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Pesquisadores anunciam novo fóssil de lagostim da Antártica
Pesquisadores do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens/URCA, do Museu Nacional/UFRJ, da Universidade do Contestado e da Universidade Federal do Espírito Santo apresentaram no dia 13 de agosto, um novo fóssil de lagostim encontrado na Ilha de James Ross, na Península Antártica, em expedição realizada pelo projeto PALEOANTAR, em 2016.
Tratam-se de dois espécimes que foram classificados no gênero Hoploparia em uma nova espécie, H. echinata.
"Apesar de não ter representantes atuais, os fósseis desse gênero de lagostim foram encontrados em camadas de diferentes partes do mundo, em um total de 67 espécies. Entretanto, no continente Antártico, eram conhecidas, até o momento, apenas três espécies, sendo esta uma nova, procedente da Ilha James Ross", explica o diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens/URCA, Allysson Pinheiro.
O material foi coletado na área denominada de Lachman Crags em janeiro de 2016, quando os pesquisadores participavam da OPERANTAR 34. As rochas onde foram encontrados os fósseis sugerem que o animal vivia em ambientes marinhos rasos, com fundo arenoso.
Os pesquisadores acreditam que o animal, semelhante a outros lagostins, deveria cavar tocas e ser um predador de emboscadas, por causa de sua pinça. Essas pinças, grandes e fortes, podiam ser usadas inclusive para capturar peixes. Além disso, a pinça espalmada e ampla, facilitava a escavação de sua toca. Estima-se que o animal viveu no Período Cretáceo, durante o Campaniano, há cerca de 75 milhões de anos.
"A descoberta dessa nova espécie de Hoploparia certamente não será a única do grupo. Em 2018, os pesquisadores estiveram por 50 dias no The Naze (parte da ilha James Ross), onde foram coletados dezenas de fósseis de lagostas e outros crustáceos que estão em estudo. Certamente, em breve, teremos mais novidades sobre esse grupo de animais que viveram na Antártica durante o período Cretáceo", explica o paleontólogo Alexander Kellner, bolsista do CNPq e diretor do Museu Nacional/UFRJ
A pesquisa que gerou a descoberta tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) desde 2013, por meio de duas chamadas do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR, a Chamada 21/2018 e a Chamada 64/2013.
Anatomia
O fóssil é classificado como Hoploparia echinata, do latim echinatus, que significa espinhoso, e se refere à característica espinhosa das pernas e terceiros maxilípedes. Essa feição espinhosa é uma das principais características de distinção para as demais espécies de Hoploparia. A atribuição ao gênero se dá especialmente pela ornamentação do cefalotórax (carapaça), que possui um padrão de sulcos, espinhos e carenas bem definidos.
"Possivelmente esse animal não vivia em grandes comunidades, até porque os lagostins são normalmente animais territorialistas. Eventualmente eles podem conviver, como na época da reprodução ou quando se alimentam de carcaças disponíveis no fundo do oceano. São interpretações ecológicas a partir do material coletado, das suas formas morfológicas e do ambiente onde o material foi encontrado", explica William Santana, pesquisador visitante da Universidade Regional do Cariri/URCA.
Descoberta
A Ilha James Ross, em um período entre 70 a 80 milhões de anos atrás - época do fóssil-, era muito diferente da que conhecemos hoje. Naquele momento, a área estava coberta por um mar raso (bacia de retro-arco, fruto da atividade tectônica), com uma grande variedade faunística (tubarões, amonites, corais, répteis, etc), e com uma temperatura mais elevada do que as registradas atualmente. A grande "quebra" do Gondwana, na porção sul do supercontinente Pangeia, já havia acontecido, mas a distribuição dos continentes e as correntes marinhas, ainda eram bem diferentes do que conhecemos atualmente.
Segundo o geólogo, Luiz Carlos Weinschutz, do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado, a Geologia somada ao conhecimento dos fósseis que estão inseridos nessas rochas, ajudam a "ler" os capítulos da história da Terra e da vida, permitindo compreender os acontecimentos daquela época, entender o que ocorre atualmente e prever questões futuras".
