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Roberto Lent
Autor de uma vasta produção acadêmica, Roberto Lent também encontra tempo para se dedicar à divulgação científica, tanto ao público adulto quanto ao infantil. Formou-se Médico na Faculdade de Medicina da UFRJ em 1972, e graduou-se Mestre em Neurobiologia e Doutor em Ciências no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ em 1973 e 1978, respectivamente. Completou sua formação científica realizando estágio de Pós-doutoramento em Neuroplasticidade no Massachusetts Institute of Technology, entre 1979 e 1982. Após os anos de formação, dirigiu sua carreira profissional para três domínios diferentes: a pesquisa científica em Neurobiologia; a nucleação de grupos científicos de alta produtividade; e a divulgação científica. No domínio da divulgação científica, Roberto Lent fundou, junto com outros três colegas, a revista Ciência Hoje da SBPC, da qual foi Editor e autor durante muitos anos. A revista se transformou em um Instituto com múltiplos veículos, de cujo Conselho é Presidente. O Instituto Ciência Hoje atualmente possui uma revista impressa e on-line para adultos, uma revista impressa e on-line para crianças, e publicauma série de livros escolares para-didáticos, além de outros projetos importantes. Lent também manteve a coluna Bilhões de neurônios na CH On-line entre abril de 2006 e dezembro de 2010publicada recentemente no livro Sobre Neurônios, cérebros e pessoas,lançado em 2011 pela Editora Atheneu. Lent deu a seguinte entrevista à aba Popularização da Ciência:
Quando teve início o seu interesse pela divulgação científica?
Comecei a me interessar por essa atividade logo que me formei em medicina (1972), e alguns anos depois fui escolhido secretário-regional da SBPC para o Rio de Janeiro, quando comecei a articular a possibilidade de criação de uma revista de divulgação científica da sociedade. Fizemos na época uma pequena série de conferências para o grande público, na Academia Brasileira de Ciências. Eram tempos de ditadura, e as pessoas tinham medo de falar e de se reunir. Funcionou com pequeno público, foi um começo.
Além das muitas atividades de divulgação científica, o senhor é um pesquisador atuante e tem uma vasta produção científica. Como o senhor consegue conciliar tantas atividades ao mesmo tempo?
Bem, é uma questão de organização do tempo, e a prática do trabalho em equipe. e além disso, uma atividade fertiliza a outra. Minha atuação em divulgação científica produziu um livro chamado “Cem bilhões de neurônios”, número que não tinha sustentação científica embora fosse propalado em artigos e livros. Isso nos levou – Suzana Herculano-Houzel e eu – a inventar um novo método de contagem de neurônios no cérebro, e a descobrir que o cérebro humano na verdade tem uns 15% menos que os tais cem bilhões. O título do meu livro passou então a ter um ponto de interrogação. É um exemplo interessante da divulgação científica provocando a proposição de um projeto de pesquisa.
O senhor escreveu uma série de livros infantis chamada “As aventuras de um neurônio lembrador”. Como e porque surgiu essa idéia?
A ideia surgiu de uma conferência que dei em uma região muito carente da periferia de São Paulo, em uma das reuniões da SBPC, para crianças de 8-9 anos de uma escola pública. Falei sobre células nervosas o tempo todo, e ao final uma das crianças me perguntou: “tio, existem células calmas?” Aí me dei conta que não tinha sido claro na minha exposição, e que precisava aprender a falar/escrever para crianças. A ideia foi amadurecendo, até que se tornou realidade.
Depois, esses livros foram adaptados para o teatro e quadrinhos. Como se deu esse processo?
A adaptação para quadrinhos foi imediata, por intermédio do ilustrador dos livros – Flavio de Almeida, um craque da ilustração que fez parte da equipe da antiga revista Mad. A adaptação para o teatro ocorreu após eu ser procurado por um grupo de teatro infantil – grupo Tibicuera – que se propôs a roteirizar o livro e encenar a peça. O roteiro foi feito pela Claudia Valli, uma excelente roteirista da Rede Globo, com a minha colaboração. E a peça foi encenada algumas vezes no Rio de Janeiro, e levada a cidades do interior.
É mais importante divulgar ciências para crianças do que para adultos?
Não. Acho que os dois focos são importantes e têm que coexistir. As estratégias de divulgação, é claro, são diferentes. E os objetivos também: no caso das crianças, predomina o objetivo educacional; no caso dos adultos, a informação que garante o exercício da cidadania.
A maioria dos cientistas tem dificuldades de levar os resultados de suas pesquisas para o público leigo. Por que isso ocorre?
