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“A transfobia adoece e mata. Temos que nos comprometer com a vida”, diz conselheiro de saúde no Dia Nacional da Visibilidade Trans
Foto: Reprodução/Sinpsi-SP
No dia 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data marca a trajetória da luta de transexuais e travestis pela inclusão social, ampliação de direitos e pelo reconhecimento e respeito às transgeneridades. Mas, apesar das conquistas ao longo dos últimos anos, a realidade vivenciada por esta população ainda é traduzida nas mais diversas formas de violência.
De acordo com levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), somente em 2020 foram assassinadas 175 pessoas trans, o que representa o segundo maior número de toda a série histórica, pouco abaixo dos 179 registrados em 2017.
Os dados constam no Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, que confirma o alto índice de violência apresentado pelo Trans Murder Monitoring (“Observatório de Assassinatos Trans”, em inglês), onde o Brasil ocupa o topo do ranking mundial de violência contra este público.
O dossiê indica que as travestis e transexuais femininas constituem um grupo de alta vulnerabilidade à morte violenta e prematura no Brasil, com uma expectativa de vida de 35 anos, enquanto a da população em geral é de 74,9 anos. Os dados apresentados, além de denunciarem a violência, explicitam a urgente necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios contra estas pessoas.
“Amargamos a estatística de ser o país que mais consome pornografia trans e ocupamos o pódio do país que mais mata mulheres trans e travestis, homens trans e transmasculines. Não há solução individual para problemas coletivos. Essa é uma responsabilidade de todas, todos e todes para enfrentar e superar a transfobia em nosso país”, afirma o conselheiro nacional de saúde, Theodoro Rodrigues Lima, que representa a União Nacional LGBT (UNA-LGBT) no CNS e é a segunda pessoa trans a ocupar um assento no colegiado.
Falta de dados
Sair da invisibilidade e ter seu perfil completo em dados oficiais está entre as antigas reivindicações do movimento LGBTQIA+. No entanto, o Censo Demográfico que será realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) neste ano não incluirá perguntas sobre sexualidade e identidade de gênero.
“A falta de dados configura como mais uma marca da violência. O Brasil continuará por mais dez anos sem conhecer a sua população trans e isso é muito grave. É preciso que o Estado invista em pesquisas, faça um mapeamento e conheça estas pessoas, porque só assim teremos políticas afirmativas e eficazes para este público”, avalia Theodoro.
Direitos trans são direitos humanos
As manifestações e mobilizações coletivas de diversas organizações e movimentos sociais liderados por mulheres trans e travestis, homens trans e transmasculines resultaram em importantes avanços e conquistas relacionadas à saúde.
Em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças mentais. Em 2004, foi instituído o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Em 2006, o SUS passou a aceitar o uso do nome social para a população trans e em 2008 é conquistado o Processo Transexualizador através do sistema. O primeiro ambulatório de Saúde do Brasil dedicado exclusivamente para pessoas trans foi inaugurado, em 2009, em São Paulo.
Atualmente, há cerca de 33 espaços, entre hospitais e ambulatórios, especializados no processo transexualizador. O fato é considerado um avanço para a população trans brasileira, contudo, a luta para a efetivação desse programa ainda é necessária, diante de todos os ataques e violências que a população LGBTQIA+ vivencia.
Em 2018, a OMS retirou da transexualidade a classificação como transtorno mental e em 2022 ela passou a constar como incongruência de gênero na Classificação Internacional de Doenças (CID).
“Todas as conquistas são frutos da luta coletiva, mas ainda há muito o que avançar. Precisamos de mais investimentos, voltar nossa atenção ao processo transexualizador, saber o número real de pessoas que estão nas filas, quantas alcançaram as cirurgias e são acompanhadas. É preciso dialogar em todos os espaços, porque a transfobia adoece e mata. Temos de nos comprometer com a vida”, afirma Theodoro.
Debate no CNS
Em 2008, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, e publicada pela Portaria nº 2.836/2011.
No CNS, a temática é acompanhada pela Comissão Intersetorial de Políticas de Promoção da Equidade (Cippe), que atua no combate ao preconceito e pela promoção da equidade em saúde, para que toda a diversidade tenha seu direito à Saúde garantido, entendendo que a discriminação e a violência contra este público determinam adoecimentos e mortes.
Segundo Altamira Simões, conselheira nacional de saúde que coordena a Cippe, a comissão vem intervindo nos rumos das políticas de equidade em saúde, para garantir o acesso integral, humanizado e de qualidade em todos os níveis da rede de atenção à saúde no SUS às pessoas em situações de vulnerabilidade.
“Diante dos desmontes das poucas políticas que possibilitaram acesso a essa população, atualmente há um agravamento na negação de direitos e aumento da violência, inclusive de mortes. A existência transsexual é insegura numa estrutura machista, patriarcal e cis heteronormativa. Se essas pessoas forem negras, aumentam ainda mais os riscos de serem violentadas e terem seus direitos à vida e reconhecimento como cidadãs e cidadãos negados”, afirma.
O presidente do CNS, Fernando Pigatto, destaca que o colegiado se soma diariamente à luta das pessoas trans e travestis, contra o preconceito, pelo reconhecimento social e pelo acesso integral à saúde para todos, todas e todes.
“Somos veementemente contrários a toda forma de opressão e discriminação e reafirmamos o nosso posicionamento, em defesa da vida. Nos somamos à luta das pessoas trans contra a transfobia, principalmente aquela encontrada no sistema de saúde, e pela qualidade de vida que, através do acesso à saúde, a população transgênero merece ter”, avisa Pigatto.
Câmara Técnica sobre população trans
No intuito de debater e promover os direitos para a população transexual e travesti no Sistema Único de Saúde (SUS), o CNS realizou em novembro de 2021 o Webinário Transcomunicação em Rede, com especialistas convidadas e convidados que reafirmaram a necessidade de criação de uma câmara técnica vinculada ao controle social para articular uma rede de ambulatórios trans no Brasil.
História
O Dia Nacional da Visibilidade Trans é celebrado desde 2004, quando pela primeira vez mulheres trans e travestis, homens trans e transmasculines estiveram no Congresso Nacional para conversar com parlamentares sobre a realidade desta população. Na ocasião, ocorreu o lançamento da campanha Travesti e Respeito.
Ascom CNS