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Pesquisa da UFPE analisa o impacto do Programa Bolsa Família na saúde de mães e crianças
Pesquisa coordenada por Andreza Daniela Pontes Lucas, professora de Ciências Econômicas do Centro Acadêmico do Agreste, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), analisou a relação do impacto de longo prazo do Programa Bolsa Família (PBF) na saúde das crianças cujos avós foram contemplados com o benefício. O estudo avaliou se os filhos de mães que, na infância, pertenciam a famílias beneficiadas pelo programa, têm tido indicadores de saúde melhores do que os nascidos de mães que, em condições similares, não tiveram acesso ao Bolsa Família. A pesquisa sobre o impacto do Bolsa Família em gerações tornou-se possível devido ao tempo de duração do programa, quase duas décadas. A conclusão foi a de que o programa contribuiu para reduzir problemas de saúde das crianças nascidas de mães cujas famílias ganharam o benefício. Nas duas gerações subsequentes de famílias que receberam o Bolsa Família, as crianças possuíam menores chances de nascer com baixo peso ou muito baixo peso ao nascer e com malformação congênita.
O estudo foi o primeiro a nível nacional na área, que buscou compreender a relação entre a incidência do Bolsa Família em uma dada geração e indicadores de saúde na geração seguinte, utilizando informações sobre o sistema de saúde e os programas sociais do governo. A pesquisa foi realizada sobre recorte dos dados de mais de cinco milhões de nascidos no Brasil, entre 2011 e 2015, disponibilizados pela base do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para a Saúde (CIDACS). O Centro realiza estudos e pesquisa embasados em projetos interdisciplinares com vinculação de grandes volumes de dados, em plataforma que liga informações de programas sociais com bases de dados de informações do sistema de saúde. Até então, a grande maioria de trabalhos sobre o tema eram baseados em dados locais ou sobre indicadores a nível municipal. As conclusões do trabalho já foram apresentadas ao Ministério da Saúde. O projeto, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Bill e Melinda Gates, foi contemplado no âmbito da Chamada Grand Challenges Explorations Brasil – Ciência de Dados.
A pesquisa gerou uma base de dados que, além das informações dos mais de cinco milhões de nascidos entre 2011 e 2015, também foi alimentada com referências sobre as respectivas mães. A base resultante da pesquisa se encontra sob a propriedade do CIDACS. Segundo a professora Andreza Lucas, que foi bolsista do CNPq no Mestrado pela UFPE, esse tipo de pesquisa é importante para se avaliar o cumprimento dos objetivos para os quais se propõe o Programa Bolsa Família. A pesquisa também pode indicar caminhos para eventuais melhorias nas políticas públicas. Os resultados forneceram sugestões relevantes para os formuladores de políticas que precisam decidir como alocar recursos de maneira eficaz, com vistas à melhora da saúde infantil. Contudo, de acordo com a professora, não é possível, por meio desse estudo, apontar desvios de finalidade de uma política pública. “Ela [a pesquisa] poderia, por exemplo, dizer que o resultado não está sendo alcançado, mas não indicar o que impede o alcance do resultado”, esclarece a professora. Para ela, um programa que transfere renda para a população mais vulnerável, ao mesmo tempo em que a leva a um maior investimento em capital humano, por meio das condicionalidades de saúde e de educação estabelecidas, como o Bolsa Família, constitui tema de grande relevância para a melhoria dos indicadores sociais e econômicos de um país.
Para chegar aos resultados, a equipe da pesquisa controlou também fatores socioeconômicos, como estado civil e nível de educação da mãe. Estudos mostram que mulheres e idosos representam potenciais vítimas da assimetria de alocação de despesas dentro das famílias. Uma criança nascida em um lar em que a mãe não recebeu cuidados e nutrição adequados durante a gravidez pode ter consequências negativas em seu desenvolvimento e realizações de trabalho e de educação durante a toda a sua vida. No caso das meninas, essa situação pode se repetir até que elas engravidem, perpetuando o ciclo da pobreza. O interesse dos pesquisadores no impacto gerado pelo Programa Bolsa Família se relaciona ao reconhecimento de que a maioria dos problemas nacionais, incluindo problemas no âmbito da saúde materno-infantil, se encontra ligada à pobreza. As condicionalidades estabelecidas pelo Bolsa Família para os beneficiados – comparecimento à escola e aos serviços de saúde – contribui para a inclusão social de famílias em situação de pobreza extrema.
A equipe da pesquisa considerou duas gerações de famílias e utilizou análise econométrica e algoritmos de mineração de dados para chegar aos resultados. Os pesquisadores desenvolveram o trabalho considerando que a transferência de renda do programa visava fazer com que as famílias agraciadas com o benefício saíssem da armadilha da pobreza. Para isso, a equipe trabalhou com indicadores vastamente usados pela literatura especializada, como peso ao nascer, a quantidade de semanas gestacionais e a presença de algum tipo de malformação congênita. Foram considerados como de peso baixo recém-nascidos com menos de 2,5 quilos, de peso muito baixo recém nascidos com menos de 1,5 quilos, bebês prematuros os que nasceram com menos de 37 semanas de gestação e os muito prematuros os bebês com menos de 32 semanas de gravidez. Os pesquisadores também consideraram presença de algum tipo de malformação, de acordo com os códigos da CID (Classificação Internacional de Doenças).
