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Pesquisa brasileira comprova que levar a gravidez a termo favorece o desenvolvimento do recém-nascido e a recuperação da mãe
A primeira pesquisa brasileira que analisou a idade gestacional (IG) em dias, estudando os fatores associados ao encurtamento da gravidez e seus efeitos sobre a saúde materno-infantil, confirmou que cada dia da gestação conta para assegurar o desenvolvimento do recém-nascido em seus primeiros dias de vida e a melhor recuperação da mãe. A idade gestacional é o tempo, medido em intervalos, semanas ou, no caso da pesquisa, em dias completos, decorridos desde o início da data do último ciclo menstrual da mulher grávida. O estudo, coordenado pela professora Carmen Simone Grilo Diniz , pesquisadora de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), confirma que as cirurgias cesáreas em mulheres ricas e naquelas sem muita disponibilidade financeira são diferentes no tocante à idade gestacional, bem como no que se refere aos fatores obstétricos e clínicos.
No setor hospitalar privado, a maioria das crianças nasce no período conhecido como “termo precoce”, com uma perda média superior a 10 dias em relação à média esperada de 280 dias, refletindo taxas de cesárea acima de 80% e mostrando uma inversão da disparidade aguardada. A expectativa seria de que bebês de mães em melhor posição financeira nascessem de uma gravidez mais madura, no tempo certo para que o recém-nascido tenha menor probabilidade de sofrer com problemas respiratórios e de outros sistemas. Mulheres com maior escolaridade, residentes em áreas de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), tendem a ter mais partos prematuros do que as mais pobres. As oportunidades de recuperação de partos induzidos ou por cesária podem ser mais difíceis para as mães e bebês de populações mais vulneráveis. As mulheres pobres têm os piores resultados, o que reflete diferenças no acesso à tecnologia para compensar os efeitos do abreviamento do tempo de gestação. Elas enfrentam, por exemplo, dificuldades na admissão em uma UTI neonatal. A pesquisa coordenada pela professora Carmen Diniz também demonstrou que o risco de internação longa e de readmissão hospitalar é maior em mulheres com gestações mais curtas.
A proposta inicial da pesquisa era a de produzir evidências sobre como se correlacionam a idade gestacional e a saúde da mulher e a do bebê, incluindo fatores de morbidade e de mortalidade a curto, médio e longo prazos. Para atingir o objetivo, os pesquisadores desenvolveram medida inovadora para o cálculo de tempo de gestação, denominada de “dias potenciais de gravidez perdidos” (DPGP). Eles trabalharam com um recorte de informações sobre os nascidos vivos e suas mães no intervalo de tempo entre 2012 e 2017. Os dados foram fornecidos pelo SINASC (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos), gerido pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde.
Dada a observação de recente aumento na mortalidade infantil e materna, o grupo da professora Carmen Diniz trabalhou com parceiros locais para otimizar a tradução do conhecimento da pesquisa e desenvolver alternativas de visualização para ambientes específicos. Em conjunto com o SINASC da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo, a equipe analisou dados de 1.525.759 de nascidos vivos do município, sendo 504.302 com idade gestacional em dias. A nível nacional, o grupo examinou os dados de 8.854.727 nascidos vivos, 3.329.339 deles com idade gestacional em dias. Os conjuntos de dados foram vinculados ao SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) e, em nível municipal, também ao SIH (Sistema de Internação Hospitalar). Os registros sem informação da idade gestacional em dias foram analisados nas semanas de gestação.
A verificação incluiu o tratamento de perfil sócio-demográfico das mães, compreensão das ocorrências no setor hospitalar público e privado, e também os grupos obstétricos de Robson, classificação adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para categorizar as gestantes. Essa classificação considera desde os antecedentes obstétricos de paridade dessas mulheres até o número de fetos, passando pela situação fetal, pela idade gestacional e por como se deu o início do trabalho de parto. A análise dos grupos de Robson é útil para indicar o excesso de cesáreas e calcular a perda de dias de gravidez por grupo, além de fornecer informações relevantes sobre a indução do parto. O grupo também trabalhou com a Hazard Ratio para mortalidade neonatal precoce, neonatal e infantil, que compreendeu ainda a dados da paridade, da educação materna, da modalidade de parto e da cor da pele.
Embora as informações sobre a idade gestacional em dias estejam incluídas na ficha do SINASC desde 2011, por diversos motivos esses dados não são utilizados. Outros países já monitoram a idade gestacional ao nascimento com base na informação em dias desde a década de 1980, o que permite estudar em mais detalhes das variações no tempo da maturidade fetal, da morbidade, da mortalidade neonatal e da materna. A adição da idade gestacional em dias na ficha do SINASC ocorreu após pesquisas na área apontarem que os nascidos no intervalo de tempo denominado “termo precoce’, entre a 37ª e a 38ª semanas, poderiam apresentar resultados de saúde mais semelhantes aos nascidos prematuros do que aos nascidos no período “a termo”, com mais de 39 semanas de gestação. Alguns dos problemas de saúde apontados incluíam aumento de complicações respiratórias e metabólicas, internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), baixo peso ao nascer, devido a erro de estimativa da idade gestacional e dificuldades de amamentação. Antes disso, especialistas na área aceitavam que o parto poderia ser provocado a partir das 37 semanas completas de gravidez, ou 259 dias, sem riscos significativos. Para partos espontâneos, a idade gestacional média é, em geral, considerada como 40 semanas, ou 280 dias a partir do primeiro dia da última menstruação.
