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Pesquisadores brasileiros criam Observatório de Vacinas para fornecer subsídios a políticas públicas de imunização infantil no Brasil
A vacinação no Brasil ganhou um ritmo mais intenso com a criação do Programa Nacional de Imunizações – PNI , do Ministério da Saúde, em 1973. A fundação do PNI, quase 170 anos após a chegada da vacina da varíola no país, em 1804, acelerou as medidas de saúde pública na área, que até aquele momento aconteciam de forma espaçada. A partir de então, vários avanços aconteceram, com a introdução de novos imunizantes e organização de campanhas, até que, em 2004, foram instituídos os calendários básicos de vacinação para, respectivamente, crianças, adolescentes, adultos e idosos. O Brasil se tornou referência mundial de vacinação e conseguiu erradicar várias doenças. Em 2006, por exemplo, o pais alcançou o objetivo de eliminar o tétano neonatal como problema de Saúde Pública, conforme os critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). (ver Box ao final)
Embora o avanço científico-tecnológico na área da Saúde tenha demonstrado o êxito da vacinação na redução de morbidade e de mortalidade no mundo, ainda se registra, em diferentes graus, um aumento da desconfiança do público nas vacinas, o que gera uma queda na cobertura vacinal. Essa diminuição pode trazer de volta, como consequência, doenças imunopreveníveis por vacinas como o sarampo.
No âmbito dessa questão da vacinação, projeto de pesquisadores brasileiros apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Bill e Melinda Gates , contemplado no âmbito da Chamada Grand Challenges Explorations Brasil – Ciência de Dados, resultou na construção de plataforma interativa que permite a difusão e a divulgação da cobertura de vacinas recomendadas para crianças menores de dois anos nos 5.570 municípios brasileiros. A plataforma, denominada Observatório das Vacinas identifica regiões de alta e de baixa coberturas vacinais no Brasil, fornecendo a análise espacial e os fatores de risco associados à baixa homogeneidade da cobertura vacinal no país, que tem diminuído desde 2015. O objetivo do Observatório das Vacinas é o de fornecer subsídios para apoiar políticas públicas, dando suporte ao PNI/MS e apontando inconsistências do SI-PNI (Sistema de Informação do PNI). O Observatório das Vacinas também pode ser utilizado por pais, gestores, acadêmicos e stakeholders interessados na vacinação.
Além de identificar as áreas de baixa e de alta coberturas vacinais, metodologia ainda pouco abordada nos estudos de vacinação, a plataforma possibilita a identificação dos fatores de risco associados à baixa homogeneidade intramunicipal de cobertura vacinal no país. Esses conhecimentos são inéditos e de grande relevância para o apoio a políticas públicas do PNI/MS. Para construir o Observatório das Vacinas, os pesquisadores montaram um banco de dados alimentado com informações sobre as taxas da cobertura vacinal de cada vacina do calendário básico de rotina de crianças de até dois anos de idade dos 5.570 municípios brasileiros e com indicadores socioeconômicos e de saúde a partir de 2016. Sobre esses dados, eles elaboraram mapas de vulnerabilidade e realizaram a análise espacial das informações, para identificar os fatores relacionados de forma direta com a cobertura vacinal. Para os locais identificados com pior e com melhor cobertura vacinal, começaram a realizar inquérito domiciliar, utilizando-se uma amostra probabilística, baseada na taxa de cobertura vacinal e na população local. As pesquisas domiciliares também serviram para mostrar as razões da hesitação vacinal e também o impacto da pandemia de COVID-19 na vacinação de crianças. O projeto foi coordenado pela professora Carolina Luísa Alves Barbieri , docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Também participaram da equipe do projeto os professores da UNISANTOS Lourdes Conceição Martins , Ysabely de Aguiar Pontes Pamplona e Jhonnes Alberto Vaz ; o professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Luiz Eduardo Moschini ; e o professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Ricardo Alves de Olinda . A pesquisa também envolveu uma aluna de pós-doutorado, oito estudantes de mestrado e três de Iniciação Científica.
