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Combate a doenças graves e negligenciadas é tema comum aos trabalhos contemplados com o Prêmio Mercosul 2024
- Foto: Divulgação
Desenvolver pesquisas que beneficiem a sociedade. Esse é um ponto em comum citado por todos os agraciados em primeiro lugar das cinco categorias do Prêmio Mercosul 2024, que teve como tema da edição “Nanotecnologia Aplicada à Saúde”. Independente do ponto em que se encontram na trajetória profissional – se estão apenas começando ou se já são pesquisadores experientes – os contemplados entrevistados nesta reportagem pontuam suas falas com palavras como reconhecimento, motivação, visibilidade e credibilidade, entre outras, ao comentar a premiação.
Além de acreditarem que o Prêmio Mercosul é um estímulo a seus trabalhos, eles também reforçam seu papel incentivador à pesquisa científica, tecnológica e inovação e agregador de grupos de pesquisa na região. Com isso, citam de forma espontânea alguns dos objetivos para os quais o Prêmio foi criado, em 1998. Melhor do que perceber que o Prêmio Mercosul vem cumprindo sua missão, contudo, é verificar que a ciência está ultrapassando os espaços de universidades e instituições de ensino e chegando a um público que antes parecia distante e que, agora, pode compreender melhor o trabalho de cientistas e usufruir dos resultados desses estudos.
Assista à cerimônia virtual de premiação:
Ferrofluídos na nanomedicina
Contemplado com o primeiro lugar, na categoria Iniciação Científica, o estudante argentino Gonzalo Peralta é autor do trabalho “Fluido Danzante”, que tem a coautoria de Dante Moras Bortoli. Os dois demonstraram que é possível empregar materiais mais amigáveis ao meio ambiente ao desenvolver um ferrofluido. Esse líquido, que se torna magnetizado na presença de um campo magnético, pode ter seus movimentos controlados por meio de campos magnéticos gerados com eletroímã circulares.Ao utilizar componentes acessíveis, o trabalho apresentado por Peralta propõe, dessa forma, um sistema simples e econômico de controle, que abre o leque de possibilidades para sua aplicação na área de ciência e tecnologia. “Esse trabalho busca explorar as possíveis aplicações do ferrofluido no campo da nanomedicina”, afirma Peralta, citando um exemplo de utilização. Na nanomedicina, os ferrofluidos podem ser empregados para a administração localizada de fármacos, para a eliminação de células tumorais mediante hipertermia e como agentes de contraste em ressonâncias magnéticas.
Para Peralta, a pesquisa com ferrofluidos tem impacto na sociedade ao promover alternativas menos contaminantes e acessíveis, fomentando a sustentabilidade no desenvolvimento de materiais avançados. Seu interesse no assunto começou em 2023, quando trabalhou em um projeto focado no uso dessa tecnologia para a extração de microplásticos, junto com Bortoli. O trabalho os levou a ganhar o Prêmio Argentino Júnior da Água, uma premiação de alcance nacional em seu país. A experiência, além disso, permitiu que os dois estudantes representassem a Argentina no Stockholm Junior Water Prize, na Suécia.
Peralta diz que sua escolha como agraciado do Prêmio Mercosul, em 2024, valida a relevância de sua pesquisa e o posiciona ele, junto com Bortoli, como referências juvenis na ciência da região, motivando-os a seguir buscando soluções que beneficiem a sociedade. “Ser ganhador do Prêmio Mercosul representa um reconhecimento de nosso tempo e esforço para abordar problemas científicos e tecnológicos com um enfoque inovador e sustentável, apesar dos baixos recursos com que contávamos”, comenta. “Para minha carreira, o Prêmio é uma oportunidade inestimável para fortalecer minha formação científica, ampliar meus conhecimentos e habilidades técnicas e minha rede de contatos no âmbito acadêmico e profissional, e reafirmar meu compromisso com a pesquisa orientada ao bem-estar coletivo e à preservação do meio ambiente”, completa.
