Notícias
CNS
8ª Conferência Nacional de Saúde: quando o SUS ganhou forma
Fotos: CNS
Cinco dias de debates, mais de quatro mil participantes, 135 grupos de trabalho e objetivos muito claros: contribuir para a formulação de um novo sistema de saúde e subsidiar as discussões sobre o setor na futura Constituinte. A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 17 e 21 de março de 1986, foi um dos momentos mais importantes na definição do Sistema Único de Saúde (SUS) e debateu três temas principais: ‘A saúde como dever do Estado e direito do cidadão’, ‘A reformulação do Sistema Nacional de Saúde’ e ‘O financiamento setorial’.
Mesmo em 2019, prestes à realização da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), que faz um resgate à Reforma Sanitária Brasileira, é possível encontrar semelhanças na luta constante em defesa do SUS. O relatório final da 8ª Conferência apontou a importante conclusão de que as mudanças necessárias para a melhoria do sistema de saúde brasileiro não seriam alcançadas apenas com uma reforma administrativa e financeira. Era preciso que se ampliasse o conceito de saúde e se fizesse uma revisão da legislação.
O crescimento do movimento sanitário, organizado desde os anos 1970, foi crucial para o amplo debate dessas questões. Enquanto o país passava pelo processo de redemocratização, o movimento ganhou consistência e avançou na produção de conhecimento, com a criação de órgãos como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976, e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979. Em meados dos anos 1980, Sergio Arouca assumiu a Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro.
Mais participação no CNS
A partir da promulgação da Constituição, em 1988, a saúde ganhou rumos diferentes com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 28 de dezembro de 1990, a Lei n° 8.142 instituiu as Conferências e os Conselhos de Saúde, instâncias de controle social. O Decreto nº 99.438, de 7 de julho de 1990, regulamentou as novas atribuições do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e definiu entidades e órgãos para o novo plenário, com 30 membros.
Essa legislação fixou na composição do CNS entre representantes dos usuários, trabalhadores da saúde, gestores (governo) e prestadores de serviço de saúde. Os usuários ficaram com 50% das vagas, e os outros 50% eram divididos entre trabalhadores, gestores e prestadores de serviço. A composição do CNS de 1990 foi fruto de longa negociação do movimento social com o Ministério da Saúde.
Primeira conferência aberta ao povo
A 8ª foi a primeira conferência que contou com a participação de usuários. Antes dela, os debates se restringiam à presença de deputados, senadores e autoridades do setor. As conferências eram “intraministério”. O Ministério da Saúde convidava pessoas das secretarias e intelectuais, mas os eventos não tinham a dimensão atual. Arouca, que estava no núcleo do movimento sanitário e na época era presidente da Fiocruz, foi convidado a presidir a 8ª Conferência.
Os temas foram divulgados e postos em discussão através das pré-conferências estaduais e municipais. O interesse da sociedade levou à participação popular. As pré-conferências ativaram a mobilização em torno dos temas, que extrapolavam o ambiente técnico. Então, no ginásio Nilson Nelson, em Brasília, onde foi realizada a 8ª Conferência, reuniram-se, além dos delegados da sociedade civil que representavam formalmente seus grupos, vários outros grupos que começaram a fazer passeatas exigindo participar. Houve uma grande assembleia durante a Conferência para discutir a possibilidade de incorporação dessas pessoas, e elas acabaram sendo admitidas, como observadores.
Conclusões
O relatório final apontou o consenso em relação à formação de um sistema único de saúde, separado da previdência, e coordenado, em nível federal, por um único ministério. Também foram aprovadas as propostas de integralização das ações, de regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviço e de fortalecimento do município. O relatório aponta ainda a necessidade de participação popular, através de entidades representativas, na formulação da política, no planejamento, na gestão e na avaliação do sistema.
Outra grande resolução diz respeito a um conceito mais abrangente de saúde, que é descrita no relatório final como uma resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade, acesso à posse de terra e a serviços de saúde. Os delegados da 8ª atribuíram ao Estado o dever de garantir condições dignas de vida e de acesso universal à saúde, e apontaram a necessidade de integrar a política de saúde às demais políticas econômicas e sociais.
A 8ª ainda discutiu o papel do setor privado, apesar de ele não estar presente. A ideia era ter um sistema exclusivamente público, com o setor privado subordinado às normas do SUS, assim como está estabelecido hoje. Por isso, apesar de convidados, os representantes do setor privado não compareceram.
Rumo à Constituinte
Para que as resoluções da 8ª pudessem se estruturar melhor e chegar à nova Constituição, foi criada a Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), que funcionou de agosto de 1986 a maio de 1987. A 8ª foi responsável por dar o arcabouço político e a CNRS deu o arcabouço técnico. A CNRS era composta por representantes de segmentos importantes, inclusive do setor privado.
A subcomissão considerou o documento da CNRS no momento da redação da seção sobre o SUS na Constituição Federal. O relatório final foi enviado à Comissão da Ordem Social e, de lá, foi para a Comissão de Sistematização, que era responsável por elaborar o projeto final da Constituição de 1988. Nessa etapa, o movimento sanitário, representado por Sergio Arouca, apresentou ao Congresso uma Emenda Popular, que agregava ao documento analisado anteriormente mais de 50 mil assinaturas. A Emenda Popular basicamente ratificava toda a consolidação das nossas ideias desde a década de 1970. O que temos hoje no texto constitucional é resultado dessa história toda.
Cenário atual
A partir de 2016, com a aprovação da Emenda Constitucional 95, o poder público congelou investimentos em saúde até 2036, gerando um prejuízo estimado em R$ 400 bilhões para a área. Além disso, uma série de políticas fundamentais vem sendo alteradas sem o aval do controle social, fragilizando a atuação do CNS. Por esse motivo, conselheiros e conselheiras, junto à população brasileira vêm se esforçando para a realização da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), também história em contexto de desfinanciamento e fragilização do SUS.
A participação social no Brasil é muito importante. É através desse processo que a população pode contribuir ativamente no desenvolvimento de políticas públicas de saúde. O relatório final da 16ª Conferência vai gerar subsídios para a elaboração do Plano Plurianual 2020-2023 e do Plano Nacional de Saúde.
Acesse o site da 16ª Conferência
Com informações de: Ensp/Fiocruz