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Metade dos vencedores do Prêmio de Foto do CNPq são da Amazônia; conheça todos os premiados
Metade dos seis pesquisadores agraciados com o XIII Prêmio Fotografia – Ciência & Arte do CNPq trabalham e desenvolvem pesquisa na Amazônia, um resultado inédito na história do Prêmio. Nas edições anteriores, apenas as de 2015, 2018 e 2020 registraram, cada uma, dois candidatos provenientes daquela área geográfica. Nas demais edições desde 2014, ou não houve candidatos da região premiados, ou apenas um recebeu a premiação.
A região amazônica costuma aparecer com frequência nas listas de agraciados com o Prêmio. Nos últimos dez anos, houve 12 contemplados da região Norte, sendo 6 do Amazonas, 5 do Pará e 1 do Amapá, representando aproximadamente 18% do total de ganhadores. Apesar de bem atrás dos quase 54% dos contemplados com a honraria provenientes da região Sudeste, a região Norte aparece à frente dos 11% da região Nordeste, 7% do Centro-Oeste, 6% da região Sul, sempre em números aproximados. Outros 3% de pesquisadores brasileiros premiados viviam em outros países.
Os agraciados receberão suas premiações durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de 7 a 13 de julho, no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Além das diárias e passagens aéreas para participar do evento, cada um dos contemplados receberá diploma e um prêmio, em dinheiro, de R$ 5 mil, R$ 10 mil e R$ 15 mil, destinados, respectivamente, ao terceiro, ao segundo e ao primeiro lugar.
Para Paulo Sérgio Mendes Pacheco Júnior, professor e pesquisador da Universidade do Estado do Amapá, vencedor do primeiro lugar na Categoria I (Imagens produzidas por câmeras fotográficas), a visibilidade sem precedentes dada pelo Prêmio atrairá mais atenção para o trabalho dos pesquisadores da Amazônia, fomentando maior interesse e apoio às pesquisas realizadas na região, fortalecendo iniciativas locais e inspirando novos talentos a utilizarem a ciência e a fotografia como ferramentas para a compreensão do ambiente em que se encontram.
“Acredito que esse resultado reflete um reconhecimento crescente da riqueza biológica e cultural da Amazônia, assim como da dedicação e do talento dos pesquisadores que se empenham em explorar e documentar essa região única. A Amazônia é um verdadeiro celeiro de biodiversidade, e nossos esforços para capturar essa riqueza em imagens e pesquisas estão finalmente sendo valorizados” afirma Pacheco Júnior.
O pesquisador observa que o reconhecimento pelo trabalho poderá auxiliar a quebra de alguns estereótipos, mostrando que a ciência na Amazônia não é somente um campo de exploração, mas um lugar de inovação e excelência. “Espero que isso também traga mais recursos e oportunidades para nós, que muitas vezes trabalhamos em condições desafiadoras, mas com uma paixão que é recompensada quando vemos nossa pesquisa ganhar destaque em prêmios como esse”, completa ele, que se define como amapaense e autêntico nativo amazônida e é autor da foto intitulada “O início de um império no coração da floresta amazônica”, que mostra a rainha e a operária da formiga amazônica Pseudomyrmex concolor cuidando de um ovo recém-depositado. A fotografia faz parte de seu projeto de pesquisa “História Natural da formiga mirmecófita Pseudomyrmex concolor Smith (Hymenoptera, Formicidae)”.
Ao pontuar que a riqueza da região tem colocado o Brasil no centro das discussões ambientais, a professora do departamento de Biologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Ana Lúcia Gomes, agraciada com o terceiro lugar na Categoria II do Prêmio, referente a imagens produzidas por instrumentos especiais, salienta o desafio que é desenvolver pesquisas em uma região tão grande e diversa.
“Toda iniciativa ou esforço nesta região é maior em função de sua complexidade”, afirma Gomes. “A premiação em triplicata do Prêmio de Fotografia só mostra o grau de envolvimento dos pesquisadores amazônidas. Auxilia também para que sirvamos de exemplo para jovens pesquisadores que queiram explorar estes biomas. Em meu caso específico, que trabalho com organismos parasitas diminutos no tamanho, porém gigantes nos danos que possam causar em espécie de peixes ornamentais, este prêmio já tem repercutido como um incentivo a continuar desenvolvendo ações que visem o bem estar animal e impeçam a propagação de doenças”, diz.
Gomes é autora da foto “Entre escamas e mistérios: a saga do verme aquático”. A imagem mostra um parasito intestinal de um peixe ornamental da bacia amazônica. Segundo a pesquisadora, o grupo de parasito fotografado, quando na sua fase larval, passeia pelos órgãos internos de seus hospedeiros, migração que provoca grandes danos a estruturas maciças dos peixes, como baço e fígado. “A Amazônia é uma das maiores exportadoras de espécies de peixes ornamentais de ambiente natural, mas entre escamas, órgãos e mistérios, a saga de um parasito aquático pode vir a se tornar um grande problema sanitário à existência da beleza das espécies de peixes ornamentais”, afirma.