Segundo a professora Carolina Barbieri, a ideia é que os pesquisadores abasteçam as informações do Observatório das Vacinas de forma anual, assim que tiverem os dados fechados do ano anterior ao das informações a serem incluídas. Para o cálculo das doses administradas em crianças com um ano, por exemplo, é preciso utilizar os dados dos nascidos vivos e dos óbitos infantis do ano anterior. Como os pesquisadores começaram o Observatório das Vacinas com a cobertura vacinal de 2016, eles precisaram dos dados de nascidos vivos do ano de 2015. No momento, os pesquisadores estão fechando as informações da cobertura vacinal de 2019 para incluí-las na plataforma. “A gente acredita que é um meio seguro, baseado em ciência, em evidências, para divulgar conhecimento sobre vacina em um momento tão delicado que a gente está vivendo, de negacionismo e de descrença da vacina em alguns setores da sociedade”, salienta a professora.
Ainda de acordo com a professora, embora existissem dados do PNI/MS no DATASUS (Departamento de Informática do SUS) disponíveis para profissionais de saúde e para quem tivesse interesse em taxa vacinal, cobertura e taxa de abandono, não existia uma plataforma ou outro formato que desse visibilidade à cobertura vacinal para todas as vacinas infantis por municípios de forma mais acessível e que permitisse a comparação das taxas entre as municipalidades ou das taxas do mesmo município, em diferentes anos de cobertura ou de vacinas distintas. A professora ressalta a importância desse trabalho para a área da saúde pública infantil, porque o Observatório das Vacinas permite que diferentes profissionais, acadêmicos, interessados na vacina e gestores públicos de diferentes esferas tenham contato com os dados levantados e, a partir daí, possam compreender sua realidade e tomar as medidas cabíveis. A professora Carolina Barbieri frisa a importância dos dados levantados, em especial no momento, quando se registra uma baixa na cobertura vacinal. “Isso agora está sendo discutido, a importância da vacina para COVID. Mas a gente está vivendo em paralelo uma queda tão importante da cobertura vacinal de rotina e 2020 teve um impacto muito grande, com a pandemia”, diz ela. A professora completa o pensamento, observando que a identificação de áreas de maior vulnerabilidade para a cobertura vacinal e investimentos dirigidos para essas áreas são medidas para se enfrentar a baixa cobertura vacinal, a fim de evitar a volta de doenças preveníveis por vacina.
Os resultados reunidos na plataforma Observatório das Vacinas foram divulgados em eventos internacionais da área de Saúde a partir de outubro de 2020. Em 1 de dezembro de 2020, os pesquisadores envolvidos no projeto entregaram dois relatórios técnicos e apresentaram as principais descobertas em reunião com a equipe técnica do PNI/MS e com representantes da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). Uma das informações constantes nos documentos é a verificação de que, no ano de 2016, a média da cobertura vacinal das vacinas recomendadas para crianças menores de dois anos de idade nos municípios brasileiros estava acima da meta preconizada para as vacinas em crianças menores de um ano. A exceção foi a vacina para a BCG, que protege as crianças contra a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar e é administrada prioritariamente na maternidade. A grande proporção de municípios com cobertura vacinal zero para a BCG puxou a média para baixo. Enquanto vacinas como a da Poliomielite, a Meningocócica C e a Pneumocócica tiveram média de cobertura acima de 100%, a média de aplicação de vacinas recomendadas para crianças de um ano de idade caiu, em comparação à média de vacinas em menores de um ano.