"Vale ressaltar que o conhecimento geológico da Antártida é muito recente, faz apenas 200 anos que o ser humano chegou ao continente, e apenas 40 anos que brasileiros fazem pesquisas por lá. Por ser recoberta por uma espessa camada de gelo permanente (98%), sendo comum as condições climáticas adversas, o acesso tem logística complicada e cara. Tudo isso dificulta o desenvolvimento de pesquisas em terras austrais, muito já se fez, mas ainda temos muito para fazer", destaca Weinschutz.
Processo
Assim que descoberto, o fóssil de lagosta foi para o Museu Nacional/UFRJ juntamente com 1,5 toneladas de fósseis que foram coletadas nessa expedição. Ao chegar ao Museu, o material foi triado e enviado aos pesquisadores parceiros que integram o projeto.
A preparação desse fóssil (retirada da rocha que recobria algumas partes do material) aconteceu no Laboratório de Paleontologia da URCA, outro grupo de parceiros do PALEOANTAR, sob a coordenação do Dr. Álamo Saraiva.
"Foi um trabalho difícil, pelo fato de tratar-se de um exemplar preservado em um calcarenito muito duro. Portanto, identificar as estruturas dobradas uma sobre as outras foi um trabalho de muita paciência", comenta o paleontólogo da Universidade Regional do Cariri, Álamo Saraiva.
"Reconstruir o Hoploparia foi um grande desafio artístico e científico, que exigiu o uso de várias técnicas, como desenho, pintura e escultura, além da observação cuidadosa do fóssil", comenta Maurílio Oliveira, responsável pela paleoarte do fóssil.
Antártica
A Antártica é considerada como última fronteira do conhecimento científico, o que tem gerado um movimento crescente de visitas técnicas por parte de pesquisadores do mundo todo. E apesar do enorme potencial para pesquisas em diferentes áreas da ciência, a dificuldade de acesso ao continente gelado segue como um grande desafio. Dentre essas atividades está o estudo dos fósseis, das adaptações sofridas por esses organismos e das relações de parentesco entre as diferentes espécies que habitaram o planeta.
"Muitas pessoas acreditam que fazemos escavações no gelo ou na neve, mas não é o caso. Os fósseis estão preservados nas rochas, e para encontrá-los não pode haver neve na superfície. Por isso, as expedições só podem ocorrer durante os verões, em uma curta janela de tempo", explica a paleontóloga e bolsista do CNPq, Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo.
"A ilha de James Ross tem um dos acervos fossilíferos mais ricos da Antártica. A descoberta de uma nova espécie de lagostim confirma esse enorme potencial e a importância do desenvolvimento contínuo de pesquisas em paleontologia na região", comenta o pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo, Rodrigo Figueiredo.
"Do ponto de vista paleontológico, a Antártica pode ser considerada uma região praticamente desconhecida. Nesse cenário, há mais de 10 anos, o projeto PALEOANTAR vem coletando evidências fósseis desde o período Cretáceo (há 90 milhões de anos) até o Paleógeno (há 30 milhões de anos). Utilizamos essas informações para entender a biodiversidade e os processos atuantes para estudar a atual distribuição dos organismos, além das mudanças ambientais sofridas pelo nosso planeta ao longo desse tempo", ressalta a paleontóloga e bolsista do CNPq, Juliana Sayão, do Museu Nacional/UFRJ.
O Museu de Paleontologia/URCA e o Museu Nacional/UFRJ têm uma história de colaboração de longa data. São 20 anos realizando pesquisas na Bacia Sedimentar do Araripe e agora, também, em projetos fora da região através do PALEOANTAR.
O projeto PALEONTAR tem como objetivo específico compreender a biodiversidade do passado do continente Gondwana, do qual faziam parte a América do Sul, Antártica, África, Austrália e Índia. Para isso o projeto conta com uma equipe interinstitucional internacional coordenada pelo doutor e bolsista do CNPq Alexander Kellner , do Museu Nacional/UFRJ e pela Dra Juliana Sayão, em colaboração com pesquisadores do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, da China, Canadá, Chile e Inglaterra.
Assinam o artigo Allysson P. Pinheiro, Antônio Á. F. Saraiva, William Santana, Juliana M. Sayão, Rodrigo G. Figueiredo, Taissa Rodrigues, Luiz Carlos Weinschultz, Luiza C. M. de O. Ponciano e Alexander W. A. Kellner
Link da publicação do artigo:
https://polarresearch.net/index.php/polar/article/view/3727
Fonte: Museu Nacional