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Mergulhando nos recifes brasileiros: síntese do conhecimento recifal do projeto ReefSYN
Se imagine sobrevoando uma floresta tropical. Das alturas, você contempla o verde exuberante, imaginando a forma e a cor de cada espécie, e as interações entre organismos que ocorrem sob o dossel, escondidas de seu olhar. Agora, pense em sobrevoar um sistema onde toda esta diversidade e suas variadas formas de interação estão à mostra! Este é o caso dos recifes, as florestas tropicais dos oceanos. Mergulhar sobre os recifes é como sobrevoar uma floresta tropical, e o mais incrível é que boa parte da diversidade de organismos está acima do dossel, e não escondida sob ele. Nos recifes, organismos como algas e corais das mais diversas formas e cores crescem sobre o fundo e conferem a alta complexidade estrutural destes ambientes: são como as árvores frondosas de uma floresta nos trópicos. Nestes locais, outras formas de diversidade encontram abrigo e se associam às florestas marinhas submersas: peixes, crustáceos, e moluscos são alguns dos principais habitantes dos ambientes recifais.
A diversidade existente nos ecossistemas recifais corresponde a inúmeras funções ecológicas, das quais emergem contribuições para as sociedades humanas na forma de serviços ecossistêmicos, também chamados de contribuições da natureza. Exemplos de serviços recifais incluem os recursos pesqueiros, a proteção contra erosão costeira, a ciclagem de nutrientes e o turismo. Por serem um dos ambientes mais produtivos e biodiversos do planeta, os recifes são fundamentais para as economias globais. Estima-se que a cada ano os recifes de corais forneçam U$S 30 bilhões de dólares em serviços ecossistêmicos, entre os quais U$S 5.7 bilhões correspondem a recursos pesqueiros e U$S 9.6 bilhões ao mergulho e turismo.
No Brasil, os recifes ocorrem ao longo da costa brasileira, entre a foz do Rio Amazonas, e o sul de Santa Catarina, e também em ilhas isoladas da costa, como nos Arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo. O conhecimento a respeito da distribuição e diversidade de espécies associadas aos recifes brasileiros cresceu a partir da década de 1990, com o uso de equipamentos apropriados e mergulho autônomo para a pesquisa subaquática. Entretanto, somente nos anos subsequentes a 2010 que a formação de recursos humanos no país e no exterior alavancou a coleta sistematizada de dados nos recifes brasileiros através dos projetos SISBIOTA-Mar e PELD-Ilhas Oceânicas . A realização destes projetos proporcionou um acúmulo considerável de dados e de conhecimento ecológico sobre a diversidade em nossos recifes em ampla extensão geográfica (Figura 1). No entanto, até o momento os estudos a respeito dos recifes brasileiros ainda não integraram dados ecológicos dos diferentes organismos que compõem o ecossistema recifal, raramente acessando as interações, a correspondência espacial entre a diversidade de peixes e organismos bentônicos recifais (sendo estes últimos os organismos que se estabelecem no fundo dos recifes, como corais, algas, e ouriços do mar), e o fornecimento de serviços ecossistêmicos resultante desta diversidade.
Figura 1. Locais de coleta de dados de peixes e bentos na costa brasileira. À esquerda mostramos os locais com coleta de dados de peixes utilizando transecções em censos visuais subaquáticos (pontos azuis) e vídeo plots (pontos verdes), e dados de organismos bentônicos utilizando foto quadrados (pontos laranja). À direita, demonstramos a paisagem subaquática dos recifes de localidades selecionadas. As imagens foram fornecidas por Luiz Rocha (Parcel Manuel Luís), Guilherme Longo (Costa dos Corais), Ronaldo Francini-Filho (Banco dos Abrolhos) e Léo Francini (Alcatrazes).
O projeto ReefSYN - Recifes Brasileiros no Antropoceno: estimando os impactos da perda da biodiversidade sobre o funcionamento e serviços ecossistêmicos para aperfeiçoar o manejo futuro e a subsistência, vinculado ao Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos - SinBiose do CNPq, tem como objetivo integrar o conhecimento destes componentes da biodiversidade dos recifes brasileiros. O ReefSYN busca mapear as funções e os serviços oferecidos por recifes às populações humanas costeiras, e contribuir para o manejo e conservação dos ecossistemas recifais brasileiros. Para tal, o projeto reúne uma equipe de especialistas em diferentes áreas do conhecimento, e é desenvolvido em uma atmosfera colaborativa, de ciência aberta e reprodutível.
Desde seu início, em março de 2020, o ReefSYN avançou em diferentes frentes e os resultados preliminares demonstram: (i) a evolução e estado da arte da pesquisa recifal no país nos últimos 60 anos, destacando lacunas na ciência recifal e áreas do conhecimento que devem ser priorizadas pela pesquisa e aporte de recursos; (ii) a importância da cobertura de corais para a manutenção da biodiversidade e funções de peixes recifais em recifes marginais, como os do Atlântico Sul; (iii) as relações entre a riqueza e diversidade funcional de peixes e organismos bentônicos nos recifes brasileiros, e a importância da temperatura como um determinante chave da distribuição espacial destes organismos. Ainda, utilizando esta abordagem integradora, o projeto pretende avaliar a influência de fatores como as mudanças do clima para a distribuição de funções e serviços de recifes brasileiros, direcionando esforços de conservação, manejo e políticas públicas.
André Luís Luza é pesquisador de pós-doutorado do ReefSYN, e está atualmente vinculado ao Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Santa Maria. Tem interesse em macroecologia e macroevolução (e na intersecção entre estas disciplinas), e em modelagem estatística (modelos hierárquicos).
Mariana Bender é coordenadora do ReefSYN e docente do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Santa Maria. Seus principais interesses de pesquisa incluem macroecologia, ecologia funcional, ecologia histórica e conservação de ecossistemas recifais .