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Médico chileno, Roberto Tapia, ingressa na OPAS Brasil
Foto: Opas
As Unidades Técnicas de Sistemas e Serviços de Saúde e Capacidades Humanas em Saúde da representação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil estão sob a coordenação do médico chileno Roberto Tapia, desde novembro passado, quando a médica Mónica Padilla foi assessorar o escritório da OPAS/OMS na Colômbia, após quatro anos no Brasil. O cargo é responsável pela interlocução com várias secretarias do Ministério da Saúde, com os conselhos como Conass, Conasems e Conselho Nacional de Saúde, além de cooperar com os sistemas sanitários de estados e municípios.
Roberto Tapia (60) traz para o Brasil sua larga experiência como gestor em saúde pública, adquirida ao longo da carreira no Ministério da Saúde do Chile; como médico de emergências pediátricas e como consultor em planejamento e infraestrutura de unidades hospitalares. A experiência com organismos internacionais tornou-se mais presente em sua trajetória profissional após coordenar a área de cooperação e assuntos internacionais do Ministério da Saúde do Chile, em 2003. Fora do governo, trabalhou em projetos internacionais de cooperação técnica na área de sistemas e serviços de saúde em vários países da Região das Américas, por meio de consultoria no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Tapia descobriu a paixão pela área da investimentos em infraestrutura de saúde quando atuou como consultor em projetos de hospitais públicos na reformulação e expansão da rede hospitalar do Chile, a partir de 2006. “Tenho interesse pelo aspecto estratégico, de desenho e de governança do sistema de saúde, e estruturação de redes de saúde, mas também me encanta o funcionamento da unidade hospitalar e atenção primária, quais suas necessidades de infraestrutura de equipamento, comunicação, insumo para permitir uma atenção em saúde de qualidade e adequada ao território, para a cultura local, para as necessidades dos usuários e de seus familiares”, reflete Tapia.
Acompanhe abaixo a entrevista concedida ao Portal da Inovação na Gestão do SUS.
Portal da Inovação – O que o sistema de saúde do Brasil tem a ensinar e a aprender com relação ao sistema de saúde do Chile e vice-versa?
Roberto Tapia – A governança em saúde do Brasil é algo muito potente, democrática e colegiada em todos os níveis da federação. Na maioria dos países da Região das Américas, a governança é vertical e com pouca participação social, construída na centralidade do modelo médico-hospitalocêntrico. Chama-me a atenção a necessidade de disseminar essa informação sobre a governança do SUS. Aqui, em um país continental como o Brasil e com enormes desafios em saúde, também há uma produção científica de qualidade, com a participação dos melhores especialistas em saúde pública do mundo, que se pode contar.
No Chile, o sistema de saúde é muito mais difuso, ainda centrado no modelo médico-hospitalocêntrico e com uma marcante participação do setor privado. No Chile temos uma capacidade maior de ordenar a rede de serviço, porém ela ainda está muito centrada no modelo médico com uma lógica sequencial. Acredito que a APS no Chile está caminhando para o cumprimento de padrões de qualidade, apesar de todas dificuldades. O Chile tem uma experiência em investimento em instalações hospitalares de saúde, onde priorizou a construção de hospitais de grande porte e de centros de atenção especializada e atenção primária. No Chile, também temos uma formação e uma atuação mais arrojada da categoria da Enfermagem, habilitada com mais competências de atuação no sistema de saúde.
Aqui no Brasil, com 5.570 municípios, a infraestrutura hospitalar é bem mais complexa, mais numerosa, difícil de ordenar. Meu interesse no Brasil é trabalhar com o desenvolvimento da APS e das Redes de Atenção à Saúde, identificando as fortalezas do SUS e contribuir para superar os gargalos.
A Covid-19 mudou a agenda em saúde em todo o mundo. Temos um desafio a superar que é a grande demanda reprimida dos sistemas de saúde desde a APS até a alta complexidade, como por exemplo a carga de cirurgias eletivas, morbidade por doenças crônicas, como câncer, e ainda as doenças transmissíveis. Com certeza, a Covid-19 evidenciou a necessidade de investir mais no planejamento do sistema de serviço.