Falar para o público leigo é muito diferente da linguagem técnica. Há que aprender e treinar. Para um neurocientista, eu posso dizer “células de purkinje”, e terei sido claro o suficiente. Para um adulto leigo eu diria “células motoras de uma região do cérebro chamada cerebelo”. E para as crianças eu diria “bolinhas cheias de cabelinhos que moram dentro da nossa cabeça”... Nem sempre os cientistas se conformam com essa liberdade metafórica que temos que ter ao usar a linguagem de divulgação científica. Atualmente, há estímulos das agências financiadoras para isso, o que tem aumentado a participação dos cientistas nessa atividade, principalmente dos mais jovens.
O senhor tem uma estratégia própria para fazer divulgação científica?
Não, uso a minha intuição...
Que conselhos o senhor daria ao cientista que quisesse fazer divulgação científica?
Começar!
O senhor acha que o jornalista brasileiro está preparado para fazer divulgação científica?
Sim, já há excelentes jornalistas científicos em alguns dos principais jornais do país, e há sensibilidade das escolas de comunicação para desenvolver essa área. Talvez seja necessário mais, mas é uma questão de tempo e mercado.
Os museus de ciências são uma iniciativa eficaz para incentivar nas crianças o interesse pela pesquisa?
Muitíssimo. Os museus de ciências permitem que a criança tenha uma experiência interativa com a ciência, e desenvolvam o gosto pela experimentação. É muito diferente da divulgação científica que utiliza meios discursivos (livros, revistas). Na verdade, todos os meios de divulgar ciência são válidos e complementares. Já houve até mesmo divulgação científica em um desfile de escola de samba, no Rio de Janeiro, quando a Unidos da Tijuca desfilou com uma grande construção humana que simbolizava o DNA.
Quais são os principais desafios da divulgação científica hoje no Brasil?
Crescer, capilarizar a todos os segmentos sociais, entrar na escola pública, e manter sempre a riquíssima colaboração entre cientistas e comunicadores.
O senhor foi um dos incentivadores da criação da revista Ciência Hoje, da SBPC, em 1982. Como surgiu essa idéia?
Essa é uma história longa, que surgiu nos anos 1975-6, quando eu era secretário-regional da SBPC no Rio de Janeiro. Formamos um grupo de cientistas que elaborou um projeto de revista. O projeto foi levado adiante pelo secretário regional seguinte, Ennio Candotti, com apoio do CNPq. Tivemos que vencer até mesmo uma certa resistência da SBPC, que de vez em quando reaparece até hoje... Movia-nos o desejo de criar um instrumento de divulgação científica que estabelecesse uma ponte entre a ciência brasileira e o público. Na época só havia revistas traduzidas...
Depois foram criadas Ciência Hoje on Line, Ciência Hoje das Crianças e o Jornal da Ciência. Essas publicações foram bem recebidas pelo público?
Não só foram bem recebidas pelo público como fomentaram a criação de outros veículos produzidos por empresas privadas de comunicação. A Ciência Hoje das Crianças, atualmente, é lida por crianças que participam do programa Ciência Hoje de apoio à Educação, junto com várias prefeituras municipais de diversos estados. Esse é um projeto de grande impacto, que inclui também a formação de professores.
Havia alguma iniciativa de divulgação científica antes da Ciência Hoje?
Sim. o principal pioneiro foi José Reis, um dos fundadores da SBPC. Mas mesmo antes dele, Roquete Pinto fazia divulgação científica pelo rádio, e havia algumas iniciativas esparsas na imprensa em diferentes períodos. Mas nada massivo como hoje conseguimos no país.
Qual o veículo ideal para se fazer divulgação científica no Brasil?
Não acho que haja veículo ideal. Todos são válidos, pois atingem públicos distintos, têm possibilidades diferentes, e o conjunto se soma no esforço de aproximar a ciência do cidadão e da criança.
O senhor disse em artigo no Jornal da Ciência que é hora das instituições científicas falarem mais freqüentemente com a sociedade, especialmente as que representam a comunidade científica como é o caso da Academia. O que o senhor quis dizer com isso?
Quis dizer que a divulgação científica é uma obrigação social da comunidade científica – a de prestar contas à sociedade das conquistas que realiza com o dinheiro público. Além disso, trata-se de prover informação qualificada aos cidadãos sobre temas que envolvem aspectos científicos, para que eles possam tomar decisões. Temas como o uso de animais em pesquisa, o aborto, o uso terapêutico de células-tronco, a energia nuclear, a proteção do meio ambiente, e muitos outros (praticamente todos!) podem ser objeto da investigação científica, e as conclusões em tese podem ajudar ao processo de tomada de decisões dos poderes da república.
Equipe Popularização da Ciência