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Pesquisa aponta impacto na cadeia alimentar marinha do derramamento de óleo no litoral de Pernambuco
Equipe formada por estudiosos de diversas instituições, encabeçada por pesquisadores do Departamento de Oceanografia, da Universidade Federal de Pernambuco, e do Departamento de Biologia, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, publicou no periódico Marine Pollution Bulletin , este mês, artigo sobre o impacto na base da cadeia alimentar marinha tropical do derramamento de óleo que assolou a costa litorânea brasileira, entre o segundo semestre de 2019 e o início de 2020. Os pesquisadores, incluindo bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), avaliaram os efeitos do derrame de óleo sobre o zooplâncton, grupo fundamental na base das cadeias alimentares, durante a fase crítica do acidente ecológico, em outubro de 2019. A equipe examinou diferentes parâmetros dessa comunidade, como abundância, composição e percentual de organismos oleados, além da concentração de gotículas de óleo in situ , que poderiam estar disponíveis para ingestão pelo zooplâncton. Os resultados da pesquisa apontaram traços de ingestão desse óleo em larvas de caranguejo e em copépodes, crustáceos milimétricos que formam importante grupo na composição da fauna de invertebrados aquáticos, ambos relevantes para o zooplâncton marinho.
Pesquisadores mostram rastros do óleo em objetos tirados do mar. Foto: PELD - TAMS
Os resultados da pesquisa sugerem que os copépodes e as larvas de caranguejo podem desempenhar papel crucial na distribuição do tamanho, na degradação e no destino final das gotas de óleo cru dispersas no mar, após derramamento de óleo em ecossistemas costeiros. Os pesquisadores alertam que esses grupos do zooplâncton observados com traços de ingestão de óleo também se encontram sujeitos a riscos, como lesões físicas e bioquímicas, mortalidade, redução da natação e aumento da predação, além de serem capazes de biomagnificar hidrocarbonetos de petróleo nas teias alimentares marinhas. Todas as amostragens, realizadas no ecossistema recifal, nas águas adjacentes da baía e na área de influência da pluma estuarina dos rios Ilhetas e Mamucabas, em Tamandaré, litoral sul de Pernambuco, registraram gotículas de óleo. A presença dos traços de óleo nas amostras demonstra que as grandes manchas observadas ao longo de todo o litoral brasileiro até o ano passado têm grande potencial de degradação em fragmentos menores. As gotículas de óleo foram encontradas com especial abundância numérica na pluma estuarina dos rios Ilhetas e Mamucabas.
Para se ter uma ideia da magnitude do derramamento de óleo na costa litorânea brasileira, apenas entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, foram recolhidas mais de 5 mil toneladas de óleo e de resíduos oleosos na faixa litorânea entre os estados do Maranhão e do Rio de Janeiro. Em meados de 2020, foram identificados mais vestígios do óleo em algumas praias do litoral nordestino, somando 100 quilos coletados, segundo a Marinha do Brasil. Em face do acidente, com sérias consequências sociais, econômicas, ecológicas e sobre a saúde pública, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em conjunto com o CNPq, alocou recursos emergenciais da ordem de R$ 7,5 milhões para projetos de pesquisa que já se encontravam em andamento na época, coordenados por sete Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) com temáticas marinhas e dois Projetos Ecológicos de Longa Duração (PELD) , localizados em estados nordestinos afetados de forma drástica pelo óleo. Em maio deste ano, o MCTI realizou o Seminário Marco 1 , para apresentar os resultados dos primeiros estudos que tiveram o financiamento.
Em campanhas realizadas no sítio PELD-TAMS , ou PELD Tamandaré, Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável, apoiado pelo CNPq, no sul de Pernambuco, logo após o acidente com o óleo, pesquisadores verificaram que pequenos fragmentos do óleo bruto haviam afetado animais filtradores, como ostras, corais, sururus, cracas e esponjas. A costa sul de Pernambuco foi afetada de modo especial pelo derramamento do óleo. Mesmo após a retirada das grandes placas do óleo, parte do material ficou disperso na coluna d’água e foi sendo degradado em tamanhos menores, sobretudo pela ação das ondas na costa. Além de prejudicar a manutenção de estoques importantes de carbono nas águas marinhas, o óleo no mar atingiu de forma direta funções biológicas essenciais para a manutenção da vida aquática. A comunidade planctônica, parcela quase invisível de organismos marinhos, continuou sofrendo os impactos desse acidente ecológico, mesmo quando o mar pareceu limpo.
A pesquisa
Os pesquisadores que assinam o artigo publicado esclarecem que a comunidade planctônica, formada por, entre outros, microalgas e micocrustâceos, larvas de moluscos e peixes, é a base da maior parte das teias tróficas aquáticas. Uma fração desses organismos tem papel importante como produtor primário, produzindo energia através da fotossíntese, enquanto o zooplâncton é responsável pela transferência dessa energia para níveis tróficos superiores. Dessa forma, se o contágio do óleo tiver como conseqüência muita mortalidade na comunidade do zooplâncton, os organismos que se alimentam do zooplâncton e, por sua vez, os que se alimentam desses últimos organismos, vão sentir o impacto, que terá os efeitos propagados para toda a teia trófica, afetando a produção e o fluxo de energia ao longo dela. “Assim, vai haver uma diminuição de abundância das espécies”, comenta uma das autoras do artigo, a professora Beatrice Padovani Ferreira , bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professora titular do Departamento de Oceanografia da UFPE.
