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CNPq e MCTI anunciam o vencedor do Prêmio Almirante Álvaro Alberto
O vencedor da 35ª edição do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia é o epidemiologista brasileiro Cesar Gomes Victora (confira entrevista ao final) . O Prêmio, uma parceria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) com a Marinha do Brasil, é um dos maiores reconhecimentos a pesquisadores e pesquisadoras do país, concedido anualmente a uma das três grandes áreas do conhecimento, em sistema de rodízio. Em 2023, a premiação contempla a área de Ciências da Vida. A escolha do vencedor é feita pelo Conselho Deliberativo do CNPq.
Reconhecido como um dos líderes mundiais em saúde e nutrição materno-infantil e um dos mais proeminentes pensadores nos campos de desigualdades sociais e avaliação de programas de saúde, o Professor Emérito de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Cesar Victora desenvolveu estudos que definiram o rumo de políticas públicas sobre amamentação e nutrição materno-infantil precoce.
Suas principais contribuições científicas incluem a documentação da importância do aleitamento materno exclusivo para prevenir a mortalidade infantil e a construção de curvas de crescimento infantil atualmente adotadas em mais de 140 países. Em 2003, coordenou a Série de Sobrevivência Infantil Lancet/Bellagio, um conjunto de cinco artigos científicos com grande impacto sobre as políticas globais.
“Fico muito orgulhoso pelo prêmio, que é o maior prêmio científico do Brasil. É uma enorme honra ter meu trabalho reconhecido. Eu trabalho há mais de 40 anos na área de saúde da criança e foi importante o reconhecimento do CNPq para área de saúde coletiva. Isso reconhece, também, a pujança da comunidade científica brasileira em saúde coletiva”, ressaltou Victora.
A ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, enfatizou a relevância da escolha como um reconhecimento da inestimável contribuição que a pesquisa científica pode oferecer para o desenvolvimento social de um povo. “O trabalho que desenvolveu nas áreas de aleitamento materno e prevenção foi decisivo para a implementação de políticas voltadas à nutrição e à redução da mortalidade infantil. No momento em que o Brasil retoma os esforços para garantir a segurança alimentar da população vulnerável, o reconhecimento à trajetória do pesquisador Cesar Gomes Victoria é motivo de grande satisfação para todos nós que acreditamos no papel da ciência na busca de soluções para os desafios do país”, pontuou a Ministra.
Com o estudo de 6,000 crianças pelotenses, acompanhadas desde o seu nascimento em 1982 até os 30 anos de vida, contribuiu para estabelecer o papel crítico da nutrição durante os primeiros mil dias (entre a concepção e o segundo aniversário) para a saúde e o capital humano na vida adulta. Mais recentemente, evidências das coortes de Pelotas mais uma vez chamaram a atenção da comunidade científica internacional ao mostrar os benefícios do aleitamento materno prolongado na infância sobre os níveis de inteligência, escolaridade e renda na vida adulta.
Com mais de 700 publicações científicas e de 26 mil citações na Web of Science , Victora é um dos líderes do Centro Internacional de Equidade em Saúde , onde atua no estudo das desigualdades em saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil em países de baixa e média renda. Sua equipe de pesquisa analisa dados de mais de 110 países para avaliar a equidade na cobertura de intervenções de saúde comprovadamente eficazes para prevenir a mortalidade de mães, crianças e recém-nascidos. O trabalho se insere na agenda do consórcio internacional, liderado pela OMS, para atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas, até 2030.
“O nome de Cesar Victora é, sem dúvida, uma escolha muito acertada do Conselho Deliberativo do CNPq, não só pela excelência da sua pesquisa, mas pelo que representa a temática dos seus estudos. Saúde coletiva, em particular voltada para a saúde da criança, é um tema urgente para o país. E a forma mais eficaz de encontrar as melhores soluções e desenvolver as melhores práticas para um problema é abordá-lo a partir do conhecimento gerado por pesquisas científicas. Assim, Victora tem dado contribuições imprescindíveis para o desenvolvimento social do país”, concluiu o presidente do CNPq, Ricardo Galvão.
Trajetória
Admitido como professor pela UFPel em 1977 após graduar-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ocupa posições honorárias também nas universidades de Harvard, Oxford, Johns Hopkins e na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Natural de São Gabriel (RS), especializou-se em Saúde Comunitária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante a residência médica junto a comunidades mais pobres da capital gaúcha, optou por dedicar-se à epidemiologia. Em 1983, obtém o título de PhD em Epidemiologia da Assistência Médica pela Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres.
Em 1991, foi cofundador do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPEL, em uma época em que a epidemiologia era incipiente no país, tendo levado o programa a se tornar o mais bem classificado no sistema de avaliação da Capes entre mais de 80 programas na área de saúde coletiva brasileira.
O trabalho de Victora é baseado em Pelotas, onde ele mora com sua esposa Mariângela Silveira, epidemiologista e obstetra. Ele optou por nunca deixar seu país de origem, apesar de ostensivos convites para trabalhar em outros lugares.