Os dados já compilados pelos pesquisadores também indicaram grande variabilidade da cobertura vacinal nos municípios brasileiros, quando divididos por região geográfica. Somente as informações da cobertura vacinal recomendada para crianças menores de dois anos mostrou que, em 2016, quando o projeto do Observatório das Vacinas começou, as regiões Norte e Nordeste apresentaram menor cobertura em relação às regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A região Nordeste apresentou os menores índices de vacinação da BCG e da vacina para varicela. No tocante a essas vacinas, respectivamente, as regiões Sul e Centro-Oeste registraram melhores taxas na aplicação da BCG e a região Sul se destacou na aplicação do medicamento contra varicela. No caso das vacinas contra Hepatite B, difteria, tétano, coqueluche, poliomielite e rotavírus, a região Sudeste apresentou melhores taxas de vacinação, seguida pelas regiões Sul e Centro-Oeste, ao passo em que a região Norte mostrou os piores índices de vacinação. No que se refere às vacinas pneumocócica, meningocócica C e para Hepatite A, Sudeste e Centro-Oeste permaneceram em alta. Em contrapartida, Norte e Nordeste foram as regiões que registraram os piores índices de cobertura vacinal. A aplicação da primeira dose para a vacina tríplice, para sarampo, caxumba e rubéola, registrou maior alta na região Sudeste e baixa no Centro-Oeste. A segunda dose teve vacinação melhor no Sul e no Centro-Oeste e baixo índice no Nordeste.
Os pesquisadores também estudaram a homogeneidade da cobertura vacinal (HCV) intramunicipal, para identificar os municípios que atingiram as metas preconizadas pelo PNI/MS, para as vacinas estudadas. A pesquisa indicou que, no ano de 2016, a média de HCV intramunicipal foi de 52,94%, com variação de 0% (com 1.138 municípios) a 100% (com 729 municípios). Alguns dos fatores que influenciam nesses números derivam da cobertura de atenção básica, da porcentagem de mulheres como chefe de família, do percentual de nascidos vivos de mães que realizaram sete ou mais consultas de pré-natal, da porcentagem de domicílios com água e esgoto sanitário. Quanto maior o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), melhor se mostrou a homogeneidade da cobertura vacinal. Municípios com cobertura de atenção básica abaixo de 91,96% tem quase duas vezes mais chance de possuir homogeneidade vacinal inadequada. Os pesquisadores observaram também que, quanto maior a porcentagem de mulheres constantes como chefe de família, maior o risco de homogeneidade de cobertura vacinal inadequada. Resultado semelhante vale para domicílios com água e esgoto sanitários inadequados. O fato de a mãe ter realizado sete ou mais consultas de pré-natal, por sua vez, auxilia a adequada homogeneidade da cobertura vacinal.
No relatório final do projeto enviado ao CNPq, os pesquisadores também analisaram se a pandemia de COVID-19 alterou a vacinação dos filhos das pessoas entrevistadas nos inquéritos domiciliares realizados para o projeto. Os resultados das entrevistas realizadas na Baixada Santista (SP), constantes no relatório, indicaram que 73% afirmaram que a pandemia não mudou a vacinação dos filhos; 25,5% dos entrevistados disseram que o surto de COVID-19 alterou a vacinação dos filhos e 1,4% declararam não saber se a pandemia havia alterado a vacinação. Essa etapa da pesquisa foi interrompida devido à pandemia, portanto esses resultados são parciais, porque não há dados de outras regiões brasileiras. A professora Carolina Barbieri afirma, porém, que os pesquisadores acreditam na ocorrência de piora significativa da cobertura vacinal em 2020, devido ao impacto da pandemia e pelas questões do desconhecimento e do aceite da vacina.
Mudanças recentes na aceitação de vacinas no Brasil
A vacinação infantil é uma medida preventiva de saúde que tem grande impacto na redução da mortalidade de crianças, com elevada relação de custo-efetividade na prevenção de doenças. Além de gerar proteção no âmbito individual, a vacinação também protege o coletivo ao exercer função conhecida como imunidade do rebanho. Diante de elevadas coberturas vacinais, a vacinação permite que um agente infeccioso deixe de circular no ambiente, protegendo, assim, indivíduos não vacinados ou com contraindicação de algumas vacinas, como gestantes e pessoas com imunodeficiências. Apesar de o Brasil ter desde 1973 o PNI/MS, considerado um programa exitoso reconhecido nacional e internacionalmente, a dimensão continental do país, sua heterogeneidade socioeconômica e cultural e transformações sociais mais amplas, como o advento da internet, são reveladores de desafios no âmbito da vacinação infantil. Entre essas dificuldades os pesquisadores envolvidos no projeto do Observatório das Vacinas citam desde a evidência de aumento de grupos com diferentes graus de hesitação à vacinação, que abrangem do questionamento à recusa, a questões relacionadas ao fornecimento de vacinas ou acesso a elas.