A professora Beatrice afirma que, além das conseqüências ecológicas, o contágio do óleo também poderá causar impacto socioeconômico na pesca. Diversos organismos possuem uma fase do seu ciclo de vida no plâncton, como os caranguejos e os corais, que têm larvas planctônicas. A exposição ao óleo nessa fase, normalmente mais vulnerável do que nas formas adultas, pode gerar conseqüências. Se a mortalidade for aumentada, a entrada de novos organismos nas populações será prejudicada. "Isso inclui espécies socioeconomicamente importantes (exploradas para pesca), como caranguejos e peixes que se alimentam do zooplâncton”, afirma a professora. "Assim, a pesca pode ser impactada. O aumento da mortalidade pelo contágio com o óleo pode levar à diminuição da quantidade de indivíduos pescados naquele período, daí o impacto socioeconômico", completa a professora Beatrice.
As pesquisas sobre o efeito do petróleo na biota planctônica ainda estão em sua fase inicial, mas, como demonstra o artigo publicado no Marine Pollution Bulletin , os resultados já são preocupantes. Além da continuidade das pesquisas no contexto do PELD-TAMS, as equipes dos laboratórios envolvidos pretendem ampliar o monitoramento em busca de mais informações sobre os efeitos da degradação das manchas de óleo na costa do estado de Pernambuco. Estão programadas avaliações da produtividade primária, estrutura e diversidade das comunidades planctônicas e mortalidade do zooplâncton.
No geral, a equipe de pesquisadores envolvida no estudo ressalta dois pontos principais que precisam de acompanhamento. O primeiro é a necessidade de compreensão do impacto de um acidente como esse sobre os diversos compartimentos do ecossistema. Apesar de a pesquisa realizada ter sido focada em parcela quase invisível dos ecossistemas, esta apresenta um papel fundamental para as teias tróficas aquáticas e não pode ser negligenciada. . Um segundo ponto é a necessidade de monitoramentos de longo prazo. A parcela do óleo que chegou à região costeira e entrou nos estuários, permanecendo ali depositado, pode constituir uma fonte crônica dessa contaminação para os sistemas costeiros e marinhos adjacentes, por meio das marés. Dessa forma, os impactos identificados na pesquisa que resultou no artigo podem se manter no ambiente por bastante tempo, o que reforça a necessidade de realização de pesquisas de longa duração. A medida permitirá melhor compreensão do impacto do derramamento do óleo e buscas de estratégias para mitigá-lo.
Assinam o artigo, além de Beatrice, os pesquisadores do Departamento de Oceanografia da UFPE Renata Polyana de Santana Campelo , Cynthia Dayanne Mello de Lima , Claudeilton Severino de Santana , Sigrid Neumann-Leitão , Pedro Augusto Mendes de Castro Melo . Além deles, também assinam o texto, o pesquisador do Departamento de Hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Alef Jonathan da Silva , bolsista de Doutorado do CNPq, o pesquisador do Departamento de Biologia da UFRPE, Mauro de Melo Júnior , e Marcelo de Oliveira Soares , bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), da Universidade Federal do Ceara (UFC).
O PELD-TAMS e a pesquisa
Os pesquisadores autores do artigo ressaltam que a produção de resultados de qualidade, como os obtidos por eles, só foi possível graças ao monitoramento regular que vem sendo realizado na área do estudo nos últimos anos, no âmbito do PELD-TAMS. Criado em 2000, o PELD-TAMS faz parte do Departamento de Oceanografia da UFPE e desenvolve trabalhos focados na ecologia e conservação de comunidades e populações de ambientes recifais, no planejamento e na criação de áreas protegidas, na influência de mudanças climáticas em ecossistemas recifais e costeiros, e em estudos sobre a dinâmica da pesca artesanal com suas práticas e conhecimentos.
Alguns dos trabalhos desenvolvidos no PELD-TAMS incluem subsídios para planos de manejo de Unidades de Conservação, ecologia e metodologias de monitoramento de ambientes recifais, avaliação de saúde ecossistêmica, incluindo efeitos de impactos humanos e climáticos, biologia e dinâmica populacional, parte que abrange recursos pesqueiros, agregações reprodutivas, dinâmica das pescarias e áreas marinhas protegidas. O PELD-TAMS se encontra inserido em quatro unidades de conservação, como Guadalupe, Recifes Serrambi, Áreas de Proteção Ambiental Costa dos Corais e Parque Natural Municipal do Forte de Tamandaré. Reconhecida como um hotspot de biodiversidade, com manguezais e recifes de coral extensos, a região forma um dos complexos mais emblemáticos da costa brasileira.
O financiamento continuado dos sítios PELD é garantido pelo CNPq, com o apoio das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAAPS). As pesquisas no sítio PELD-TAMS tem têm sido conduzidas por cooperação entre a UFPE e o Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE-ICMBIO), com sede em Tamandaré. O projeto tem a participação de pesquisadores de várias universidades e instituições brasileiras e também apoio de diversos projetos parceiros, como o SOS Mata Atlântica e a Fundação Toyota, Rare Pesca para Sempre, Meros do Brasil, além da Prefeitura Municipal de Tamandaré.