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Artigo: População trabalhadora em tempos de pandemia. Quais caminhos de luta temos pela frente?, por Fernando Pigatto
Foto: G1
O Dia do(a) Trabalhador(a) faz alusão a 1º de maio de 1886, quando trabalhadores de Chicago (EUA) realizaram uma greve com o objetivo de conquistar condições melhores de trabalho.
Infelizmente, o ato terminou em confronto com a polícia, resultando em inúmeros feridos e mortos.
No Brasil, diante de nossa história recente, não temos o que comemorar.
Se antes da pandemia de Covid-19 já vivíamos um cenário sombrio, com a realidade atual, a situação ficou ainda mais difícil.
No Brasil, os trabalhadores sempre enfrentaram grandes desafios.
Ao mesmo tempo, aqui, os movimentos sociais, lutas e mobilizações sempre estiveram na linha de frente, com coragem e perseverança, em busca da conquista de direitos.
Somos um país que emerge das revoltas populares para que tenhamos a qualidade de vida que sonhamos.
Está na Constituição Cidadã de 1988 que o trabalho digno é um direito do povo, tendo sua promoção como dever do Estado.
Portanto, é papel do Conselho Nacional de Saúde (CNS), junto com entidades trabalhistas, centrais sindicais e da saúde, somar forças e resistir diante do que vivemos nos últimos anos, em especial desde 2016 com as reformas Trabalhista e da Previdência, que beneficiam o patronato em detrimento dos trabalhadores e trabalhadoras.
No Brasil, além da fragilização dos marcos legais trabalhistas, é preocupante a questão acidentária, que continua gerando muitas vítimas.
Anualmente, mais de 700 mil acidentes do trabalho ocorrem no país.
E, a cada dia, considerando apenas os dados oficiais do Ministério Público do Trabalho, aproximadamente 55 empregados deixam definitivamente o mundo do trabalho por morte ou incapacidade permanente.
Além dos acidentes, as doenças relacionadas ao trabalho também vêm aumentando, sendo que o mecanismo mais eficiente para a redução de acidentes e doenças é o investimento sistemático em medidas de segurança e saúde da população trabalhadora. É necessário também propagar uma cultura prevencionista perene no ambiente de trabalho.
Somado a esse contexto, vimos os trabalhadores e trabalhadoras da saúde chegarem aos limites físico e mental para exercerem seus ofícios, cuidando de todas as pessoas que enfrentam a Covid-19.
Tudo isso diante de baixas remunerações, falta de EPIs, jornadas exaustivas, estresse e desfinanciamento constante e crescente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, a PEC da morte, cortes orçamentários nos recursos do SUS afrontam a Constituição.
Para piorar a situação atual, a pandemia foi negligenciada pelo governo federal, que se absteve da coordenação nacional da crise sanitária e contribuiu com seu agravamento.
O governo foi contra o auxílio emergencial, não comprou a vacina no momento correto, dentre as inúmeras irresponsabilidades que classificam a gestão atual como genocida.
No CNS, em todos os momentos, cumprimos nosso papel, com inúmeras recomendações, resoluções, moções, notas técnicas, declarações públicas, pareceres direcionados ao Executivo, Legislativo, Judiciário, rede de conselhos e à sociedade em geral.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou 2021 como Ano Internacional dos Trabalhadores da Saúde e Cuidadores.
Tanto que o CNS segue, junto a centenas de entidades, com a campanha “Proteger o Trabalhador e a Trabalhadora é Proteger o Brasil”.
É impossível conquistarmos um trabalho digno sem pensarmos na relação com a Saúde Pública, que deve ser capaz de fornecer suporte necessário para a população, seja nas ações da área promovidas pelo SUS, debatidas, deliberadas, monitoradas e fiscalizadas pelo controle social, seja pelas políticas interministeriais, que fortalecem os trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, seja pela regulação por meio de um legislativo que realmente esteja ao lado do povo.
No CNS, a Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Cistt) assessora conselheiros e conselheiras de saúde desde 1990.
Esse espaço foi criado junto à Lei nº 8.080/1990, que regulamenta o SUS. A instalação dessa comissão, em nível municipal e estadual, é indispensável.
Seus membros discutem periodicamente o Plano Anual de Trabalho, seus encaminhamentos e resoluções, acompanhando a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT).
Já a Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (Cirhth) acompanha a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps) para os (as) trabalhadores(as) do SUS. Suas atribuições também estão previstas na Lei do SUS.
A Comissão articula políticas e programas na perspectiva da integração ensino – serviço – gestão – comunidade, além de formular diretrizes para a gestão do trabalho e da educação na saúde, seja em nível técnico, graduação ou pós-graduação.
A Covid-19 e o governo levaram o Brasil à triste marca dos 400 mil mortos até o final de abril.
As decisões equivocadas do Estado desrespeitam as autoridades sanitárias e científicas no nosso país e no mundo, enquanto nossos(as) trabalhadores(as) de saúde e demais serviços essenciais vêm colocando suas vidas em risco diariamente para cuidar do nosso povo.
Sobrecarga de trabalho
Duas pesquisas realizadas entre 2020 e 2021 foram apresentadas no Comitê de Acompanhamento à Covid-19, espaço do CNS.
Uma delas, feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a outra, pela Internacional de Serviços Públicos (ISP).
Para ambas, as evidências mostraram desgaste físico e emocional, insônia, desejo de suicídio, dentre outras características fruto da precarização do trabalho desses profissionais em meio à pandemia.
A pesquisa da Fiocruz, intitulada de “Condições de Trabalho dos trabalhadores da Saúde no contexto da Pandemia da Covid-19”, mostrou que a média de morte de trabalhadores(as) da saúde por Covid-19 desde o começo da pandemia é de um profissional por dia.
Foram mais de 2.200 municípios participantes e houve aumento de contratos informais nesse contexto, além de “muitos casos de suicídio”.
Já a pesquisa-campanha da ISP, intitulada de “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, realizada entre março e julho de 2020, obteve 3.300 respostas de todo o Brasil.
Os dados mostraram que 24% dos entrevistados estavam trabalhando 12 horas por dia. Isso é preocupante, já que a própria OMS recomenda jornada máxima de 30h semanais.
Por isso, precisamos lutar contra o desfinanciamento constante do SUS e das políticas sociais.
Lutar para que o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleça lockdown nacional de 21 dias e auxílio emergencial de no mínimo R$ 600, respaldando a ação que tramita no Judiciário, assinada por diversas entidades com apoio do CNS.
Precisamos também continuar pressionando pela derrubada da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou recursos na Saúde e de outras áreas sociais até 2036, impedindo inclusive que 2021 pudesse ter recursos emergenciais para enfrentar a pandemia. Uma importante alternativa é a PEC 36, que tramita no Senado Federal.
Por mais árduo que o cenário se apresente na atualidade, há no controle social da Saúde, junto às vozes dos movimentos sociais, um grande poder de mobilização para que seja possível uma reinvenção de nós mesmos diante das nossas lutas, olhando o passado de nossas conquistas para potencializar o presente e o futuro.
O CNS está pronto para seguir caminhando de mãos dadas com quem continua esperançando para reconquistarmos os direitos perdidos e seguirmos avançando, sempre de cabeça erguida.
* Fernando Pigatto é presidente do Conselho Nacional de Saúde
Fonte: Viomundo