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Pesquisa avalia desigualdade racial no tratamento do câncer de mama
Pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com dados fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), indica que, em casos de câncer de mama, a sobrevida de mulheres autodeclaradas de cor de pele preta é até 10% menor do que a de mulheres brancas. O estudo, tema do projeto de doutorado da bolsista do CNPq, Lívia Lovato Pires de Lemos, sugere que um dos principais motivos para essa desigualdade é o diagnóstico tardio e reflete, ainda, a disparidade social no tratamento da saúde no país. Esta é a primeira pesquisa realizada no Brasil em âmbito nacional envolvendo a relação entre a sobrevida de câncer e iniqüidades raciais. Embora já existissem trabalhos isolados sobre o tema, a produção científica relacionada ao assunto ainda era insuficiente e pontual. "Pensamos que seria muito relevante avaliar a sobrevida das mulheres tratadas pelo SUS, em âmbito nacional", afirma a doutora Lívia Lemos, que utilizou informações dos bancos de dados do Sistema de Informação Ambulatorial, do Sistema de Informação Hospitalar e do Sistema de Informação sobre Mortalidade.
A pesquisa acompanhou, durante cinco anos, a evolução de 59.811 mulheres pacientes de câncer de mama, que iniciaram tratamento na rede pública de saúde entre 2008 e 2010. A avaliação da sobrevida dessas mulheres foi realizada de acordo com a raça/cor autodeclarada. A pesquisadora utilizou como padrão a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divide a cor da pele da população brasileira em branca, preta, parta, amarela e indígena. Daí a razão de a autora da pesquisa se referir à cor da pele das mulheres acompanhadas como preta e não negra. Ao todo, 62% dessas pacientes se declararam brancas, 31% se julgaram pardas e apenas 6% se disseram pretas.
Ao longo da evolução do tratamento, Lívia Lemos verificou que a mortalidade das mulheres pretas era maior do que a das brancas. "No início do acompanhamento todas estavam vivas. Com o passar do tempo as mulheres vão morrendo, mas as de cor de pele preta morrem mais rápido do que as brancas", explica a pesquisadora. O resultado ressalta o fato de as mulheres que se autodeclararam de cor de pele preta terem menor acesso às ações do plano de controle do câncer de mama. O diagnóstico tardio é um dos principais motivos para a menor sobrevida dessas pacientes. O câncer de mama tem bom prognóstico, quando identificado no início. "Se as autoridades sanitárias forem sensibilizadas, é muito importante que considerem a criação de políticas de baixo para cima e que essas mulheres sejam ouvidas e tenham lugar de destaque na criação de estratégias para diminuir essa iniqüidade em saúde", afirma a pesquisadora. Para ela, é importante que a formulação de políticas públicas para o setor leve em consideração não só números, mas a consulta a essas pessoas, para que se possa entender as respectivas realidades e propor estratégias que diminuam a desigualdade apontada na pesquisa.
O controle do câncer de mama é reconhecido como uma das prioridades pela saúde pública no Brasil desde o início da implementação do SUS. Segundo a orientadora da pesquisa, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e bolsista PQ do CNPq Mariangela Cherchiglia, embora a proporção de mulheres diagnosticadas com a doença em estágio avançado tenha apresentado tendência à queda, o índice ainda é alto, de mais de 40%, e a proporção de mulheres autodeclaradas de cor preta diagnosticadas com a doença já avançada é maior, quando comparada com a de mulheres pardas e brancas. "Os resultados apresentados refletem a realidade de um país que envelhece e adoece sem ter resolvido seu principal desafio: as desigualdades sociais", afirma a professora. Segundo ela, o resgate do itinerário assistencial do paciente seria facilitado se existisse um número identificador único para a área de saúde, o que permitiria a verificação do histórico do paciente no SUS. Na falta de tal identificador, a UFMG vem utilizando a técnica de pareamento determinístico probabilístico.
Desde 2004, pesquisadores da universidade trabalham com a integração de bancos de dados do SUS, em projetos financiados pelo CNPq e pela FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais).