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Ministério da Saúde publica documento sobre o uso de limiares de custo-efetividade (LCE)
O Ministério da Saúde publicou o documento que recomenda o uso de limiares de custo-efetividade nas decisões em saúde pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Com isso, o Plenário da Comissão passa a adotar a metodologia como mais um critério para a avaliação de tecnologias em saúde (ATS). A publicação consolida um trabalho conjunto feito por pesquisadores e especialistas em ATS e reúne estudos e relatórios produzidos nos últimos anos, bem como apresenta a discussão sobre os aspectos levantados na consulta e audiência pública sobre o tema, e como isso alterou as recomendações preliminares anteriormente analisadas pela Comissão. Os tópicos sobre a adoção de um parâmetro de custo-efetividade e a definição do valor do limiar são alguns dos pontos mais debatidos.
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Contexto
O tema esteve na pauta da 112ª Reunião Ordinária da Conitec, no dia 31 de agosto, após passar por consulta pública e ser objeto de audiência pública, no mesmo mês, promovida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS/SCTIE/MS). Ano passado, o Ministério da Saúde lançou uma publicação sobre o assunto e, posteriormente, um relatório teve origem com base nas discussões do Plenário da Conitec. No entanto, há anos que o uso de limiares de custo-efetividade vem sendo objeto de discussão, afirma a representante da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Vania Canuto. "Quando começou a Conitec, a principal não conformidade da documentação era a avaliação econômica”, disse. “O Brasil evoluiu muito nesse quesito nos últimos anos e vieram estudos bem consistentes. Tínhamos dúvidas no passado porque as grandes agências decidiram sobre o tema há duas décadas, mas baseadas na experiência deles, sem método. Hoje temos método e estudos que nos embasaram para a tomada de decisão”, esclareceu.
O professor de Economia da Saúde e ex-diretor do Centro de Economia da Saúde da Universidade de York, Michael Drummond, participou da Reunião, apresentou informações sobre o tema, tirou dúvidas e contribuiu bastante com a discussão do plenário. Drummond é considerado uma das grandes referências no assunto e foi quem consolidou os princípios da economia da saúde usados mundialmente. “Achei uma discussão muito ampla e de boa qualidade. É muito mais complexo, talvez, do que algumas das discussões individuais sobre medicamentos ou produtos específicos”, revelou. Drummond é autor de dois importantes livros didáticos e mais de 650 artigos científicos, e atuou como consultor da Organização Mundial da Saúde e da União Europeia.
Na ocasião, técnicos do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) do Instituto Nacional de Cardiologia (INC) e da Universidade de Brasília (UnB) apresentaram o resultado da consulta pública, que recebeu 227 contribuições.
As recomendações da Conitec
De acordo com o documento, o custo-efetividade não deve ser um parâmetro único utilizado para a tomada de decisão e a definição de um valor de referência de custo-efetividade deve se pautar preferencialmente na abordagem metodológica da eficiência do sistema de saúde (custo de oportunidade) e na abordagem da fronteira de eficiência, quando aplicável. Todavia, sempre que possível, deve haver espaço para a discussão pautada em outras abordagens.
A proposta aprovada pela Conitec para o sistema de saúde público brasileiro se baseia nos estudos do Instituto de Efetividade Clínica e Sanitária da Argentina (IECS), que foi consistente com outros estudos publicados, como o realizado por Claxton K. Em oficinas realizadas pela Conitec, nas quais se desenvolveu e avaliou esta proposta, recomendou-se o valor de R$ 40 mil reais por QALY, unidade utilizada nas metodologias de ATS que considera anos de vida ajustados à qualidade, semelhante ao de um estudo recentemente publicado na Colômbia, com atualização do limiar anual pelo PIB per capita.
“Os serviços de saúde não são gratuitos e os recursos são escassos. A economia da saúde vem para ajudar o tomador de decisão a fazer uma alocação mais eficiente dos recursos de saúde e aumentar o bem-estar social de nossa população. Ao incorporar uma nova tecnologia, outras pessoas podem ter recursos e outros bens negados. É importante ter uma gestão de recursos limitados”, analisa Vania.
Diversos países já estabeleceram limiares de custo-efetividade, como Austrália, Canadá e Chile. A Colômbia recentemente produziu artigo científico em que trata do tema e propôs para o limiar um valor de 1 PIB per capita. Já o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), do Reino Unido e referência internacional, estabeleceu o limiar há 29 anos, decisão realizada por um comitê constituído pela legislação do país.
A Conitec recomendou a flexibilização do limiar em algumas situações, como em doenças pediátricas, com redução importante de sobrevida ajusta pela qualidade, em doenças raras e na atenção às pessoas em vulnerabilidade social, sendo três vezes o valor padrão do limiar proposto.
Durante a avaliação do resultado da consulta pública discutiu-se sobre aspectos metodológicos na definição dos limiares, tais como a necessidade de melhor compreensão sobre o processo de avaliação de tecnologias em saúde pela Conitec e a necessidade de aumentar a transparência sobre os critérios considerados na rejeição de tecnologias. Além disso, discutiu-se sobre o processo de incorporação com foco nas limitações para a utilização do desfecho QALY para a avaliação de tecnologias em diferentes doenças, nos valores e sobre como será feita a correção anual do limiar recomendado.
