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Nota: CNS critica portaria do MEC que autoriza substituição de atividades práticas por virtuais na graduação em saúde
Imagem: CNS
Tempo de ação e não de omissão na formação de profissionais de saúde
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), embasado em Nota Técnica elaborada pela Comissão intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (CIRHRT), torna pública sua contrariedade com os termos da Portaria MEC nº 544/2020, que autoriza a substituição de atividades presenciais por atividades mediadas por meios digitais no ensino superior, incluindo os cursos da área da saúde, enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19). A referida portaria, sustentada pela Nota Técnica Conjunta nº 17/2020/CGLMRS/DPR/SERES do Ministério da Educação, não responde à prerrogativa de regular a formação adequada na área da saúde, desconsidera as competências do Sistema Único de Saúde (SUS) no ordenamento da formação profissional em saúde como atributo de sua relevância social e ignora o momento atual de enfrentamento à pandemia de Covid-19.
Assegurar uma formação ética e com compromisso social, vinculada a uma prática direta com o ser humano e suas coletividades é uma premissa dos princípios e diretrizes que orientam a construção pedagógica dos cursos da área da saúde por meio de suas DCN, como preconizado na Resolução CNS nº 350/2005 e no Parecer Técnico nº 300/2017, anexo à Resolução CNS 569/2017.
Ao invés de estimular a ampliação do envolvimento das instituições de ensino com o enfrentamento à pandemia, de forma segura, responsável e embasada em conhecimentos e práticas reconhecidas internacionalmente, a portaria se limita a induzir no ensino a mera aplicação de procedimentos burocráticos e a ampliação de recursos telemáticos. O enfrentamento à pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19) deve ser assumido como campo de práticas necessário para a formação em saúde, vinculado à realidade de uma emergência sanitária, portanto diretamente relacionada ao processo de ensino e aprendizagem da saúde. Os diversos cenários, territórios e complexidades que devem ser vivenciados no SUS para a formação profissional, inclusive em tempos de pandemia, devem ser justificativa suficiente para a manutenção dos campos de práticas que devem seguir em trabalho de cuidado regular às pessoas e, agora, são acrescidos de ações específicas. É isto que a sociedade espera: que os profissionais sejam preparados desde a sua formação para a prevenção e promoção, bem como para enfrentar as adversidades e os agravos de saúde das populações.
Essa é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre a gestão do SUS, os serviços de saúde e as instituições de ensino superior e técnico. É contraditório que o mesmo aparato governamental que convoca publicamente estudantes e profissionais recém egressos da formação superior para a atuação isolada e sem garantias adequadas de segurança, utilize-se do argumento da virtualidade para a formação e, ironicamente, da proteção dos estudantes e profissionais. O Ministério da Educação (MEC), que agora retira os estudantes da saúde dos cenários do cotidiano do trabalho, é o mesmo órgão que, juntamente com o Ministério da Saúde (MS), convocou publicamente há algumas semanas estudantes para atuarem na linha de frente da pandemia, sem acompanhamento pedagógico, supervisão e garantias reais de proteção física e psicossocial. Agora, isenta as instituições de ensino da responsabilidade de formar profissionais com competências e habilidades necessárias para atuarem também em emergências sanitárias, como a que nos apresenta a pandemia de Covid-19.
O que os estudantes precisam agora é de medidas de proteção física e psicossocial para si e para seus preceptores, para, juntamente com os trabalhadores da saúde, atuarem no cuidado às pessoas e para o fortalecimento dos serviços do SUS que sustentam o enfrentamento à pandemia. Não apenas os estudantes da saúde, mas de outras áreas que possam se associar na produção de equipamentos, insumos e conhecimentos úteis e oportunos para salvar vidas e preservar a saúde das pessoas e coletividades. A omissão e a negligência de parte de autoridades governamentais não podem ser modelos para a formação das novas gerações de profissionais de saúde. A condição de pandemia não isenta os serviços e as instituições de ensino de providenciarem as condições necessárias de segurança dos trabalhadores, dos estudantes e preceptores, assim como ocorre cotidianamente nas iniciativas de ensino em ambientes de maior risco, inclusive a organização de processos de trabalho que preservem as pessoas que pertencem aos grupos de maior vulnerabilidade.
Não há que buscar mediações burocráticas para o problema dos prazos da formação, senão que assumir a corresponsabilidade de todas as instituições com o enfrentamento consistente, ético e tecnicamente embasado nos conhecimentos disponíveis. São necessárias iniciativas que fortaleçam o sistema de saúde e a sociedade no enfrentamento da pandemia e na formação de profissionais com compromisso social e sanitário com o SUS e com a saúde da população.
O momento atual, de emergência sanitária e enfrentamento à pandemia que sobrecarrega os serviços e ceifa vidas na sociedade, com parte das instituições e autoridades públicas ocupando lugares privilegiados numa plateia virtual, requer responsabilidade social e sanitária, com respostas coesas, eficazes e imediatas. O tempo do enfrentamento à pandemia não é o tempo de omissões, seja dos sistemas de saúde, seja das instituições de ensino. As normas recentes do MEC têm o efeito pedagógico de desativar a potência do trabalho e da educação na saúde, no momento de grande necessidade social e sanitária.
Em oposição a elas, reafirmamos nosso compromisso com a defesa da formação presencial nas atividades práticas nos serviços que oferecem condições para o trabalho, com medidas adequadas de proteção física e psicossocial dos estudantes e docentes, e pelo fortalecimento do SUS, onde se desenvolvem os mais altos padrões das práticas de atenção e do ensino técnico e profissional da saúde no Brasil. Ao mesmo tempo, conclamamos universidades, educadores e estudantes para se engajarem no enfrentamento da pandemia de forma responsável, segura e muito próxima da sociedade, atendendo às necessidades sociais e educacionais que esta pandemia está explicitando com tamanha emergência. Sobretudo, na defesa do SUS e no enfrentamento às enormes desigualdades que diferentes grupos sociais estão expostos no cenário atual, particularmente no Brasil, em decorrência da alta seletividade das escassas respostas governamentais.
Brasília, 2 de julho de 2020
Conselho Nacional de Saúde