Testes rápidos para tuberculose e pneumonia
Vitor Ribeiro de Almeida Reis, agraciado com o primeiro lugar na categoria Estudante Universitário, concorda com Peralta ao lembrar o reconhecimento trazido pelo Prêmio Mercosul, que dá a seu trabalho de pesquisa visibilidade e credibilidade. “Essa conquista abriria portas para novas oportunidades de parcerias e desenvolvimento profissional. Além de fortalecer meu currículo, o prêmio agregaria prestígio à minha carreira, funcionando como um diferencial”, afirma o graduando em biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Para ele, o prêmio também é um estímulo para a busca de novos desafios e oportunidades de aprendizado.O trabalho de Reis, “Desenvolvimento de testes rápidos nanoestruturados para detecção diferencial de Tuberculose e Pneumonia”, teve como objetivo desenvolver um biossensor multiplex de papel, capaz de detectar, de forma simultânea, os biomarcadores pneumolisina e CFP-10, associados, respectivamente, à pneumonia e à tuberculose. “A principal inovação está no uso de nanopartículas de ouro e prata como sondas colorimétricas, que permitem identificar os biomarcadores pela cor exibida na linha teste do dispositivo”, explica Reis.
As nanopartículas de ouro apresentam uma coloração vermelho/rosa. As de prata, por seu turno, possuem coloração amarela, possibilitando um diagnóstico rápido e visual baseado na cor resultante na linha de teste. O estudo desenvolvido teve como principal razão a necessidade de diagnósticos rápidos, precisos, acessíveis e de fácil aplicação para tuberculose e pneumonia, o que pode transformar de modo significativo como essas doenças são detectadas e tratadas.
“Ao observar as limitações dos métodos tradicionais, muitas vezes lentos e complexos, percebi a importância de criar uma solução acessível que pudesse ser utilizada em ambientes com recursos limitados”, observa Reis. “A proposta é que, no futuro, o dispositivo seja testado com amostras reais em ambientes clínicos, permitindo avaliar sua eficácia e precisão no diagnóstico prático. Essa abordagem tem o potencial de oferecer diagnósticos precoces, fundamentais para a detecção de condições de saúde em estágios iniciais, o que facilita a implementação de tratamentos eficazes e a melhora dos resultados clínicos”, afirma Reis. O diagnóstico rápido e acessível abre possibilidades para uma ampla gama de aplicações, desde a melhoria do acompanhamento de doenças crônicas até a implementação de estratégias preventivas em larga escala, promovendo resultados clínicos mais rápidos e positivos.
Vacinas terapêuticas para câncer
Para o doutor em patologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Pedro Henrique Dias Moura Prazeres, agraciado com o primeiro lugar na categoria Jovem Pesquisador, o fato de ter sido contemplado com o Prêmio Mercosul é um reconhecimento da importância da pesquisa desenvolvida em laboratório de sua universidade, cujo alcance ultrapassou o espaço universitário.
“Às vezes, damos muito valor para o que vem de fora, então esse reconhecimento serve para mostrar que o Brasil, a UFMG e todos os pesquisadores devem também receber o reconhecimento de que nossa pesquisa pode ter um impacto positivo na sociedade, mesmo demorando. Ter o Prêmio no currículo abrirá portas no futuro, seja na pesquisa ou na clínica, e espero principalmente ter contribuído com o grupo do LabNano do ICB da UFMG com um legado com potencial de avançar para melhorar a vida de quem precisa de terapias antitumorais”, diz Prazeres, referindo-se ao Laboratório de Biofísica de Sistemas Nanoestruturados da UFMG.
O projeto que levou Prazeres a ganhar o Prêmio, intitulado “Plataforma de nanopartículas lipídicas ionizáveis visando imunoterapia do câncer”, tinha como objetivo principal o desenvolvimento de uma plataforma de nanopartículas lipídicas ionizáveis (LNPs), para entrega segura e eficaz de ácidos nucleicos para células imunes.
“Demonstramos que, utilizando as LNPs desenvolvidas no grupo, foi possível produzir células CAR T de forma rápida, e que foram eficazes, in vitro, contra células de linfoma”, explica ele. As células CAR são células T geneticamente modificadas para reconhecer e matar células tumorais. Segundo Prazeres, também foi possível utilizar essa plataforma para produzir células CAR T utilizando RNA mensageiro, uma tecnologia semelhante à aplicada nas vacinas de Covid-19. Esta última técnica teve como foco tumores sólidos, tendo como modelo o câncer de intestino.
