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Com manejo adequado, o uso do fogo em áreas naturais e agrícolas pode ser positivo
O uso racional do fogo para manejo de práticas agrícolas ou de áreas naturais pode ser admitido desde que se considere a região do país, a frequência, a época do ano, a intensidade, a extensão e sobretudo, a capacidade de controle do fogo. É o que afirma o estudo publicado no última terça-feira (20) por um grupo de pesquisadores brasileiros, incluindo a participação do projeto GrassSyn (Biodiversity of Brazilian grasslands and savannas: patterns and drivers, ecosystem services, and strategies for conservation and restoration) do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/Cnpq).
O uso do fogo para manejo agrícola é um tema bastante polêmico no Brasil e não é por menos. Entre 2019 e 2020 os incêndios no Brasil chamaram a atenção do mundo. Na Amazônia os incêndios agravaram o imenso problema de desmatamento. O Pantanal sofreu a maior queimada registrada nos últimos 20 anos que afetou cerca de 30% da área do bioma. Quando usadas inadvertidamente, as queimadas descontroladas podem se transformar em incêndios e provocar grandes perdas de biodiversidade, degradação ambiental e danos à saúde humana.
Entretanto, o Brasil possui biomas e ecossistemas com diferentes respostas ao fogo. Enquanto as florestas tropicais (como a Amazônia e a Mata Atlântica) são extremamente vulneráveis às queimadas, os campos naturais e savanas (como os Campos Sulinos e o Cerrado) apresentam adaptações ao fogo e têm muitos de seus processos ecológicos dependentes da presença do fogo. Além disso, mesmo os ecossistemas adaptados ao fogo respondem diferentemente, dependendo do tipo, frequência, sazonalidade, intensidade e extensão. Gerhard Overbeck, coordenador do GRASSYN e um dos autores do estudo, destaca que “temos evidências de que o fogo estava presente nos Campos Sulinos há milênios, por exemplo, mas é essencial fazer análises e monitoramento do impacto do uso do fogo na biodiversidade, produtividade (caso a área seja de uso agropecuário) e no solo para poder compreender qual o regime de fogo adequado para o local”.
Regimes de fogo de alta frequência, intensidade e extensão podem ter efeitos negativos, não apenas sobre a biodiversidade, mas também sobre os serviços ecossistêmicos para as populações humanas (como qualidade do ar e fornecimento de água, por exemplo). O risco de incêndios graves provavelmente aumentará no futuro, à medida que os efeitos das mudanças climáticas se tornarem mais fortes e causarem eventos climáticos mais extremos.
Desde 2014 o Brasil conta com uma Estratégia de Manejo Integrado do Fogo que procura controlar a quantidade de material de fácil combustão e diminuir o risco de incêndios florestais. Esta estratégia permite a integração de práticas tradicionais de gestão de fogo por parte das populações locais ao manejo das áreas protegidas, mas ainda não foi amplamente implementada em todo o país. Os pesquisadores apontam a necessidade de desenvolvimento de uma estratégia geral clara para lidar com o fogo em terras privadas, permitindo seu uso controlado quando for benéfico e evitando-o quando os efeitos negativos forem dominantes.
No Parque Nacional da Lagoa do Peixe (no litoral do do Rio Grande do Sul), por exemplo, o uso do fogo tem sido estudado para a restauração de áreas degradadas pela invasão da árvore de pinus. “Conseguimos demonstrar que o fogo pode ser importante para essa restauração porque remove a serrapilheira, permitindo o recrutamento de espécies nativas, e impede a reinvasão do pinus ao queimar as sementes”, explica Gerhard Overbeck.
Os pesquisadores indicam cinco pontos essenciais para o gerenciamento eficaz das queimadas em áreas naturais no Brasil: 1. uma base de informações calcada em pesquisas científicas e com acesso a dados remotos em tempo real; 2. o desenvolvimento do manejo do fogo de forma integrada com outros campos de políticas – especialmente aqueles relacionados à posse e manejo da terra – e de acordo com a agenda de mudanças climáticas, contando com fiscalização eficiente e combate aos incêndios ilegais, assim como incentivo à adoção de técnicas alternativas aos incêndios pelos usuários da terra; 3. a manutenção das agências governamentais devidamente equipadas e treinadas para a atuação, inclusive com o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e programas de capacitação local; 4. a definição de uma agenda de pesquisa nacional integrando diferentes áreas do conhecimento para o desenvolvimento de paisagens que sejam mais resistentes ao fogo; e 5. educação e divulgação envolvendo todos os profissionais que lidam com a conservação de recursos naturais e manejo do fogo para fomentar um entendimento mais profundo sobre o papel do fogo nos diferentes ambientes.
O estudo teve apoio financeiro do CNPq por meio do Centro de Síntese em Biodiversidade (SinBiose) e da Chamada em parceria com o PrevFogo-Ibama; bem como do Programa Biota/Fapesp.
Veja o artigo completo aqui: https://doi.org/10.1016/j.pecon.2021.06.005