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Professor de Ciências Matemáticas e de Computação da USP comenta o papel de redes sociais na propagação de epidemias
Consideradas sistemas complexos, por serem formadas por partes interconectadas que interagem entre si, as redes sociais apresentam padrões não triviais em sua organização, que influenciam seu comportamento e evolução. Para os pesquisadores, um dos grandes desafios nesse campo é o de entender como a estrutura de uma rede influencia processos dinâmicos, como a propagação de epidemias. Foi para compreender um pouco mais dessas redes que o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Aparecido Rodrigues, realizou o estudo Propagação de Informação em Redes Complexas. O professor utilizou técnicas de aprendizado de máquina para predizer a evolução de uma epidemia simulada em redes complexas e identificar os principais propagadores. A pesquisa mostrou que a velocidade com que um rumor relacionado a uma epidemia é propagado influencia o número de infectados.
Nesta entrevista, o professor explica como a estrutura da sociedade afeta a propagação de uma epidemia e como medidas como a quarentena, por que passamos na pandemia do novo coronavírus, podem alterar a disseminação da doença. O professor reflete, ainda, sobre os obstáculos impostos pelo alastramento de fake news à publicidade de informações verídicas. Embora simulações computacionais tenham mostrado que quando rumores sobre uma epidemia são transmitidos para conscientizar o público há uma diminuição no número de casos da doença, conforme o esperado, é difícil evitar a circulação de ruídos falsos, capazes de atrapalhar a tomada de medidas necessárias para evitar o alastramento da epidemia. Uma das alternativas possíveis é a de mudar a estrutura da rede, isolando os propagadores de notícias falsas. Nesse caso, porém, teríamos de contar com a contribuição dos agentes que controlam as redes sociai, como o Facebook e o Twitter.
CNPq - Como a estrutura de uma rede influencia a propagação de epidemias?
Francisco Rodrigues - A estrutura de nossa sociedade tem uma importância fundamental na propagação. Se uma pessoa possui muitos contatos sociais e se ela estiver infectada, ela pode ser uma grande disseminadora de uma doença. Além disso, quando adotamos as medidas de precaução, no caso do coronavírus, estamos alterando a estrutura da rede social. Ou seja, quando mantemos um distanciamento maior do que 1,5 m ou mesmo permanecemos em quarentena, estamos mudando os contatos e diminuindo as rotas por onde um vírus pode se propagar. Podemos imaginar que os contatos sociais são como rodovias por onde circulam os agentes infecciosos. Logo, alterar a estrutura de ligação entre as rodovias altera o fluxo desses agentes e, com isso, podemos controlar uma epidemia. Essa ideia foi muito usada durante a epidemia do novo coronavírus e permitiu que muitas vidas fossem poupadas.
CNPq - Dá para controlar o processo de divulgação de informações que não ajudam o combate a epidemias? Se sim, como?
Francisco Rodrigues - Esse é um dos grandes desafios atuais. Com as redes sociais, as notícias se propagam de forma muito rápida. No entanto, assim como informações úteis ajudam a controlar as epidemias, informações falsas atrapalham. Para controlar a propagação de epidemias, deveríamos ter agentes que propagassem informações de modo a conter a divulgação de fake news. Por exemplo, simulações computacionais mostram que se tivermos propagadores influentes interessados em combater as notícias falsas, esses propagadores podem propagar outras notícias que as combatam. Isso seria parecido com o caso que temos dois vírus que competem entre si dentro de um organismo. Ou seja, a melhor forma de combater rumores falsos é com rumores verdadeiros que tentem aniquilar a propagação de tais notícias falsas. Outra maneira seria isolar os propagadores de notícias falas, mas aí seria necessário que os agentes que controlam as redes, como Facebook e Twitter, fizessem a identificação de tais propagadores e sua posterior remoção. Nesse caso, estaríamos mudando a estrutura da rede, de modo que informações falsas deixem de ser propagadas
CNPq - O senhor pode explicar melhor como a velocidade com que um rumor é propagado afeta o número de infectados? Afeta esse número para mais?