“No futuro, essa tecnologia pode ser aplicada na forma de vacinas terapêuticas para câncer, bem como na transformação in vivo de células CAR T”, afirma ele, que começou a se interessar pela pesquisa na graduação, ao desenvolver trabalho para bolsa de iniciação científica, e hoje faz pós-doutorado no Instituto Ludwig para Pesquisa do Câncer em Lausanne, na Suíça, em um grupo que tem como foco o desenvolvimento de novos receptores CAR com potencial de aplicação clínica.
De acordo com Prazeres, a terapia CAR T vem despontando como uma alternativa eficaz no tratamento de diferentes tumores, com produtos aprovados no Brasil contra tumores hematológicos. Porém, o alto custo da terapia e o tempo necessário para a produção das células impedem sua aplicação ampla no contexto da saúde pública brasileira.
“O uso de LNPs para produção de células CAR T pode reduzir o custo e tempo associados a manipulação das células em ambiente estéril, bem como eliminar a aplicação de vírus no processo produtivo, o que está relacionado a alguns eventos adversos observados na clínica. Além disso, as LNPs abrem portas para a modificação in vivo das células T do paciente, sem a necessidade de coleta e manipulação externa”, observa. A terapia CAR T foi aprovada pela agência regulatória dos Estados Unidos em 2017, após cerca de 40 anos de estudos. No Brasil, recebeu aprovação em 2021.
Nanotecnologia para combater doenças neglicenciadas
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica da UFMG, o professor Frederic Jean Frezard ganhou o primeiro lugar na categoria Pesquisador Sênior com o trabalho “Aplicação da Nanotecnologia na terapia de doenças infecciosas negligenciadas e emergentes”. Ele explica que a pesquisa trata com ênfase dos tratamentos de leishmanioses e da Covid-19 devido ao quadro encontrado entre os países da região.
“Escolhi essas patologias porque representam graves problemas de saúde pública nos países do Mercosul. Além disso, as terapias existentes para essas doenças não são satisfatórias. De fato, são poucos medicamentos disponíveis, estes apresentam toxicidades, baixa eficácia e são geralmente dados por via parenteral ou injeção”, afirma.
Segundo Frezard, o trabalho contribui com abordagens inovadoras envolvendo nanossistemas carreadores de princípios ativos ou fármacos, de forma a obter novos medicamentos mais eficazes e menos tóxicos e que possam ser administrados no homem ou animal, de preferência por via não invasiva. O pesquisador também diz que o estudo enfatizou o “rejuvenescimento de fármacos”, ou seja, o desenvolvimento de formulações inovadoras para fármacos existentes.
O interesse pelos sistemas nanoestruturados começou em 1989, quando Frezard era doutorando na Universidade Paris 6, na França. Desde sua chegada ao Brasil, em 1993, os nanossistemas carreadores tornaram-se o principal objeto de seu estudo. “Este tema de pesquisa é rico e desafiador do ponto de vista científico e tecnológico, pois trata de sistemas de alta complexidade e apresenta interfaces com várias disciplinas: física, química, farmácia, farmacologia, parasitologia, virologia e medicina. Além disso, oferece um grande potencial para gerar novos medicamentos e novas aplicações terapêuticas”, ressalta.
O conceito de plataforma tecnológica, com que Frezard trabalha, pode permitir aplicações também para outras doenças, além daquelas identificadas como alvo no início. Entre essas enfermidades estão as micoses sistêmicas e subcutâneas, doenças virais e doenças inflamatórias pulmonares. “A importância da pesquisa reside também no seu grande potencial para gerar medicamentos inovadores e benefícios para a população afetada por essas doenças, assim como para elevar a capacidade inovadora da indústria farmacêutica”, salienta.
De acordo com Frezard, o próximo passo, em que os pesquisadores já estão trabalhando, é a transformação dos protótipos desenvolvidos em produtos de mercado. “Para isto, os principais desafios a serem vencidos são fabricar os nanossistemas em escala piloto com boas práticas, estreitar a interação universidade – empresa e promover a transferência de tecnologia”, resume ele, para quem ser contemplado com o Prêmio Mercosul significa o reconhecimento da relevância científica e tecnológica e do potencial de impacto na sociedade de uma linha de pesquisa construída ao longo dos anos. “É uma grande honra e um reconhecimento pessoal e, também, para a equipe de pesquisa envolvida no trabalho e para as instituições que apoiaram e permitiram a sua realização. É um grande incentivo para mim, os colaboradores e todos os estudantes, que participaram e participam, para dar continuidade ao trabalho”, conclui.
