores, gestores do SUS e prestadores de serviços em saúde. Entre os membros estão o Ministério da Saúde, movimentos sociais, instituições governamentais e não-governamentais, entidades de profissionais de saúde, comunidade científica, entidades de prestadores de serviço e entidades empresariais da área da saúde.
Fonte: Agência Lupa