Exaltação da pesquisa e popularização da ciência
Ao conhecer o resultado, os agraciados na edição 2023 do Prêmio de Fotografia comemoraram, exaltando o incentivo recebido para a continuidade de seu trabalho de pesquisa, sublinhando a importância de parcerias institucionais na área científica e observando o papel do prêmio promovido pelo CNPq na divulgação e na popularização da ciência. “É uma validação não apenas da qualidade científica, mas também da criatividade e paixão que colocamos na pesquisa”, diz Paulo Pacheco Júnior, para quem o prêmio é uma motivação para ele continuar desenvolvendo seu trabalho e capturando imagens de o que chama “as maravilhas escondidas da Amazônia”.
Segundo o pesquisador, o Prêmio fortalece a conexão entre a ciência e a sociedade, mostrando que a pesquisa pode ser repleta de histórias visuais capazes de cativar e de educar o público, podendo também inspirar futuras gerações de cientistas. “Em essência, é um lembrete de que a ciência é, em seu cerne, uma arte de desvendar os mistérios do nosso mundo. A iniciativa do CNPq é crucial, pois ilumina o trabalho muitas vezes invisível dos pesquisadores, trazendo à luz descobertas que, de outra forma, poderiam permanecer nas sombras dos laboratórios”, conclui o pesquisador, que agradeceu o apoio de sua mãe, que deu o incentivo fundamental para a realização do trabalho premiado.
Ao lembrar da própria experiência, desde os primeiros contatos que teve com fotografias de animais, em álbuns de figurinha colecionados quando era criança, até o deslumbramento com imagens da vida selvagem feitas por fotógrafos como Frans Lanting, Araquém Alcântara, Cristina Mittermeier e Bervely Joubert, Pacheco Júnior diz que fotos do tipo representam um esforço de dissecar a natureza e traduzi-la em arte, aproximando ciência e público de uma forma poética. Ana Lúcia Gomes concorda com ele: “A partir de uma experiência como esta, evidencia-se que a arte da fotografia acompanha o trabalho científico ilustrando-o, mas também permite trazer poesia ao resultado da pesquisa”, completa a bióloga.
Gomes e Kemily Moya, também agraciada da Amazônia nesta edição e doutoranda em Biologia da Interação Patógeno-Hospedeiro, no Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz Amazonas, observam, também, a relevância de parcerias institucionais na área de pesquisa. Segundo Gomes, sua participação no Prêmio só foi possível a partir de uma parceria entre sua instituição, a UFAM, e o Centro Multiusuário para Análise de Fenômenos Biomédicos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). “O resultado dessa fotografia, portanto, foi produzido por mim, Ana Lúcia Gomes, e os tecnólogos em microscopia Aldenora dos Santos Vasconcelos e Jander Matos Guimarães, os quais dividirão a premiação comigo”, afirma a pesquisadora.
Kemily Moya, primeiro lugar na Categoria II do Prêmio (Imagens de instrumentos especiais, como microscópios, telescópios e outros), lembrou da importância do prêmio neste momento, quando seu grupo de pesquisa na Fiocruz Amazônia e o Centro Mutiusuário para Análise de Fenômenos Biomédicos da UEA (CMABio-UEA) se encontram em expansão. “Quando o CNPq organiza um evento como o Prêmio de Fotografia e premia um trabalho desenvolvido no Amazonas, está reforçando a parceria entre as duas instituições, bem como divulgando a nível nacional a qualidade das pesquisas científicas desenvolvidas no estado e dando mais visibilidade a região Norte”, sublinha.
De acordo com Moya, além de visibilidade e reconhecimento, a escolha de seu trabalho exalta a relevância da pesquisa que ela vem desenvolvendo na área de controle biológico de vetores. “Esse tipo de estudo encontra muitos desafios durante a execução e ganhar um prêmio como esse é a reafirmação de que estou no caminho certo”, diz. Seu projeto de pesquisa é desenvolvido na área de controle biológico de Aedes aegypti com fungos filamentosos da Amazônia. Por isso a fotografia “A complexa teia fúngica que assombra os ovos da dengue” mostra um ovo do mosquito transmissor da dengue colonizado por um fungo específico – o Aspergillus giganteus – indicando a suscetibilidade dos ovos do Aedes aegypti a infecções por fungos.
