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Pesquisa brasileira estuda o efeito de composto presente em vieiras no combate a metástases
Pesquisa coordenada pelo professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mauro Sérgio Pavão, investiga se o heparán sulfato, composto presente em vieiras - frutos do mar pertencentes à família dos moluscos - pode ser utilizado no combate a metástases, processo em que as células cancerosas se espalham pelo corpo humano e formam novos tumores. Segundo o professor Mauro Pavão, testes realizados em laboratório com ratos e camundongos indicaram que a substância, presente na massa visceral das vieiras, foi capaz de inibir a interação das plaquetas com células que se desprenderam do tumor inicial e circulavam na corrente sanguínea. Em uma situação normal, as plaquetas colariam nessas células, protegendo-as da ação do sistema imune. Nos testes realizados durante a pesquisa, o heparán sulfato conseguiu impedir essa união em casos de câncer de pele, de próstata e de pulmão, deixando as células cancerosas mais expostas às defesas do organismo.
Os resultados obtidos pelo estudo e que já foram publicados permitiram, inclusive, que os pesquisadores envolvidos obtivessem financiamento federal para estruturar uma linha de produção que envolve da criação da vieira até o isolamento do heparán sulfato em laboratório, permitindo a fabricação do composto em quantidades necessárias para as etapas seguintes. "A primeira coisa que a gente tinha que provar é que esse composto podia ser obtido de forma escalonada. Mesmo que tivesse alto valor terapêutico, se não fosse capaz de ser produzido em larga escala, de nada adiantaria. E, com esse estudo, a gente pode dizer que consegue produzir", explica Mauro Pavão. O próximo passo do estudo é a realização de testes pré-clínicos e clínicos, para confirmar a segurança e a eficácia do heparán sulfato. Essa fase envolve mais testes com animais e, ainda, experimentos em humanos, que precisam ser autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e realizados por uma instituição credenciada pela agência. O professor Mauro Pavão ressalta ainda que, além de potenciais benefícios para a saúde, a comprovação da eficácia do heparán sulfato pode agregar valor à produção das vieiras na aquacultura, gerando emprego e renda para as famílias de comunidades costeiras. “Tem um resultado prático muito importante em um contexto tanto de sustentabilidade quanto de economia social, porque as vieiras podem ser cultivadas em fazendas marinhas por pescadores”, diz ele.
O Diretor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor Marcos Bastos Pereira, que também participa da pesquisa, explica que o heparán sulfato está presente na massa visceral das vieiras, parte que é descartada antes do consumo desses moluscos. O cultivo de vieiras visando a fabricação de fármacos, portanto, não representaria concorrência para a oferta de vieiras como alimento. "Essa parte, que chamamos de bainha, sempre foi considerada um resíduo. Às vezes, se utilizava como ração para os peixes, mas muitas vezes era descartada", acrescenta ele. "É uma oportunidade que não é só de negócio. Trabalhamos em um alimento que pode ser produzido por comunidades locais, e em um fármaco que a gente espera que pode ser muito importante para mitigar todas essas questões da metástase”, completa o professor. Segundo ele, a criação de vieiras depende de um meio ambiente preservado, visto que esses moluscos precisam de água marinha de alta qualidade para se desenvolver.
As vieiras utilizadas na pesquisa são reproduzidas no Laboratório de Maricultura Sustentável da UERJ, em Ilha Grande, litoral sul do Rio de Janeiro. A seguir, são enviadas para fazendas marinhas de produtores locais, para o manejo e a engorda, que dura mais de um ano. Quando prontas para comercialização, os produtores separam a massa visceral da parte comestível. A chamada bainha passa, então, por processo de ressecamento, para ser enviada ao laboratório em que o composto é isolado. Casa quilo da bainha ressecada gera apenas quatro gramas de heparán sulfato ao ser processado.
O segundo laboratório envolvido na pesquisa foi criado com o apoio do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do SENAI (SENAI CETIQT) em uma unidade modular no Parque Tecnológico da UFRJ. O coordenador da Engenharia de Processo e Transformação Química no Instituto Senai Inovação em Biossintético e Fibras, João Bruno Valentim, diz que a unidade produtiva,que pode ser operada por apenas duas pessoas, foi montada em um contêiner para evitar que ficasse dentro do hospital universitário da UFRJ, onde a pesquisa teve início. Caso o heparán sulfato tenha sua eficácia comprovada, uma das possibilidades seria instalar a unidade em locais próximos da produção de vieiras, o que pode reduzir custos logísticos. Segundo Valentim, os países desenvolvidos, em especial os europeus, têm se engajado em explorar os oceanos de forma sustentável para gerar matérias-primas renováveis, o que é proposto na pesquisa. “Essa é uma tendência, e o Brasil tem um potencial muito grande por razões óbvias. É só olhar o tamanho da nossa costa”, afirma Valentim.
Com Agência Brasil/EBC