Folhas de maracujá para combater diabetes
Diana Aragón Novoa, contemplada com o primeiro lugar na categoria Integração, com o trabalho “Efeito antidiabético de um extrato nanoveiculado de folhas de Passiflora ligularis”, sublinhou que o Prêmio Mercosul é um reconhecimento à relevância e à qualidade de um trabalho desenvolvido em anos de pesquisa. “Essa conquista não seria possível sem um trabalho rigoroso, a dedicação e a disciplina de colegas e estudantes comprometidas com a excelência científica”.
Novoa salienta também que a concessão do Prêmio enaltece a importância da colaboração científica em nossa região e valoriza o potencial de recursos naturais da América Latina. “Para minha carreira, significa uma oportunidade de projeção internacional, fortalecendo meu perfil como pesquisadora e abrindo portas para futuras colaborações e fontes de financiamento”, diz ela, para quem a premiação não é apenas um reconhecimento pessoal, mas uma homenagem às mulheres na ciência que trabalham com ela. “São parte fundamental desta conquista e a todas que, com esforço diário, buscam abrir caminho no âmbito científico. Esse reconhecimento também pertence a elas e às gerações futuras, que seguirão construindo uma ciência mais inclusiva e comprometida”, completa.
O trabalho de Novoa investiga o efeito antidiabético de um extrato de folhas de Passiflora ligularis, ou maracujá doce. A pesquisadora explica que a pesquisa propõe uma solução inovadora para o tratamento da diabetes tipo 2, combinando plantas medicinais com nanotecnologia para melhorar a eficácia e a acessibilidade dos tratamentos. Novoa observa que, embora o maracujá doce seja consumido como alimento em várias partes do mundo, suas folhas são subprodutos sem qualquer uso comercial. Sua pesquisa, assim, permitirá não apenas descobrir alternativas ou coadjuvantes terapêuticos para o tratamento da Diabetes mellitus, mas gerar valor agregado ao cultivo dessa planta.
“O projeto tem aplicações práticas para o desenvolvimento de medicamentos naturais efetivos e acessíveis para tratar a diabetes tipo 2. Isso poderia beneficiar milhões de pacientes, especialmente em comunidades com recursos limitados. Ademais, fomenta a pesquisa interdisciplinar e o uso sustentável da biodiversidade”, afirma. Uma futura produção industrial do produto fitoterápico proposto daria valor agregado ao cultivo e à toda a cadeia de produção, gerando empregos e melhorando a qualidade de vida dos que cultivam a planta.
A pesquisadora diz que seu interesse no tema se deve à percepção de encontrar alternativas terapêuticas mais acessíveis e efetivas, baseadas em produtos naturais. A Colômbia é o segundo país mais biodiverso do mundo e com história de uso de plantas na medicina tradicional. Nem sempre, porém, os estudos com modelos in vivo foram bem sucedidos. “É aí que a nanotecnologia oferece uma plataforma tecnológica que aumenta o desempenho e a efetividade dos extratos com atividade farmacológica promissora”, diz.
Menções honrosas
Cada categoria do Prêmio Mercosul também teve um ganhador de Menção Honrosa.
Na categoria Iniciação Científica, a contemplada foi Ana Clara Alves de Almeida Souza, estudante do ensino médio da Escola de Aplicação do Recife e bolsista de iniciação científica júnior do CNPq.
Giovanna Furman recebeu a menção na categoria Estudante Universitário e Henrique Luís Piva, doutorando em Química pela Universidade de São Paulo (USP-Ribeirão Preto), foi contemplado na categoria Jovem Pesquisador.
Gerson Nakazato, chefe do Departamento de Microbiologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e bolsista de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora do CNPq foi o agraciado com a Menção Honrosa na categoria Pesquisador Sênior.
A bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e chefe do Laboratório de Imunofarmacologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bartira Rossi Bergmann, por sua vez, foi a contemplada com a Menção na categoria Integração.