O estudo foi dividido em três etapas. Na primeira delas, especialistas em economia e em mineração de dados trabalharam juntos para deixar a base em formato adequado ao desenvolvimento das metodologias utilizadas, refinando as informações disponibilizadas pelo CIDACS. Durante o processo, os pesquisadores também adicionaram outras variáveis a nível municipal, como população, índice de pobreza, Produto Interno Bruto (PIB) e incidência municipal do Bolsa Família. Em uma segunda fase, os pesquisadores da área de economia analisaram a relação entre o Programa Bolsa Família e a saúde das crianças de famílias pobres no longo prazo, usando indicadores sobre educação, riqueza, raça, gênero, tipo de gravidez e gestações precedentes. Na terceira etapa da pesquisa, a equipe de mineração de dados recorreu à mineração de subgrupos para detalhar os resultados. Esse ramo de trabalho identifica conjuntos de atributos que distinguem dois grupos, como, por exemplo, nascimento prematuro da criança e nascimento não prematuro da criança. Essa metodologia tem sido aplicada para a descoberta de conhecimento em diferentes áreas e pode apresentar resultados que, em geral, não são encontrados por métodos estatísticos tradicionais. A identificação de subgrupos com casos de sucesso ou de insucesso pode configurar ferramenta relevante para nortear políticas públicas que visem a promoção da saúde infantil.
Os resultados mostraram que as crianças nascidas em domicílios em que as mães recebiam o Bolsa Família tinham menos chance de nascer com baixo peso, muito baixo peso, nascer após 37 semanas de gestação ou 28 semanas de gravidez. Das crianças nascidas em famílias contempladas pelo Bolsa Família, 31.209 nasceram com baixo peso e 357.380 não. O risco de baixo peso aumentou em mais de 22% entre crianças cujas mães realizaram apenas entre quatro e seis consultas no pré-natal. Não houve efeito significativo na malformação congênita. Entre as crianças representadas na base de dados completa do estudo, o risco de baixo peso aumentou pouco mais de 24% entre as nascidas em hospital, cujas mães realizaram apenas de quatro a seis consultas pré-natais.
O estudo envolveu também uma colaboração com a Universidade da Basiléia, na Suíça, fundamental para o contato da equipe brasileira com métodos e ferramentas de vanguarda na pesquisa de ponta. Segundo a professora Andreza Lucas, a colaboração com essa universidade estrangeira envolveu desde a discussão das primeiras ideias, passando pela limpeza e pela análise dos dados obtidos, até o debate dos resultados. “Tal colaboração nos permitiu aplicar métodos de preparação e análise de dados mais complexos, como foi o caso da Multiple Imputation, que permite obter resultados mais robustos em bases de dados com muitas informações ausentes”, afirma a professora Andreza Lucas. Além da professora Andreza Lucas, também participaram do projeto o professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Tarcísio Daniel Pontes Lucas, doutor em Ciência da Computação e especialista em Mineração de Dados; e a pesquisadora da Universidade da Basiléia, Paola Salari, especialista em Economia da Saúde.
A equipe do projeto espera agora a resposta de publicações especializadas a três artigos submetidos que envolvem o tema estudado. Os pesquisadores também elaboraram um boletim econômico sobre o paradoxo do peso baixo ao nascer no Agreste de Pernambuco, um modo de tornar a pesquisa acadêmica acessível a toda a população, por meio de linguagem acessível.
O Programa Bolsa Família
Segundo o Ministério da Cidadania, o Programa Bolsa Família atende 14,5 milhões de famílias no Brasil e foi desenvolvido com o objetivo de aliviar a situação de pobreza das famílias de baixa renda agraciadas com o benefício. Ao mesmo tempo, o Bolsa Família incrementou o investimento dessas famílias em saúde e educação, para que as próximas gerações tivessem condições de alcançar sustentabilidade econômica a partir dos próprios esforços. Por isso o interesse dos pesquisadores em avaliar se filhos de mães beneficiadas pelo Programa apresentavam indicadores de saúde melhores do que o de suas mães, que em condições similares não tiveram acesso ao Bolsa Família.
A Chamada Grand Challenges Explorations
A Grand Challenges Explorations, que financiou o projeto, foi uma chamada conjunta, resultado de parceria firmada entre o CNPq, o Ministério da Saúde (MS), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) e a Fundação Bill & Melinda Gates (FBMG). A Chamada foi parte de iniciativa criada pela Fundação Gates em 2010, para a integração do conhecimento na área de nascimento, crescimento e desenvolvimento saudáveis. O principal objetivo era o de se utilizar as ferramentas de ciência de dados para o desenvolvimento de ferramentas que permitissem a compreensão dos fatores de risco que contribuem para desfechos inadequados em partos prematuros, crescimento infantil incerto e desenvolvimento neurocognitivo comprometido.
Por meio da Grand Challenges Explorations Brasil, os parceiros da Chamada compartilharam do objetivo de apostar e de investir na crescente experiência do Brasil em ciência de dados, epidemiologia e em saúde pública, para enfrentar os principais problemas em saúde materno-infantil de nosso tempo. O tema da edição da chamada foi “Ciência de dados para melhorar a saúde materno-infantil do Brasil”. A Chamada buscou propostas inovadoras que usassem ciência de dados e modelagens para entender os principais fatores que impactam a saúde materna e o desenvolvimento infantil no Brasil. A ideia era que os projetos financiados ajudassem os gestores a definir melhores políticas públicas e intervenções nessa área.