Um dos resultados da pesquisa foi a sugestão de possível mudança na Declaração de Nascido Vivo (DN), para que seja incluída a idade gestacional em dias, com base no último período menstrual; na ultrassonografia que verificou o tempo de gravidez, acrescentando a data do primeiro exame; e no exame físico feito ao nascer. A proposta foi apresentada ao Ministério da Saúde, para ser refinada e pré-testada junto com parceiros e gestores. A medida poderá possibilitar a construção de curvas para comparar e complementar a precisão dos dias potenciais de gravidez perdidos, mesmo em mulheres sem ultrassonografia e sem dados da última menstruação, bem como o cálculo e a superestimação da idade gestacional e de seus efeitos.
A Declaração de Nascido Vivo (DN) constitui documento obrigatório emitido pelo Ministério da Saúde e é distribuída aos municípios pelas Secretarias Estaduais de Saúde, para serem preenchidas por profissionais de saúde ou parteiras responsáveis pela assistência ao parto ou ao recém-nascido, no caso dos partos hospitalares ou domiciliares com assistência. O documento fortalece a coleta de informações sobre recém-nascidos no Brasil e alimenta a base do SINASC na função de apontar para o Ministério da Saúde quais são as prioridades de intervenção relacionadas ao bem-estar da mãe e do bebê, além de fornecer indicadores de saúde sobre pré-natal, assistência ao parto, vitalidade ao nascer, mortalidade infantil e materna. Estabelecido de forma oficial em 1990, desde 1994 o SINASC vem apresentando em muitos municípios um número de registros maior do que o publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos dados de Cartório de Registro Civil.
Estudos já demonstraram que a cesárea eletiva, mesmo a termo, se encontra associada a pior desempenho escolar das crianças, em linguagem e matemática. Além disso, foram detectados problemas de risco aumentado de doenças crônicas na infância, como asma, diabetes, obesidade, artrite, alergias, problemas neurológicos e certos tipos de câncer, como a leucemia. Esses efeitos podem ser devidos às modificações biológicas do trabalho de parto, que sinaliza a maturidade fetal, bem como à falta de transmissão do microbioma materno durante o parto vaginal, o que leva os nascidos por cesariana a um perfil imunológico mais inflamatório.
Em países de renda baixa e média, além dos problemas de saúde materno-infantil associados à pobreza e ao acesso precário a cuidados seguros, ocorrem também problemas associados ao uso desregulado e inadequado de intervenções no parto, em geral menos visíveis aos sistemas de informação. A cesárea e a indução do trabalho de parto aumentam os riscos de morbidade e de mortalidade materna, que têm sido subestimados nas mães e têm impacto indireto nos bebês. Embora a cesárea e a indução do trabalho de parto sejam recursos essenciais para o alcance de taxas ótimas de mortalidade materna e perinatal, quando sua ocorrência excede de 10% a 15% na população, as desvantagens tendem a superar potenciais benefícios para mães e bebês. O fato é notado em especial quando a cesárea e a indução são realizadas antes das 39 semanas completas. Esse é o caso no Brasil, onde a idade gestacional no nascimento diminuiu como resultado da crença na segurança das intervenções de encurtamento da gravidez.
Para ajudar profissionais e gestores de saúde com informações qualificadas, o grupo produziu um site , o podcast Conversando sobre e um canal do Youtube com vídeos sobre a pesquisa. Alémd isso, organizou o curso "Lendo, Entendendo e Apresentando Dados em Saúde Pública (Data Literacy), ministrado em Fevereiro de 2021, pela USP. Também foi desenvolvido um aplicativo sobre mortalidade e tendência em IG.
No momento, os pesquisadores estão mapeando as tendências de 2020, ano que em que a pandemia de COVID-19 resultou em interrupções variáveis ao cuidado perinatal, com a suspensão de consultas pré-natais, a redução e o deslocamento de leitos obstétricos de referência e riscos de infecção pelo coronavírus para mulheres e famílias na admissão hospitalar geral.
O projeto coordenado pela professora Carmen Diniz foi financiado no âmbito da Grand Challenges Explorations, uma chamada conjunta, resultado de parceria firmada entre o CNPq, o Ministério da Saúde (MS), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) e a Fundação Bill & Melinda Gates (FBMG). A pesquisa foi desenvolvida em parceria com a gerência do SINASC da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, representada por Eliana Bonilha , e contou com a colaboração de gestores, cientistas de dados, gestores, e movimentos sociais.
A Chamada foi parte de iniciativa criada pela Fundação Gates em 2010, para a integração do conhecimento na área de nascimento, crescimento e desenvolvimento saudáveis. O principal objetivo era o de se utilizar as ferramentas de ciência de dados para o desenvolvimento de ferramentas que permitissem a compreensão dos fatores de risco que contribuem para desfechos inadequados em partos prematuros, crescimento infantil incerto e desenvolvimento neurocognitivo comprometido.
Por meio da Grand Challenges Explorations Brasil, os parceiros da Chamada compartilharam do objetivo de apostar e de investir na crescente experiência do Brasil em ciência de dados, epidemiologia e em saúde pública, para enfrentar os principais problemas em saúde materno-infantil de nosso tempo. O tema da edição da chamada foi “Ciência de dados para melhorar a saúde materno-infantil do Brasil”. A Chamada buscou propostas inovadoras que usassem ciência de dados e modelagens para entender os principais fatores que impactam a saúde materna e o desenvolvimento infantil no Brasil. A ideia era que os projetos financiados ajudassem os gestores a definir melhores políticas públicas e intervenções nessa área.