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Trajetórias Amazônicas: integrando epidemiologia, biodiversidade e economia
O bioma Amazônico encontra-se sob forte ameaça ambiental e em rápida mudança. Essas mudanças são fruto da disputa pelos recursos naturais associada a diferentes trajetórias de desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, a região sustenta uma alta carga de doenças tropicais negligenciadas, já que o desmatamento e a fragmentação dos ecossistemas têm levado à perda de habitats, de biodiversidade, da qualidade do solo e da água e ao aumento da abundância de reservatórios de doenças e vetores em contato com comunidades humanas. Leishmaniose, malária, doença de Chagas, leptospirose e dengue estão entre essas doenças, que estão associadas a vulnerabilidade social e ambiental, pobreza, falta de saneamento básico e reduzida disponibilidade de água potável. Em 2020, a vulnerabilidade dessa região às doenças de transmissão direta ficou evidente pela intensidade e rapidez em que ocorreu a disseminação e o impacto da epidemia de COVID-19.
O projeto Trajetórias, vinculado ao Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos - SinBiose do CNPq, tem como objetivo sintetizar o conhecimento sobre os serviços ecossistêmicos e suas relações com o sistema econômico e a saúde humana na Amazônia. Utilizando dados espaciais e temporais de uso e cobertura da terra, de incidência de doenças, pesquisas socioeconômicas e de sistemas de produção local, estamos desenvolvendo novos protocolos de classificação e avaliação dos ecossistemas e de serviços ambientais específicos relacionados às doenças cujos determinantes mais importantes são ambientais. O objetivo é fornecer uma estrutura para o debate conjunto das dimensões econômica, ambiental e de saúde, buscando dar maior visibilidade aos modos de vida das populações locais, suas estruturas e sistemas de produção. Embora pouco evidenciados e estudados, esses modos de vida apresentam uma grande resiliência, observada ao longo da história econômica da Amazônia, exercendo um papel importante na economia regional. Para compreender como o estado desse sistema complexo é afetado pelas trajetórias de desenvolvimento econômico, a equipe do projeto Trajetórias é formada por cientistas sociais, naturais, da computação, da saúde e economia, de diversas instituições de pesquisa.
Um dos primeiros resultados do projeto acabou de ser publicado na Revista Frontiers in Public Health, no qual identifica e caracteriza as associações entre indicadores ambientais e epidemiológicos em municípios amazônicos que seguem diferentes trajetórias tecnoprodutivas. Buscamos investigar a distribuição espacial dessas diferentes trajetórias na Amazônia Legal e sua associação com a degradação ambiental e vulnerabilidade às doenças tropicais, frequentemente negligenciadas (Figura 1). Enquanto alguns municípios Amazônicos são dominados por trajetórias que favorecem a manutenção da floresta em sistemas produtivos diversos, outros são marcados pela prevalência daquelas associadas à intensa mudança da paisagem, homogeneizadoras e promotoras de grandes perdas de cobertura florestal. As trajetórias do segundo grupo tornaram-se dominantes ao longo dos últimos anos, baseadas nas atividades de pecuária extensiva e de produção de grãos em grande escala, levando à homogeneização da paisagem, rápida perda de biodiversidade e a alta prevalência de doenças tropicais, como leishmanioses, arboviroses e doença de Chagas. Essas doenças negligenciadas constituem marcadores de vulnerabilidade socioambiental. O rastreamento das associações entre a prevalência dessas doenças e as trajetórias tecnoprodutivas, em outras escalas espaciais e temporais (assim como de outras doenças e desfechos de saúde), abrem caminho para o desenvolvimento de novos indicadores de saúde humana e ambiental. De modo geral, esses resultados desafiam visões simplistas que argumentam que as trajetórias de desenvolvimento dominantes para a Amazônia, que tem como principal objetivo o lucro, otimizam indicadores econômicos, de saúde e ambientais.
Com essa abordagem, pretendemos criar uma narrativa mais integrada e consistente para descrever os cenários que impactam o ecossistema e a saúde humana na Amazônia. Dessa forma, poderemos relacionar descritores socioeconômicos dos agentes que controlam as trajetórias econômicas e suas relações com a terra, com os recursos naturais disponíveis, e a transmissão de doenças. As próximas etapas do projeto consistem em desenvolver novas abordagens baseadas no território, a partir de dados e métodos multivariados, para explorar a dinâmica conjunta da ocorrência de doenças, dos padrões de paisagens e dos indicadores de biodiversidade resultantes da dinâmica econômica agrária na Amazônia.