Notícias
Estudo identifica mais de 350 espécies de plantas fundamentais para restauração do meio ambiente afetado pelo desastre em Mariana (MG)
Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) identificou, até o momento, 363 espécies da vegetação nativa das margens do Rio Doce fundamentais para a restauração da diversidade ambiental em Mariana, cidade mineira onde, em 2015, ocorreu o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco. As espécies indicadas estão descritas em artigo publicado este ano na revista Nation Conservation Research.
O estudo foi desenvolvido no âmbito do Projeto Biochronos, coordenado pelo bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, Geraldo Wilson Fernandes. Realizado pelo Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade da UFMG, em parceria com diversas instituições, o Biochronos se propõe a realizar o monitoramento da região do Rio Doce com transdisciplinaridade e uso de tecnologias emergentes, para gerar informações científicas e subsidiar o processo de tomada de decisão e formulação de políticas públicas para a recuperação daquela bacia.
Os efeitos do desastre ambiental que atingiu Mariana são investigados pelo grupo coordenado pelo professor Geraldo Fernandes há quatro anos. O acidente é considerado o maior desastre socioambiental do país no setor da mineração, por ter lançado no meio ambiente cerca de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos.
Segundo o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) João Carlos Gomes Figueiredo, autor principal do artigo, o objetivo do estudo era averiguar as espécies e sua recorrência na vegetação nativa ciliar de áreas preservadas no epicentro do desastre. Os pesquisadores queriam entender como essas espécies se comportavam em relação às características do solo, como o PH, a acidez e os nutrientes. “Queríamos identificar como devem ser restauradas as áreas da bacia que foram impactadas pelo rompimento da barragem em 2015”, explica Figueiredo.
O grupo trabalhou na caracterização da vegetação local existente nos remanescentes florestais ribeirinhos utilizando a técnica conhecida como fitossociologia, que permite mensurar parâmetros de estrutura e composição vegetal, densidade relativa, dominância relativa, frequência relativa e índice de valor de importância dentro de uma comunidade vegetal. Para o professor Geraldo Fernandes, a técnica é fundamental para atender a necessidade de conectar os fragmentos que resistem ao desmatamento e à simplificação da paisagem, possibilitando a retomada da biodiversidade da região.
“Precisamos desse conhecimento para não sair pintando o ambiente de verde, com espécies muitas vezes exóticas ao mesmo”, explica Fernandes. “Conhecer com a devida profundidade as florestas a serem restauradas é o primeiro passo para uma restauração que vise a biodiversidade. O segundo passo é conhecer as espécies que mais contribuem para que a vegetação se mantenha em movimento e evolua para uma vegetação similar ao original. Essas espécies, ditas ‘basais’ constituem os ‘cimentos’ ou alicerce dos ecossistemas, pois criam os habitats ocupados por outras espécies e/ou contribuem com uma fração importante da energia para o ecossistema”, completa o professor.
Espécies identificadas
Os pesquisadores agora se encontram na fase de análise dos dados, para depois propor quais espécies precisam ser privilegiadas nos projetos de restauração. A análise da vegetação e a coleta de solo foram realizadas em três distritos de Mariana: Camargos, Monsenhor Horta e Santa Rita Durão. Nos remanescentes florestais de referência, isto é, os que não foram atingidos pela lama, a pesquisa identificou 174 espécies de árvores adultas e 189 espécies de plantas juvenis. “É uma região de alta diversidade florística da Mata Atlântica", afirma João Figueiredo.
A análise das pequenas plantas nas matas não afetadas pelo rompimento permitiu identificar como a alta diversidade de espécies se encontra intimamente relacionada à riqueza dos solos. Isso significa que a variação dos solos possibilita que muitas espécies diferentes de plantas coabitem a área.
“Alguns grupos de espécies de plantas têm maior sucesso em um tipo de solo do que em outro. Por exemplo, algumas espécies apenas ocorrem quando os solos são mais úmidos, ou mais ricos em algum tipo de nutriente ou outro. Isso, indica também que mudanças abruptas no solo, em decorrência da deposição de rejeitos, podem ser acompanhadas de mudanças drásticas nas espécies de plantas. Também significa que podemos ter novos ambientes, ou novos ecossistemas criados pelo desastre”, alerta Figueiredo.
Para o professor Fernandes, essas mudanças são preocupantes, tendo em vista o grande impacto que os remanescentes de Mata Atlântica ao longo dos rios vêm sofrendo, com efeitos claros e negativos sobre a biodiversidade e a prestação de serviços ecossistêmicos. “Esses estudos são de enorme relevância, pois poderemos comparar os sítios de matas primárias restantes ao longo do rio com as áreas impactadas pelo desastre e fornecer elementos para o monitoramento e mitigação dos impactos”, reflete.
Pesquisa pioneira
Fernandes observa que a pesquisa do grupo é a primeira a avaliar os efeitos diretos do rejeito de mineração sobre a diversidade das comunidades vegetais em florestas ciliares ao longo da bacia do Rio Doce, em que os pesquisadores compararam locais de referência, sem contato com o rejeito, com locais impactados pela deposição do rejeito. “Temos publicado bastante sobre as vegetações conservadas ao longo da bacia hidrográfica do Rio Doce e os resultados mostram claramente que não existe apenas uma única floresta ripária. Em outras palavras, à medida que uma pessoa sai do epicentro do desastre em Mariana até a foz do Rio Doce, as espécies mudam radicalmente e muda também a quantidade de cada uma nas matas. Isso quer dizer que a estrutura da floresta muda e com essas mudanças muda toda a fauna”, afirma.
