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“O ataque ao SUS é um ataque racista, pois quem mais precisa do SUS é a população negra”, diz Geovanny Silva, em live do CNS
Foto: CNS
Na tarde desta quinta (3/12), o Conselho Nacional de Saúde (CNS) transmitiu a última live da “Ocupação Preta: Rodas Virtuais sobre Equidade e Saúde”, iniciativa da Comissão Intersetorial para Promoção da Equidade (Cippe/CNS), que trouxe à tona inúmeros temas urgentes ligados à Saúde da população mais vulnerabilizada do país. Foram três encontros ao longo de novembro, Mês da Consciência Negra e um no mês dezembro. Ontem a discussão com especialistas trouxe à tona o tema “Racismo, desigualdades sociais e repercussões nos sofrimentos psíquicos da população negra”.
Ao longo dos séculos de regime escravocrata no Brasil, não só a violência física genocida do Estado e da sociedade afetaram e afetam gerações, mas também as violências simbólicas, que adoecem a saúde mental da população negra brasileira. De acordo com a coordenadora da Cippe, a psicóloga Altamira Simões, há ainda um longo caminho de enfrentamento à subalternização. “Ainda não conseguimos romper com as desigualdades a que nós estamos submetidos por conta da hegemonia de um grupo étnico que não consegue reconhecer que somos cidadãos de direito. Isso repercute em nosso sofrimento psíquico. A desigualdade e a exclusão provoca sofrimento à nossa saúde mental, precisamos estar atentos”, disse, aconselhando que pretos e pardos procurem psicólogos antirracistas para lidar com suas dores.
Rafaela Queiroz, representante da Rede Jovem Rio+, afirmou que ignorar que o racismo existe, como tem sido feito pelo atual Estado brasileiro, afeta ainda mais o cenário de racismo no país. “Nossas demandas de saúde são ignoradas. Nossa dor enquanto corpos pretos é ignorada. o Brasil é o primeiro da América Latina em ansiedade e o segundo em depressão. Jovens pretos são os mais propensos a cometer suicídio”, afirmou, ressaltando que as pessoas pretas e pardas que vivem com HIV/Aids são ainda mais prejudicadas devido ao preconceito e estigma.
Para quem é branco, o simples fato de entrar em um shopping, em uma loja ou supermercado é uma atitude corriqueira. Para negros, é motivo de preocupação. Geovanny Silva, representante do Movimento Negro Unificado (MNU), revelou que carrega traumas em meio à violência racista das estruturas de seguranças pública e privada. “Não consigo estar tranquilo nos ambientes em que tentam nos tirar. O recente assassinado no Carrefour mostra isso. O sofrimento é real não só quando tira a nossa vida, mas diante dos traumas que nos geram cotidianamente. O ataque ao SUS é um ataque racista, pois quem mais precisa do SUS é a população negra. O Estado brasileiro nos deve. Foram 388 anos que o Estado nem nos entendia como seres humanos”.
O ataque ao SUS que Geovanny se refere é o processo de desfinanciamento constante desde 2016, com a Emenda Constitucional 95, que congelou recursos em saúde por duas décadas, além das inúmeras tentativas de privatização de serviços públicos de saúde. O exemplo trazido sobre a segurança privada no Carrefour foi em referência ao assassinato de João Alberto Freitas, 40, no último mês, por seguranças brancos do supermercado em Porto Alegre (RS).
Ruimar Batista, representante do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), é também especialista autodidata em Yorubá, idioma da família linguística nígero-congolesa, utilizada durante séculos por parte da população negra no Brasil, porém uma ancestralidade que foi apagada do Brasil. Segundo ele, a formação no Brasil é “epistemicida e genocida”, ou seja “procura destruir o conhecimento dos não brancos”. Ruimar explicou que o Yorubá tem sido resgatado “graças ao Candomblé”, religião de matriz africana que tem sofrido constantes ataques e repressão nos últimos anos.
A colonização reverbera numa educação eurocêntrica e branca. A professora Débora Santos, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmou que universidade ainda é atravessada por todas as questões da colonização e escravidão. “Trazemos o debate da raça para a questão da saúde na universidade. E isso implica em profissionais de saúde mais comprometidos. É uma responsabilidade social e política a produção de conhecimento que traga impacto. Esse é o debate precisamos reforçar nas universidades, que ainda é racista e eurocêntrica”.
Responsabilização branca
De acordo com os debatedores, para que a reversão desse cenário cruel à população negra possa ser alcançada, é necessário a responsabilização da população branca no Brasil, diante das inúmeras violências históricas, a partir de práticas antirracistas efetivas. Fernando Pigatto, presidente do CNS reforçou o compromisso com a pauta no âmbito do controle social. “É fácil ser branco e homem. Precisamos fazer a nossa luta em defesa do SUS ser também uma luta antirracista. O ciclo de lives da Ocupação Preta acabou, mas a luta não para por aqui. Os desafios que temos daqui pra frente são muito grandes”.
Marisa Helena Alves, coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde Mental (Cism), ressaltou a importância da escuta. “Enquanto psicóloga branca, talvez a gente não tenha a dimensão de captar o sofrimento de uma pessoa negra. Vou levar essa discussão para minhas alunas e alunos para construirmos um outro modelo de sermos psicólogos. Juntos, somos mais poderosos e potentes”, finalizou. A live foi mediada por Cinthia Vilas Boas, integrante da Cippe/CNS e representante do Sindicato dos Psicólogos (SP).
Ascom CNS