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Colocando os ecossistemas abertos no mapa de pesquisa e conservação no Brasil: o projeto GrassSyn
Campo limpo, campo sujo, campo rupestre, cerrado, savana, vereda, murundu, campinarana, canga... você sabe o que está por trás de cada um destes termos? Todos são utilizados para descrever ecossistemas de vegetação aberta no Brasil. Estes ecossistemas diferem das florestas pela menor presença de árvores e a ausência de um dossel fechado, característica que lhes confere o nome de vegetação “aberta”. A camada de herbáceas sobre o solo, porém, pode ser densa, cobrindo toda a superfície, especialmente nos campos do sul do Brasil, do Pantanal e nas savanas do Cerrado. Em outras regiões, a camada de herbáceas é mesclada com arbustos baixos, solo exposto ou rochas, como nos campos rupestres, nas campinaranas e nas cangas. O mais interessante sobre esses ecossistemas não é a "falta de árvores", mas sim a sua alta biodiversidade e os serviços ecossistêmicos por eles fornecidos.
Até recentemente, ecossistemas abertos nas regiões tropicais e subtropicais do mundo eram considerados secundários às florestas em termos de prioridades para conservação e restauração. De fato, o grau de proteção destes ecossistemas continua em geral baixo. Ao mesmo tempo, as mudanças no uso da terra têm sido especialmente rápidas nas regiões em que ocorrem. A situação no Brasil não é diferente: existe um viés florestal na ciência e na prática de conservação, evidenciado, talvez de forma mais óbvia, pelo uso continuado do termo “Código Florestal” para a Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Conscientemente ou não, parece mais fácil converter uma área de vegetação aberta para outros usos da terra do que uma área com floresta, assim como parece ser menos interessante conservar. As razões para esse viés provavelmente são diversas, mas a pouca compreensão dos ecossistemas abertos – onde processos de distúrbio geralmente prejudiciais às florestas, tais como fogo e pastejo, podem ser fundamentais para processos ecológicos associados à sua manutenção – e a dificuldade de acesso à informação sobre sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos têm contribuído. Um exemplo: não é fácil perceber a importante contribuição dos ecossistemas abertos para o armazenamento do carbono (já que “faltam” árvores), pois os estoques principais ficam “escondidos” no solo.
Felizmente, o conhecimento científico sobre ecossistemas abertos no Brasil aumentou muito nos últimos anos. O projeto GrassSyn - Biodiversity of Brazilian grasslands and savannas: patterns and drivers, ecosystem services, and strategies for conservation and restoration objetiva sintetizar esse conhecimento e disponibilizá-lo para um público maior. A partir de uma visão integradora, mas respeitando as especificidades dos diferentes tipos de ecossistemas abertos no Brasil, esperamos ampliar a consideração destes ecossistemas nas políticas públicas.
O uso de terminologias locais e regionais não facilita a ampla compreensão dos ecossistemas abertos, de maneira que um primeiro passo do projeto foi sistematizar os termos utilizados e mapear os diferentes tipos de campos e savanas presentes do sul ao norte do Brasil. Em paralelo, reunimos informações de mais de 7.000 pontos (de 440 sítios) com dados de abundância de espécies de plantas em comunidades locais, disponibilizados por pesquisadores que atuam nos ecossistemas abertos brasileiros. Esse banco de dados permitirá sintetizar padrões da biodiversidade e composição florística, ainda desconhecidos, ao longo de gradientes ecológicos, bem como discutir o efeito de impactos antrópicos e outras perguntas científicas mais específicas.
Os objetivos do projeto, entretanto, vão além. Iniciamos também um levantamento de diferentes serviços ecossistêmicos fornecidos pelos nossos ecossistemas abertos, desde o armazenamento de carbono, a manutenção de recursos hídricos e a provisão de forragem para animais pastadores, até o seu papel associado à identidade cultural em diferentes regiões do país. A partir dessas sínteses, e sabendo dos graus de conversão desses ecossistemas para outros usos, também estamos trabalhando em propostas para uma maior consideração de campos e savana no planejamento estratégico da restauração do país. Há uma carência enorme de fundamentos teóricos e práticos para a restauração dos campos e savanas, apesar da necessidade que surge a cada dia para atender metas regionais, nacionais e internacionais. Precisamos deixar claro que o plantio de árvores não é sinônimo de restauração ecológica quando falamos de ecossistemas abertos no Brasil e no mundo. Desta maneira, a expectativa é produzir materiais com relevância prática acerca da restauração de campos e savanas.
A pandemia da Covid-19 obviamente impactou as atividades do projeto. Workshops presenciais – um dos elementos-chave de projetos de síntese – não puderam ser realizados. Por outro lado, inovamos em termos de reuniões virtuais e assim esperamos chegar a resultados que sejam amplamente utilizados para embasar políticas de conservação e restauração no país, bem como deixar, como legado, um grupo de pesquisa consolidado e atuante em prol dos ecossistemas abertos no Brasil.
Figura 1: Exemplos da diversidade de ecossistemas abertos no Brasil. Mapa preliminar elaborado com base no mapa da vegetação brasileira 1:5.000.000 (IBGE). Fotos: Campinarana na Floresta Estadual de Trombetas/PA, Vereda no Cerrado em Alto Paraíso/GO, Savana hipersazonal no Pantanal, Poconé/MT, Campo rupestre na Serra do Cipó/MG, Savana no Parque Estadual do Cerrado/PR, Campo limpo no Pampa em Lavras do Sul/RS.
Gerhard E. Overbeck - Engenheiro (Planejamento Ambiental) e Doutor em Ecologia. É professor no Departamento de Botânica da UFRGS e orienta nos PPGS em Botânica e Ecologia da UFRGS. Realiza pesquisas principalmente sobre a biodiversidade de ecossistemas campestres, com um foco na vegetação, e sobre sua conservação e restauração, buscando também desenvolver aplicações para a prática.
Luciana S. Menezes -Bióloga com mestrado em Ecologia e doutorado em Botânica. Desenvolve pesquisa sobre a biodiversidade da vegetação campestre nos Campos Sulinos desde 2012. Tem especial interesse em Ecologia de Comunidades e na compreensão dos processos que moldam a diversidade de espécies.
Sandra Muller - Bióloga, mestre em Botânica, doutora em Ecologia. É professora no Departamento de Ecologia da UFRGS desde 2006. Suas pesquisas abrangem a Ecologia de Comunidades e a Ecologia da Restauração, com foco em plantas, em ecossistemas campestres e florestais do Sul do Brasil. Procura compreender a dinâmica temporal e espacial de ecossistemas, e as relações entre diversidade, processos e funções ecológicas.
O GrassSyn é um dos sete projetos aprovados na primeira chamada do SinBiose/CNPq. O projeto reúne 30 pesquisadores, incluindo pós-doutorandos e estudantes de dez instituições nacionais e cinco internacionais. A saber: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Embrapa Clima Temperado, German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), Instituto Chico Mendes, Instituto Florestal (São Paulo), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Leuphana-Universität Lüneburg (Germany), Technische Universität München (Germany), Texas A&M University (EUA), Universidad de la Republica (Uruguai), Universidade Estadual Paulista, Universidade de Brasília, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Paraná e University of Guelph (Canadá).