Francisco Rodrigues - Em um trabalho recente, analisamos a influência de rumores na propagação de epidemias. Através de simulações computacionais, mostramos que quando rumores sobre uma epidemia são transmitidos, de modo a conscientizar as pessoas, há uma diminuição no número de casos, conforme o esperado. De fato, vimos recentemente que quando as pessoas sabem sobre a epidemias e usam máscaras e álcool em gel, elas diminuem as chances de serem infectadas. No entanto, mostramos também que o resultado pode ser diferente se o rumor é propagado muito rapidamente e se as pessoas infectadas não informam que estão infectadas. Nesse caso, há uma inundação de informação sobre a doença, mas as pessoas não observam os infectados, levando a uma desinformação e posterior aumento de casos. Isso ocorre muito em doenças sexualmente transmissíveis, quando pessoas infectadas podem não informar que estão infectadas e, ao mesmo tempo, as pessoas não observam muitos casos de doenças. Essa é uma possível explicação do aumento de casos de doenças sexualmente transmissíveis em muitos países, como nos Estados Unidos. Portanto, devemos ter cuidado com a transmissão de informações sobre uma doença. Dependendo da velocidade de propagação do rumor sobre a epidemia, pode haver um aumento de casos se os infectados são assintomáticos e não informam que estão infectados.
CNPq – Em seu relatório enviado ao CNPq o senhor menciona um sistema de duas camadas. Pode explicar de forma simplificada a propagação de epidemias em um sistema desses?
Francisco Rodrigues - Estamos todos conectados por redes. Quando falamos em camadas, temos redes conectadas. Por exemplo, um indivíduo pode ter uma conta no Twitter e outra no Instragam. Essa pessoa pode receber uma informação no Instragam e então propagar para o Twitter, e vice versa. Portanto, temos duas redes sociais conectadas. Essa conexão entre as redes influencia fundamentalmente a propagação de rumores na internet. No caso das epidemias, nossa sociedade também é formada por redes interconectadas. Temos os contados do trabalho, os familiares e os amigos. Portanto, temos diferentes tipos de contatos e esses contatos definem as camadas. Entender como essas camadas estão interligadas é fundamental para entendermos a propagação de epidemias e rumores.
CNPq - Por que para o controle efetivo de propagação da doença devemos considerar também a velocidade de propagação do rumor?
Isso ocorre porque um rumor pode influenciar positivamente, ou seja, ajudando as pessoas a se protegerem de uma doença. Mas ao mesmo tempo, o rumor pode banalizar a presença da doença, fazendo com que as pessoas não se protejam. Por isso, é importante considerar que rumores sobre uma epidemia devem ser propagador na hora certa e com velocidade correta, de forma que não gere uma inundação de informação e faça com que as pessoas achem que é um alarme falso.
CNPq – No relatório final de sua pesquisa está escrito que, no caso de propagação de epidemias, é fundamental identificar quais nós influenciam a propagação de doenças e rumores. Como isso é possível?
Francisco Rodrigues - A identificação dos principais propagadores é fundamental para controlarmos uma epidemia. No caso do coronavírus, estudos mostraram que algumas pessoas podem infectar centenas ou mesmo milhares de indivíduos. A identificação de tais pessoas é fundamental para controlarmos epidemias, já que a sua vacinação permitiria uma redução drástica no número de casos. De fato, uma maneira de controlarmos a propagação de epidemias é através do monitoramento de redes contatos, ou seja, a rede que usamos em nosso dia para interagir com nossos parentes e amigos. Monitorando essa rede, seríamos capazes de saber quem são os principais propagadores e assim vaciná-los rapidamente para que estes bloqueiem as rotas por onde os vírus são propagados. Em diversos trabalhos, mostramos que a identificação de tais propagadores pode ser feita mapeando-se a estrutura de contatos entre os indivíduos. Por exemplo, se tivermos um aplicativo de celular que coleta as interações entre as pessoas, poderemos determinar os principais propagadores e assim vaciná-los. A mesma ideia pode ser aplicada em redes sociais, na propagação de fake news. A identificação de tais indivíduos poderia auxiliar-nos a combater a falta de informação e informações falsas, que hoje são propagadas tão facilmente. De fato, essa propagação facilitada é por causa dos propagadores mais influentes.
CNPq - O senhor pode comentar como esclarecimentos com informações checadas e fake news propagadas por redes sociais afetam os usuários, no caso da pandemia de coronavírus?
Francisco Rodrigues - Durante essa pandemia, ficou bastante claro como a desinformação e notícias falsas podem interferir no controle de epidemias e aumentar o número de casos e mortes. Infelizmente, não estávamos preparados para combater as notícias falsas e por isso essa propagação foi feita de forma tão descontrolada, principalmente usando-se propagadores influentes. Com as pesquisas que estamos desenvolvendo, assim como de diversos outros grupos no Brasil e exterior, esperamos desenvolver estratégias para o controle da propagação de informações falsas. Essa pesquisa é fundamental para que possamos evitar novas ondas de desinformação e assim motivar as pessoas a agirem em conjunto, de forma que todos possam se proteger seguindo as políticas aceitas pela Ciência.