Mesmo próximos, os trechos de mata ciliar avaliados pelos pesquisadores se mostraram muito diferentes, tanto em composição florestal como em características do solo. Como esses trechos compartilhavam poucas espécies entre si, a conclusão do grupo foi que há alta heterogeneidade de espécies entre os locais, o que mostra que diversas práticas de restauração empregadas na bacia, que utilizam apenas um grupo de espécies para plantio, são um grave erro.
O artigo enfatiza que propor uma solução única para as muitas matas ciliares que compõem a bacia do Rio Doce pode causar a homogeneização ambiental, fenômeno que acontece em escala planetária e é objeto de reflexão recorrente do Centro de Conhecimento em Biodiversidade, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) coordenado por Fernandes. “A homogeneização biótica é um fenômeno em que duas ou mais comunidades ecológicas se tornam progressivamente mais similares ao longo do tempo, resultando na diminuição da diversidade na região.”
Esse processo é impulsionado por duas fontes principais: a extinção de espécies nativas e a invasão de espécies não nativas. Embora seja um processo evolutivo antigo, a atividade humana tem acelerado esse fenômeno de forma significativa, levando a homogeneização biótica a ser reconhecida como um componente importante da crise da biodiversidade.
“A restauração realizada sem considerar o ecossistema de referência pode resultar em outro desastre ambiental. Embora se resolva parcialmente um problema, muitos outros podem surgir, potencialmente mais graves. No caso do maior desastre ambiental do mundo na área da mineração, evidências científicas demonstram que a área ao longo do rio Doce não se resume apenas a uma floresta e que a restauração sem um conhecimento aprofundado das áreas de referência pode resultar na criação de novos ecossistemas ou, simplesmente, em uma pintura verde da paisagem degradada”, observa Fernandes.
O professor explica que a homogeneização ambiental é um fenômeno global que decorre do desconhecimento do ambiente natural em cada local, alimentado pela pressa em restaurar o ambiente de forma imediata, pela dependência de legislação desatualizada que não acompanha os avanços científicos e pela escassez de mudas e sementes das espécies originais em cada área a ser restaurada. Ao falar sobre o problema, Fernandes informa que o INCT Centro de Conhecimento em Biodiversidade tem como uma das suas principais metas a criação de um banco de dados abrangente sobre os ecossistemas de referência de cada bioma brasileiro. A iniciativa está sendo discutida em diversos fóruns globais, devido à natureza mundial do fenômeno e as suas sérias consequências ambientais.
Além do professor Geraldo Fernandes e de João Carlos Figueiredo, assinam o artigo Dario Paiva, da Universidade Internacional da Flórida, nos Estados Unidos; Rubens Santos, professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq; Yule Nunes, professora do Departamento de Biologia Geral da Unimontes e bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq; e os pesquisadores da UFMG Daniel Negreiros, bolsista de Pós-Doutorado Sênior do CNPq; Letícia Ramos, bolsista de Pós-Doutorado Júnior do CNPq; Yumi Oki, Wénita Justino, e Ramiro Aguilar, da Universidade Nacional de Córdoba – CONICET, Argentina.
Sobre o Biochronos
O projeto Biochronos, no âmbito de que a pesquisa foi realizada, tem o objetivo de avaliar e monitorar, espaço-temporalmente e por meio de metodologias sólidas e inovadoras, a evolução da paisagem, a saúde ambiental e os processos ecológicos que provocam o aumento da biodiversidade e o funcionamento das áreas afetadas pelos rejeitos da Barragem de Fundão. Além da UFMG, diversas instituições trabalham em parceria dentro do Biochronos.
“Nossa meta principal é a da aplicação dos resultados em ações concretas e duradouras que possam mitigar os efeitos dos impactos e auxiliar nas estratégias de recuperação, conservação e sustentabilidade da biodiversidade e dos ecossistemas afetados após o rompimento da barragem”, afirma o professor Geraldo Fernandes.
“Acreditamos que uma avaliação comparativa e minuciosa dos diferentes níveis de impacto sobre a biodiversidade trófica, geoespacial, genética e bioquímica é fundamental e apenas com ciência sólida podemos fornecer estes dados para que decisões duradouras possam ser tomadas”, conclui.
O projeto foi desenhado para abranger e atender as várias questões ambientais consideradas urgentes para o desenvolvimento de planos de ação para detecção da degradação oculta e para o retorno da biodiversidade, funções e serviços ecossistêmicos na interface terra-água da bacia do Rio Doce presente no estado de Minas Gerais. A restauração ecológica da bacia do Rio Doce visa aumentar a biodiversidade e as interações ecológicas de modo a aprimorar a integração da paisagem e o funcionamento do ecossistema. Por meio de tecnologias científicas, o grupo do projeto estabelece e descreve o funcionamento dos ecossistemas de referência em todos os níveis ecológicos e de sensoriamento remoto, a fim de entender as pressões sofridas pelas formações naturais e atuando em diferentes níveis ecológicos, como solo, fungos micorrízicos, espécies vegetais e macrofauna, que reúne polinizadores, herbívoros, detritívoros, decompositores e predadores.
Com Cedecom – Assessoria de Imprensa da UFMG