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Sensor não invasivo comprova relação entre hipertensão arterial e aumento da pressão intracraniana
De uma tacada só, pesquisadores conseguiram mostrar a relação existente entre hipertensão arterial e aumento da pressão intracraniana, validaram um método de pesquisa não invasivo para o monitoramento do encéfalo e um tratamento para pressão arterial que também tem efeito para a hipertensão intracraniana.
O estudo, publicado na revista Hypertension, monitorou durante seis semanas a evolução da pressão arterial em ratos. A pesquisa, realizada por equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em parceria com a startup Brain4care, contou com bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e apoio da FAPESP. O estudo pode resultar em novos tratamentos para hipertensão intracraniana e complicações decorrentes, entre elas o acidente vascular cerebral.
“Queríamos responder à pergunta de como a hipertensão intracraniana evolui durante o período em que o animal está ficando hipertenso. De maneira inédita, conseguimos monitorar essa evolução por um método não invasivo e acompanhamos as alterações morfológicas da curva da pressão intracraniana [PIC]. Nosso estudo sugere que a hipertensão intracraniana pode ser prevenida por meio do diagnóstico precoce e do tratamento com o medicamento Losartana, amplamente utilizado para hipertensão. O fármaco bloqueia as ações da angiotensina 2 [peptídeo que participa do controle pressórico], algo que provamos ser importante também para a pressão intracraniana”, conta Eduardo Colombari, professor da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), bolsista de Produtividade do CNPq e coordenador do estudo.
O aumento da pressão intracraniana ocorre geralmente em decorrência de problemas como tumores, encefalite, meningite ou trombose. No entanto, os pesquisadores demonstraram que a hipertensão crônica pode trazer consequências também para a pressão no encéfalo, prejudicando a complacência cerebral.
No estudo, os pesquisadores utilizaram clipes para simular a obstrução da artéria renal de ratos, diminuindo assim o fluxo sanguíneo para um dos rins do animal. A redução da irrigação fez com que o rim disparasse um conjunto de peptídeos, enzimas e receptores (todos ligados ao sistema renina-angiotensina, que controla a pressão), causando vasoconstrição e aumento da pressão arterial em todo o organismo. Já na terceira semana de monitoramento, quando o animal já era considerado hipertenso, a pressão arterial aumentou ainda mais, ocasionando retenção de líquidos e, sobretudo, aumento do fluxo de sangue para o encéfalo.
“Se a hipertensão não for tratada, a doença pode se tornar ainda mais grave. Com o aumento da pressão intracraniana causado pela hipertensão sistêmica, ocorre a perda da capacidade do encéfalo em estabilizar a pressão [autorregulação cerebral]. Isso pode acarretar ainda a ruptura da barreira hematoencefálica, protetora do encéfalo. No estudo, mostramos que a barreira hematoencefálica dos ratos já está comprometida na terceira semana. Quando ela se rompe, substâncias e produtos do sistema renina-angiotensina bem como substâncias pró-inflamatórias, presentes nos vasos sanguíneos, podem ir para o espaço intersticial, onde estão presentes os neurônios, principalmente nas regiões importantes para o ajuste neuro-humoral integrativo, como sistemas cardiovascular, respiratório, renal, entre outros”, afirma Colombari.
Tratando a pressão intracraniana
As rupturas na barreira hematoencefálica fragilizam áreas do sistema nervoso importantes para o controle da pressão cardiovascular como um todo. “Como a hipertensão intracraniana é tratada hoje? Por coma induzido ou com diurético para resolver a retenção de líquido principalmente no encéfalo, envolvido pela caixa craniana. São métodos pouco específicos e muito sistêmicos. Com a maior compreensão sobre a relação entre hipertensão arterial e hipertensão intracraniana, abre-se a possibilidade de um novo campo de estudo na farmacologia”, avalia Gustavo Frigieri, diretor científico da Brain4care, startup que desenvolveu o sensor não invasivo.
Parte do estudo envolveu a comparação entre as medições de PIC realizadas pelo sensor não invasivo e as feitas com o método invasivo. O dispositivo do tipo vestível, desenvolvido pela Brain4care, tem sido utilizado para medir a pressão intracraniana de pacientes com comprometimentos sistêmicos, já possuindo autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Food and Drug Administration (FDA, dos Estados Unidos).
Dessa forma, o trabalho marca uma nova fase da empresa, que se volta também para o campo da pesquisa fundamental. “Ao comparar os resultados do estudo realizado com o método invasivo e o não invasivo, validamos nossa tecnologia para uso em pesquisas científicas com pequenos animais. Com isso, será possível preencher algumas lacunas que antes estavam em aberto devido à agressividade do método convencional. Com ele, era preciso furar o crânio e incluir um sensor dentro do encéfalo, o que também gera um grande risco de infecção”, explica.
Fluxo sanguíneo e hormônios
No final do estudo, os pesquisadores trataram os animais com um medicamento antagonista dos receptores tipo 1 da angiotensina (Losartana) e, com isso, além de baixar a pressão arterial dos animais houve também a redução da pressão intracraniana. “Não se trata de uma relação de causa e consequência, pois quando baixamos a pressão arterial dos animais com um vasodilatador [Hidralazina] não houve redução da pressão intracraniana. Foi observado um comprometimento muito grande no encéfalo e o inibidor de angiotensina [Losartana] melhora não só a pressão sanguínea, como também a perfusão sanguínea cerebral”, diz Colombari.
Na sexta semana do experimento, antes de receberem o tratamento medicamentoso, a pressão arterial dos animais estava alta (190 por 100 mmHg) e a pressão intracraniana também tinha aumentado significativamente. Os pesquisadores descobriram que nesse estágio ocorrem alterações inclusive nas ondas de pulso da pressão intracraniana. A cada batimento cardíaco (sístole/diástole), ocorre o bombeamento do sangue para o encéfalo, originando o primeiro pico dessa onda (P1). Em sequência, ocorre uma segunda onda (P2), que está diretamente correlacionado ao volume arterial intracraniano e complacência cerebral, fatores importantes observados imediatamente antes da diástole ventricular.
Os pesquisadores explicam que a segunda onda está relacionada com a complacência do tecido cerebral e a capacidade elástica das artérias, dentro do crânio, de absorver a energia daquela primeira onda. No entanto, como há o rompimento da barreira hematoencefálica e perda da complacência cerebral, torna-se mais difícil controlar a P2 e ela acaba se tornando maior do que a P1.
“Nesse estágio, notamos a P2 maior do que a P1, ou seja, exatamente o contrário de uma situação normal. Isso acontece porque o cérebro começa a perder a proteção da barreira hematoencefálica e se expande, extravasando líquido para o interstício”, relata.
Entre os 10 pesquisadores, além de Eduardo Colombari, três são bolsistas do CNPq, Gabriela Maria Lucera, José Vanderlei Menani e Débora Simões Almeida Colombari.
Fonte: Agência FAPESP