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Cientistas criam indicadores para monitorar a regeneração natural de florestas na Amazônia
Reserva Ducke, em Manaus. - Foto: Fernando Pinheiro
Um estudo inovador realizado por pesquisadores brasileiros e publicado na última edição da revista britânica Communications Earth & Environment, do grupo Nature, apresenta indicadores ecológicos e valores de referência para avaliar a efetividade da regeneração natural como forma de restaurar florestas na Amazônia.
A pesquisa revela que a integridade ecológica, ou seja, a capacidade de restauração ecológica das florestas secundárias, diminui com a duração do uso anterior do solo e o nível de desmatamento da paisagem. A regeneração natural é mais eficiente como método de restauração ecológica em áreas que foram pouco usadas para agricultura ou pastagem no passado, que possuam quantidade expressiva de floresta no entorno e que tenham sofrido poucos eventos de corte e queima.
O trabalho é resultado do projeto Regenera, financiado pelo CNPq e desenvolvido no âmbito do programa Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), estrutura de pesquisa inovadora no cenário nacional, criada para integrar informações de diferentes disciplinas para gerar conhecimento novo e relevante, dos pontos de vista cientifico e social.
Ao alinhar ciência básica e aplicação prática, o estudo reforça o papel da regeneração natural como uma solução eficiente e de baixo custo para restaurar ecossistemas florestais e apresenta ferramentas para garantir uma restauração ecológica eficiente. A aplicação de indicadores ecológicos também permite um monitoramento mais preciso e garante que o Brasil avance em direção ao cumprimento de suas metas ambientais globais.
Para avaliar se uma floresta em regeneração está realmente sendo capaz de restaurar o ecossistema nativo, o estudo propôs indicadores e valores de referência, que incluem medidas de diversidade, função e estrutura da vegetação. Para cada indicador, foram estimados os valores mínimos que uma floresta deve ter para ser considerada eficiente na restauração ecológica.
Esses valores de referência foram modelados com base no maior banco de dados de florestas regenerantes da Amazônia, que inclui 448 florestas em regeneração na Amazônia brasileira. Os autores da publicação estimaram que uma floresta em regeneração com 20 anos de idade, por exemplo, deve ter no mínimo 14 metros quadrados por hectare de área basal, 34 espécies a cada 100 indivíduos amostrados, um valor de 0,27 de índice de heterogeneidade estrutural, que é a variação no tamanho dos troncos das árvores, e, pelo menos, 123 megagramas por hectare de biomassa viva acima do solo. Florestas regenerantes na Amazônia que apresentem indicadores abaixo desses valores estão aquém do potencial de restauração da região, indicando a necessidade de intervenções para acelerar a restauração.
A informação é considerada pelos pesquisadores como um grande passo para permitir o monitoramento adequado da restauração florestal e para definir o cumprimento de obrigações legais, como a Lei de Proteção da Vegetação Nativa do Brasil e compensações por danos ambientais. Com um compromisso ambicioso de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, em conformidade com o Acordo de Paris, o Brasil enfrenta o desafio de transformar até 60 milhões de hectares de áreas degradadas em ecossistemas restaurados. Nesse contexto, a regeneração natural das florestas destaca-se como uma estratégia promissora por garantir a recuperação da vegetação nativa local com baixo custo. Esse método é empregado em 67,5% dos projetos de restauração no Brasil, de acordo com o Observatório da Restauração.
Para o autor principal do estudo, o pesquisador de pós-doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) André Giles, a incerteza sobre a efetividade do processo de restauração gera insegurança para proprietários, investidores e órgãos ambientais. “Nosso trabalho dá o primeiro passo para enfrentar essa subjetividade, oferecendo ferramentas claras para a tomada de decisões sobre quando atestar que a regeneração natural cumpriu seu papel como método de restauração”, diz.
Segundo uma das autoras do artigo, a pesquisadora do Instituto Nacional da Amazônia (INPA) e secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente (MMA) Rita Mesquita, o estudo representa um marco para restauração na Amazônia.
"Agora temos parâmetros científicos precisos para avaliar a saúde de nossas florestas em regeneração, o que é fundamental para o sucesso de nossos compromissos com a restauração da vegetação nativa, conservação da biodiversidade e metas de enfrentamento à mudança do Clima", afirma.
Na Amazônia, florestas regenerantes cobrem aproximadamente 18,9 milhões de hectares do bioma. A pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Ima Vieira, também coautora do estudo, complementa a opinião de Mesquita, ressaltando as contribuições da pesquisa. "Não se trata apenas de plantar árvores, mas de reconstruir ecossistemas complexos. Nossos indicadores mostram exatamente como fazer isso de forma eficiente e mensurável”, observa.
Professora da UFSC e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Catarina Jakovac, cientista apoiada pelo Instituto Serrapilheira, autora sênior do estudo e vice-coordenadora do projeto Regenera, ressalta que o estudo representa uma ponte importante entre a ciência, as práticas de restauração ecológica e a implementação das políticas públicas de recuperação da vegetação nativa no Brasil. “Projetos de síntese científica com apoio, que integram gestores públicos, como este, são essenciais para a definição de melhores políticas públicas e para informar a tomada de decisão”, observa.
“Os resultados do projeto Regenera são um ótimo exemplo do que pretende em última análise o programa SinBiose como modelo inovador de fomento à pesquisa: disponibilizar a melhor informação científica disponível para a tomada de decisão e políticas públicas na área de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”, explica a secretária executiva do SinBiose, Marisa de Araújo Mamede.
Segundo Mamede, a abordagem de síntese inter e transdisciplinar tem se mostrado muito eficaz, e seus impactos devem ser compreendidos não somente na academia, mas também na sociedade. “Sobretudo na área de gestão ambiental, no caso do SinBiose”, completa. Além da publicação, o estudo gerou uma nota técnica que detalha os indicadores para cada estado brasileiro do bioma amazônico. A nota, realizada em colaboração com o IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), está disponível no site do projeto Regenera.