No Brasil, a partir da segunda metade do século XX a vacinação se intensificou e se difundiu por meio de campanhas específicas, como a da erradicação da varíola, realizada entre 1967 e 1980. No presente, o PNI/MS fornece de forma gratuita à população de crianças e adolescentes brasileiros imunização contra 18 doenças. Contudo, estudos epidemiológicos por inquérito domiciliar têm apontado diminuição na cobertura vacinal em anos recentes. Pesquisas em domicílios na cidade de São Paulo, desde os anos 2000, por exemplo, indicam que as crianças dos estratos A estão sendo menos vacinadas, em comparação às do estrato E. Essa tendência foi evidenciada em dez capitais, incluindo São Paulo, em estudo nacional realizado nas 27 capitais do país.
As baixas coberturas vacinais que, no passado, eram registradas entre as camadas mais pobres da população e explicadas pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde e pela falta de informação, na atualidade são notadas em camadas mais privilegiadas e escolarizadas de algumas regiões do país. Essa informação ressalta mudanças de aceitabilidade e de legitimidade da vacinação e da saúde pública por parte de alguns setores da sociedade. Os pesquisadores envolvidos o projeto do Observatório das Vacinas ressaltam, porém, que essa tendência não é unidirecional uma vez que, em locais como Salvador, Bahia, a menor cobertura vacinal infantil foi encontrada no estrato de menor nível socioeconômico.
Cobertura vacinal das vacinas recomendadas em crianças menores de 2 anos em 2016 por região do Brasil.
A Chamada Grand Challenges Explorations
A Grand Challenges Explorations, que financiou o projeto coordenado pela professora Carolina Barbieri, foi uma chamada conjunta, resultado de parceria firmada entre o CNPq, o Ministério da Saúde (MS), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) e a Fundação Bill & Melinda Gates (FBMG). A Chamada foi parte de iniciativa criada pela Fundação Gates em 2010, para a integração do conhecimento na área de nascimento, crescimento e desenvolvimento saudáveis. O principal objetivo era o de se utilizar as ferramentas de ciência de dados para o desenvolvimento de ferramentas que permitissem a compreensão dos fatores de risco que contribuem para desfechos inadequados em partos prematuros, crescimento infantil incerto e desenvolvimento neurocognitivo comprometido.
Por meio da Grand Challenges Explorations Brasil, os parceiros da Chamada compartilharam do objetivo de apostar e de investir na crescente experiência do Brasil em ciência de dados, epidemiologia e em saúde pública, para enfrentar os principais problemas em saúde materno-infantil de nosso tempo. O tema da edição da chamada foi “Ciência de dados para melhorar a saúde materno-infantil do Brasil”. A Chamada buscou propostas inovadoras que usassem ciência de dados e modelagens para entender os principais fatores que impactam a saúde materna e o desenvolvimento infantil no Brasil. A ideia era que os projetos financiados ajudassem os gestores a definir melhores políticas públicas e intervenções nessa área.
Para a professora Carolina Barbieri, a iniciativa da Chamada foi inovadora ao sugerir que os projetos contemplados fossem postos em prática de forma direta, propondo comunicação que possa subsidiar políticas públicas na área de saúde materno infantil. “O financiamento do CNPq, esse tipo de fomento para a pesquisa, ele é fundamental, porque esta Chamada, especificamente, do CNPq, do Ministério da Saúde, com a fundação Bill e Melinda Gates, traz um olhar muito ampliado de pesquisa”, afirma a professora.