Portal da Inovação – A APS tem um orçamento inferior dentro do total de recursos do Ministério da Saúde do Brasil como do Chile. Como inovar neste cenário?
No Chile a APS partiu de um orçamento de 10% do total dos recursos do Ministério da Saúde, nos anos de 1990, para cerca de 22% atualmente sem ir muito mais longe. Minha impressão é que há espaço para avançar com mais eficiência, a APS precisa ser eficiente e sustentável. O setor saúde precisa aprender a trabalhar com o mundo político e econômico para que o Ministério da Saúde seja visto como uma área de investimento e não de gasto. O gasto público em saúde ainda está abaixo do recomendado nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável/2030 de 6% do Produto Interno Bruto (PIB), o que reflete no subfinanciamento da APS. A saúde é um tema muito complexo, por isso temos que sistematizar experiências tecnicamente potentes e sustentáveis que resultem em mais saúde para a população. Usar mais tecnologia de informação e comunicação na assistência à saúde, com um protagonismo maior da categoria da Enfermagem, especialmente, na APS e em lugares de mais difícil acesso. Enfim, o pessoal que integra o cuidado é a Enfermagem, mas a APS no Brasil tem uma característica comunitária muito potente com o trabalho dos agentes comunitários de saúde. A concorrência com a atenção hospitalar sempre foi desigual, com os custos em saúde crescendo exponencialmente.
Portal da Inovação – A missão da OPAS, além de apoiar tecnicamente os países, está voltada para a produção de conhecimento científico com objetivo de subsidiar as políticas de saúde. Será prioridade na sua gestão a parceria com o setor acadêmico?
Roberto Tapia – É uma função da OPAS produzir conhecimento. A produção da comunidade científica no Brasil é impressionante. A capacidade de análise é de alto nível. Acredito que a academia precisa acompanhar as demandas do sistema de saúde e dar respostas aos desafios postos aos gestores de saúde. O sistema de saúde tem que produzir saúde e ser sustentável, uma qualidade que se valoriza muito na OPAS/OMS. Outro desafio ligado à produção de conhecimento está a capacidade de comunicação desses resultados. Veja como essencial também potencializar a circulação do conhecimento acadêmico.
Portal da Inovação – Há um cenário bastante negativo para a economia do país e também para o setor saúde neste próximo ano, agravada ainda mais com a pandemia de Covid-19. Como escolher prioridades em saúde neste cenário tão desafiador?
Roberto Tapia – É um desafio para todos os países. Não podemos desmobilizar e devemos continuar agindo com a mesma urgência que se trabalha nesta pandemia sanitária. Não podemos perder a valiosa integração entre o setor público e privado, como ocorreu no Chile durante o enfrentamento do pico da Covid-19, e temos que fortalecer o sistema público de saúde, pois as demandas em saúde vão explodir, como por exemplo, a carga de doenças crônicas, como o câncer. É um desafio do país, é fundamental trabalhar ao lado do Ministério da Economia, das Finanças e da Fazenda. O mundo da saúde e o da economia tem que conversar para priorizar uma agenda única.
Portal da Inovação – Temos uma ferramenta de cooperação técnica na OPAS Brasil, chamada de Laboratório de Inovação em Saúde. Qual a sua percepção sobre a ferramenta?
Roberto Tapia – É uma ferramenta de cooperação técnica com uma metodologia flexível, com foco em diferentes temas importantes para as políticas de saúde. O Laboratório de Inovação em Saúde tem a capacidade de identificar, realizar uma análise, com uma dinâmica própria, para capturar e sistematizar a experiência. Nestes 10 anos de Laboratório de Inovação, há inovações que precisam ser divulgadas em outros países. Tenho interesse também em aprofundar por meio da metodologia, análises sobre práticas que enfoquem a economia em saúde. Também gostaria de ver a ferramenta sendo utilizada em toda a OPAS/OMS, e continuarei apoiando o que já está sendo feito.
Fonte: Opas