Agraciado com o segundo lugar na Categoria I, o biólogo atuante na reintrodução e conservação de animais silvestres e doutorando da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Rodrigues Vilarta observa que o uso da fotografia no meio científico só traz consequências positivas. Do ponto de vista técnico, a fotografia foi essencial nos trabalhos que ele desenvolveu no tocante ao monitoramento de aves, pois permitiu o alcance de dados de observação de uma forma mais precisa.
“Além disso, a fotografia potencializou a divulgação do nosso projeto de reintrodução, de forma a facilitar a obtenção de parcerias e financiamento para dar continuidade ao mesmo”, diz o autor da foto “Forrageamento em vida livre”, que mostra uma ararajuba nascida em cativeiro e reintroduzida na natureza para repovoar a área de Belém (PA) se alimentando como o fazem as aves selvagens. A ave é uma espécie endêmica na Amazônia brasileira e possui um padrão de cores em verde e amarelo. “A imagem representa mais um importante passo desse indivíduo em direção a sua reintegração na natureza e, para nosso projeto, também traz um importante dado sobre o comportamento de forrageamento da espécie”, justifica Vilarta. “No meu trabalho de reintrodução de ararajubas, é impossível me distanciar pessoalmente da vida dessas aves e de todas as emoções que o retorno delas à natureza me proporciona. Portanto, quando eu consigo capturar um momento simbolicamente importante como esse na câmera e ser reconhecido por isso, sinto imensa satisfação e vontade de continuar a fazer esse trabalho”, afirma.
Fotoetnografia
Premiado com o terceiro lugar na Categoria I, o jornalista e mestre no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Rurais da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFJVM) Nilmar Lage reforça a motivação dada por premiações como a do CNPq para a continuidade de seu trabalho documental, ou, no caso do Prêmio de Fotografia, fotoetnográfico. A foto de Lage (intitulada “Sim Sinhô, fotoetnografia da Comunidade Quilombola do Ausente”) mostra uma agricultora quilombola em momento de descanso, representando não apenas o labor, mas também as cores de quem percebe a vida por outra ótica.
O cuidado com a pintura da casa, o forro da mesa e as peças do vestuário, segundo Lage, compõem uma fotoetnografia que busca contestar imagens em tons de cinza que diziam representar o todo de uma complexidade do que é ser do semiárido. “Sou gentilmente acolhido por pessoas que se dispõem a compartilhar comigo suas intimidades, as quais busco interpretá-las da maneira mais respeitosa possível. Quando entidades reconhecidas e respeitáveis respaldam minhas pesquisas, tenho a impressão de estar indo no caminho ético e estético que me dispus a fazer, de maneira coerente e respeitosa”, diz ele.
Único dos contemplados que têm mais prêmios de fotografia no currículo, Lage recebeu o prêmio “Mídia e Direitos Humanos”, concedido pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais, pelo fotolivro “Corpos Conflitantes”, lançado em 2017, e tem diversos trabalhos na área de audiovisual. Para ele, apresentar um trabalho acadêmico composto em sua maioria por imagens é um desafio tanto para o pesquisador, quanto para quem vai ter acesso ao material publicado. “A imagem é um texto. Valorizar e divulgar a imagem enquanto ferramenta que compõe o trabalho, não sendo ‘apenas’ um anexo da pesquisa, é fundamental para que outras pessoas tenham incentivo à experimentar metodologias decoloniais, que se permitem tocar pelo tema, sem perder o caráter acadêmico do trabalho”, observa.
Débora Barreto Vieira, pesquisadora titular em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e contemplada com o segundo lugar, na Categoria II, comemorou o resultado, ressaltando o mérito de iniciativas como a do Prêmio de Fotografia para a divulgação e a popularização da ciência. Para ela, que é chefe do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral e gerente da Plataforma de Microscopia Eletrônica Rudolph Barth 2, do Instituto Oswaldo Cruz, a premiação coroa mais de vinte anos de trabalho na área de ultraestrutura de vírus.
“Nestes vinte e cinco anos de atividade, muitas imagens de diferentes vírus foram produzidas a citar a primeira imagem do vírus Zika e do SARS-CoV-2 do Brasil e, mais recentemente do MPXV, e nestes momentos vimos um despertar do interesse não só da academia como também do público leigo”, diz Vieira. O MPXV, citado pela pesquisadora, corresponde à sigla utilizada para o vírus monkeypox, ou varíola dos macacos, doença infecciosa do mesmo gênero das varíolas humana e bovina – que, nos últimos anos, tem se espalhado por diversas regiões do globo e é letal em até 10% dos infectados, com quadros mais graves em crianças e pessoas com imunidade reduzida.
A foto premiada da pesquisadora, obtida por meio de microscopia de varredura e intitulada “MPOX VIRUS”, foi produzida no âmbito de projeto de estudos ultraestruturais, a partir de um modelo in vitro infectado com amostras clínicas de pacientes positivos para o vírus MPOX.