A coordenadora do NATS do INC, Marisa Santos, ressaltou que o limiar de custo-efetividade não funcionará como um tudo ou nada, em que “acima do limiar nada será incorporado e abaixo do limiar tudo será incorporado”, será apenas um dos critérios de avaliação para julgar a eficiência da tecnologia. Ainda, indica que incorporações ineficientes geram perdas para o sistema e que a atualização seria realizada pelo PIB, de forma automática, já que a falta de correção anual geraria uma defasagem nos valores, como sugerido pela proposta inicial. A partir da repercussão, a equipe do INC está avaliando métodos alternativos de atualização.
Limiar de custo-efetividade (LCE)
O LCE é um parâmetro para melhor compreender o impacto na eficiência de um sistema de saúde gerado pela incorporação de uma tecnologia nova em relação às existentes. A análise da eficiência é fundamental em uma perspectiva, do SUS, em que se trabalha com recursos limitados e em um ambiente de constante inovação tecnológica que gera um grande contingente de demandas. O atual cenário da saúde mostra que as demandas aumentam também, por conta do atual perfil da população brasileira, que envelhece, e requer tratamentos mais complexos, que envolvem, muitas vezes, tecnologias inovadoras e mais caras.
Para o professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Zimmermann, é importante que as decisões de incorporação de tecnologias na Conitec adotem um parâmetro de referência de custo-efetividade, que não deverá ser observado como um elemento isolado dos demais envolvidos no processo de avaliação de tecnologias. “Tão importante é considerar o limiar como mais um elemento da tomada de decisão. Intrinsecamente ligado ao uso do limiar está a necessidade de que é só mais um parâmetro e não deve dominar toda a discussão”, afirmou.
Avaliação de tecnologias em saúde (ATS)
Os métodos de ATS devem ser explícitos e cada vez mais transparentes. Além do processo de incorporação, que é o mais demandado, a ATS é utilizada para gestão das tecnologias em saúde, considerando todo o ciclo de vida da tecnologia: desde a inovação, introdução, monitoramento e obsolescência, para que se possa emitir recomendações mais eficientes, e que considerem a equidade.
Saiba mais
Uma avaliação de tecnologias em saúde considera muitos princípios, entre eles a eficácia, efetividade, segurança e os aspectos econômicos. Seja um medicamento, um produto ou procedimento, ele precisa ser mais eficaz ou seguro que os já existentes no SUS. Ou seja: o que está sendo avaliado é mais seguro e traria maior eficiência ao sistema? Traz benefícios clínicos relevantes para o paciente, com qualidade e aumento da expectativa de vida? E se essa tecnologia é mais eficiente, quanto custa? Temos condição de pagar? Responder a esses questionamentos envolve pensar a relação de custo-efetividade, a comparação dos custos e resultados em saúde da nova tecnologia em comparação a outra que já existe na rede pública de saúde, ou com um tratamento padrão já ofertado para determinada condição de saúde. Quanto custa a mais? Qual o resultado em saúde a mais me proporcionará?
Essas são algumas questões que permeiam o uso de limiares de custo-efetividade na avaliação de tecnologias em saúde. “Nos deparamos com valores sociais, questões metodológicas, princípios e diretrizes do sistema de saúde. É uma relação complexa. Por isso é preciso ter um entendimento de valor, além do conceito de custo, na busca por garantir que o sistema tenha mais valor em saúde e que isso se traduza em quantidade e qualidade de vida”, explica Corah Prado, diretora substituta do DGITS.
O limiar de custo-efetividade é importante porque representa a disposição a pagar da sociedade e reflete o valor máximo que impediria que outras tecnologias deixassem de ser ofertados no SUS, pela incorporação da nova tecnologia, uma vez que há limitação de recursos financeiros em todos os sistemas de saúde. Além disso, podem ser considerados modificadores do limiar, segundo as características da doença e da tecnologia – ser doença ultrarrara, nos casos de medicamentos órfãos ou inovadores que modificam a história natural da doença ou que aumentam a sobrevida, por exemplo. “Há escassez de recursos, mas as demandas e necessidades são ilimitadas. Em razão disso, é preciso trazer parâmetros que permitam a sustentabilidade do sistema que não só investe na atenção curativa, mas também na prevenção, reabilitação, no acompanhamento de ciclos de vida, de vários tipos de atenção que o compõe e que atendem 220 milhões de brasileiros com necessidades e algumas doenças completamente diferentes”, afirmou Corah.
Publicação
Em dezembro de 2021, o Ministério da Saúde lançou a publicação "O uso de limiares de custo-efetividade nas decisões em saúde: proposta para as incorporações de tecnologias no Sistema Único de Saúde", que teve origem em uma série de debates. Na publicação há as bases teóricas e metodológicas necessárias para a adoção do limiar de custo-efetividade como um dos critérios para a elaboração de recomendações sobre a incorporação de tecnologias no SUS. A recomendação da Conitec indica que a definição de um valor de referência de custo-efetividade deve se pautar, preferencialmente, na abordagem metodológica da eficiência do sistema de saúde, ou custo de oportunidade, e na abordagem da fronteira de eficiência, quando aplicável.
A proposta vai ao encontro de outras metodologias já estudadas pela Conitec, como a fronteira de eficiência e o uso de multicritérios na tomada de decisão, a fim contribuir para a discussão sobre o impacto na eficiência do SUS advindo da incorporação de novas tecnologias