Recebeu o Prêmio Conrado Wessel de Medicina em 2005 e o Prêmio Scopus/CAPES por produtividade científica em 2006, sendo eleito neste ano para a Academia Brasileira de Ciências e indicado para a Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde. Em 2008 recebeu o Prêmio Abraham Horwitz para Liderança em Saúde Interamericana, da OPAS, havendo também sido agraciado com o grau de Comendador das Ordens Nacionais do Mérito Científico (2008) e da Ordem Nacional do Mérito Médico (2010). Em 2011, recebeu o Prêmio Global de Pesquisa Pediátrica em Denver (USA). Em 2013, recebeu o Wellcome Trust Senior Investigator Award, com financiamento de oito anos para criar um Observatório Global de Desigualdades em Saúde Materno-Infantil. Foi presidente da Associação Epidemiológica Internacional (período de 2011-14). Foi agraciado com o Canada Gairdner Global Health Award em 2017 e admitido para UNESCO-The World Academy of Sciences em 2018. Anualmente entre 2018 e 2022 tem sido incluído no Clarivate/Web of Science Highly-Cited Researchers List, e em 2021 recebeu o Richard Doll Award, maior distinção da Associação Internacional de Epidemiologia, o qual é concedido a cada três anos. A partir de 2022, atua como membro do Conselho Científico da Organização Mundial da Saúde.
O Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia leva o nome do fundador e primeiro presidente do CNPq e foi instituído em 1981. É atribuído ao pesquisador que tenha se destacado pela realização de obra científica ou tecnológica de reconhecido valor para o progresso da sua área.
O vencedor recebe medalha e diploma e R$ 200 mil em espécie, oferecidos pelo CNPq e MCTI, além de uma visita ao Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (ICT) e uma viagem à Antártica, a critério do agraciado, oferecidas pela Marinha do Brasil.
A premiação acontecerá no dia 10 de maio, durante cerimônia Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências, na Escola Naval do Rio de Janeiro, quando também serão entregues os títulos de Pesquisador Emérito e a Menção Especial de Agradecimentos do CNPq, anunciados no final de março .
CONFIRA ENTREVISTA COM O PREMIADO, O PROF. CESAR VICTORA
Como está o Brasil na pesquisa em saúde coletiva
É uma área muito pujante. Se você pegar os pesquisadores brasileiros mais citados no mundo, boa parte é da saúde coletiva, ou saúde pública ou epidemiologia, que são a mesma coisa, é o estudo não individual, mas nas populações. Durante a pandemia de COVID, nossa área teve uma visibilidade muito grande. Foram feitos inúmeros estudos no Brasil, ainda que nem tudo tenha resultado em política. Mas pelo menos foi uma resposta muito rápida. Mas é uma área crítica porque o Brasil ainda tem muitos problemas de saúde, temos ainda doenças antigas que não vão embora como a malária, a sífilis e, ao mesmo tempo, nós temos doenças modernas, entre aspas, que é o câncer, as doenças cardiovasculares e a doença mental. Então é uma área que precisa de muito investimento porque a saúde coletiva consegue a trabalhar na prevenção das doenças e a gente tenta prevenir através do conhecimento científico.
Nessa área, quais estudos podem ser destacados tendo o Brasil como referência mundial
Eu vou dar dois exemplos. O primeiro é que nós somos muito avançados no estudo de desigualdade sociais e ético raciais em saúde. Até porque nós temos muita desigualdade. Mas temos a tradição da medicina social, como chamada antigamente. Hoje a gente chama de saúde coletiva, porque quando falamos de saúde não é só medicina. Então é uma tradição do Brasil de décadas e décadas em ter essa preocupação com as desigualdades e como é que elas podem ser superadas. E para isso temos pesquisas rigorosas reconhecidas no mundo. Destaco, também, as pesquisas quantitativas e qualitativas, tanto no aspecto da epidemiologia que trabalha com números, que é o meu caso, e das ciências sociais para a saúde, que tentam entender os mecanismos que levam essas desigualdades sociais e raciais a afetar a saúde da população brasileira. Outro exemplo [de destaque] é que nós temos muitos estudos de coortes, nos quais as pessoas são acompanhadas por muitos anos da sua vida. No meu caso, eu trabalho com um coorte de nascimento que começa a acompanhar ainda na gestação, passa pelo nascimento e acompanha até a vida adulta. A maior coorte que eu tenho tem 40 anos de duração. Também tem coortes de adultos que são bastante importantes. Então é uma tradição brasileira muito boa nessa nesse tipo de pesquisa.
Para o senhor, qual o grande desafio da ciência hoje?
Eu acho o grande desafio - e não é só na minha área – é recompor o financiamento à ciência e trazer de volta para o Brasil os milhares de jovens brasileiros pesquisadores com ótima formação que acabaram saindo para outros países em busca de oportunidades. Os últimos 6 anos foram muito difíceis, muita gente foi embora. Só no meu grupo, perdemos mais de 10 pessoas nos últimos anos.
E o senhor está esperançoso?
Estou esperançoso que com um novo governo a gente tenha condições de retomar o que estava acontecendo antes, até 10 anos atrás, quando Brasil vinha bem na ciência e na tecnologia.
Com informações da Assessoria de Imprensa Epidemiologia UFPel
Crédito das fotos: Daniela Xu