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Regeneração natural pode recuperar serviços ecossistêmicos na Floresta Amazônica?
Catarina C. Jakovac, Paulo Massoca e Rita Mesquita
O contínuo desmatamento da floresta Amazônica tem conduzido o bioma a um ponto crítico com sérias implicações para a sustentabilidade ambiental, econômica e social. Para reverter esse processo, não basta apenas reduzir o desmatamento, é necessário promover a restauração das áreas desmatadas. De acordo com as exigências da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, estima-se que 8 milhões de hectares precisam ser restaurados dentro de propriedades rurais na Amazônia. Uma área equivalente a 50 vezes a Grande São Paulo.
A boa notícia é que deixar a floresta se regenerar sozinha é a forma mais barata de se fazer restauração ecológica e sequestrar carbono. Após usos da terra de baixa intensidade, as florestas Amazônicas conseguem se regenerar rapidamente com o simples abandono da área, dada a elevada resiliência destas florestas. Essa regeneração natural é garantida pelas sementes remanescentes no solo e por aquelas advindas das florestas do entorno que chegam por meio do vento e de animais.
A má notícia é que a capacidade de regeneração natural é reduzida em áreas agrícolas intensamente usadas (por exemplo, com uso repetido de fogo) ou extensamente desmatadas. Nestas situações, os processos de sucessão florestal ficam estagnados sem que a vegetação consiga atingir os mesmos níveis de biodiversidade e estoque de biomassa das florestas originais. O número limitado de espécies pioneiras e a presença de espécies invasoras constituem uma floresta com indivíduos com troncos finos, baixa estatura e lentas taxas de crescimento. Nestes casos, a regeneração natural da floresta não é capaz de restaurar os processos ecológicos e serviços ecossistêmicos sem intervenções de manejo.
Como então saber se uma floresta em regeneração tem capacidade de restaurar os processos ecológicos, ou seja, tem valor para conservação e restauração ecológica e para a provisão de serviços ecossistêmicos? Como saber se será necessário manejar a vegetação para atingir os objetivos de restauração ecológica?
O Projeto REGENERA está identificando, compilando e sintetizando resultados de pesquisa de campo, da literatura acadêmica, e dados de sensoriamento remoto para identificar bons indicadores para avaliar a “qualidade” ecológica da regeneração natural na Amazônia. A informação gerada irá embasar propostas de políticas públicas para o monitoramento e implantação da restauração ecológica em grande escala na região. Além disso, com indicadores bem definidos, técnicos em campo, produtores rurais, agentes do governo, poderão classificar e monitorar a integridade ecológica das florestas em regeneração de uma forma padronizada para decidir se há necessidade ou não de manejo para restaurar os processos ecológicos.
O maior desafio na definição destes indicadores é a constante mudança da floresta ao longo do tempo e regiões. Sabe-se que a taxa de regeneração da floresta depende das condições ambientais como do solo e clima, cuja variação é enorme de leste a oeste da Amazônia. Portanto, é preciso avaliar a necessidade de se ter indicadores e valores de referência específicos para diferentes idades da regeneração natural e possivelmente para diferentes regiões.
O primeiro passo do projeto REGENERA foi propor um conceito de integridade ecológica que incorpora as variações temporais e que tem como referência trajetórias ideais de regeneração. Em seguida, o projeto vai aplicar este conceito para identificar os indicadores de integridade ecológica das florestas em regeneração. Para isso, foi compilado um banco de dados de estrutura da vegetação, diversidade de espécies e composição florística de mais de 300 parcelas de florestas regenerantes com diferentes idades localizadas em 37 pontos ao longo da Amazônia. A análise destes dados avaliará a variação dos diferentes indicadores no tempo e no espaço.
O REGENERA também compilou dados de mapeamento de sensoriamento remoto LIDAR (Projeto EBA). São 1000 transectos de dimensões de 12,5 km por 300 m que oferecem um retrato detalhado da estrutura da vegetação e permitem analisar a biomassa, a altura do dossel, o índice de área foliar, e os perfis de estratificação vertical da floresta ao longo da Amazônia brasileira. A análise desses dados permitirá identificar as métricas que melhor representam variações na integridade ecológica das florestas regenerantes, gerando propostas de indicadores para a classificação e monitoramento da regeneração natural em grande escala.
Complementando a síntese do conhecimento científico, o REGENERA está realizando também uma síntese das normativas legais que regem o uso, manejo e proteção das florestas regenerantes na Amazônia. O objetivo é identificar sinergias e conflitos entre normativas legais e identificar oportunidades de contribuir com a regulamentação de normas que ainda estão sem detalhamento, de modo a promover a incorporação da regeneração natural em processos de desenvolvimento sustentável e restauração ambiental.
O projeto REGENERA conta com a participação de 22 pesquisadores especialistas em ecologia florestal, sensoriamento remoto e políticas públicas ambientais e também com o apoio do projeto MapBiomas que mapeia o uso e cobertura do solo em todo o território Brasileiro.
Figura 1. Diagrama representando os diferentes destinos possíveis para as florestas em regeneração na Amazônia (manejo, proteção ou conversão, semi-círculos externos). A tomada de decisão sobre o destino a ser dado a uma floresta com baixa ou alta integridade ecológica (representadas pelas fotos acima e abaixo respectivamente) pode ser facilitada pela definição de indicadores padronizados e políticas públicas adequadas.
Mapa das florestas secundárias (florestas em regeneração) na Amazônia Brasileira. O mapa mostra as áreas com cobertura de florestas com mais de 6 anos de regeneração no ano de 2019, as quais cobrem mais de 7,2 Milhões de hectares na Amazônia Brasileira. Fonte: Imazon 2021. Referência: Imazon, 2021. Restauração Florestal em Larga Escala na Amazônia: O Potencial da Vegetação Secundária. Relatório técnico Imazon. Belém, Brasil.
Rita Mesquita é coordenadora do REGENERA, e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Seus principais interesses na pesquisa são a ecologia da vegetação secundária, a relação entre a regeneração natural e a restauração dos serviços ecossistêmicos, conservação da natureza, gestão de áreas protegidas e divulgação científica.
Catarina C. Jakovac é vice-coordenadora do REGENERA e docente do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina. Sua pesquisa está centrada no entendimento dos processos de regeneração de florestas tropicais e em estratégias de restauração ecológica.
Paulo Massoca é membro do projeto REGENERA e doutor em Public and Environmental Affairs pela Indiana University. Seus interesses principais incluem dinâmicas de uso da terra, desmatamento e regeneração de florestas e políticas públicas ambientais, com enfoque na Amazônia.