Notícias
Grupo multinacional apresenta resultados de pesquisa sobre como surgiu a capacidade cognitiva na espécie humana
Resultados de pesquisa que investigou de que maneira surgiu a capacidade cognitiva da espécie humana, utilizando material genético de Neandertais, são tema de artigo publicado na revista científica Science . Do grupo multinacional de cientistas que trabalharam no estudo e assinam o texto, seis são brasileiros, entre eles Alexandre Kihara , bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), chefe do Laboratório de Neurogenética e docente do Centro de Matemática, Cognição e Computação, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Os cientistas utilizaram para a pesquisa material genético dos Neandertais devido à similaridade de seu genoma com o dos humanos. O grupo de pesquisadores identificou 61 variantes em genes codificadores de proteínas e escolheu como o mais indicado para fazer as análises o gene conhecido como NOVA1, que codifica a proteína de ligação ao ácido nucléico, molécula envolvida em várias funções biológicas importantes. O NOVA 1 possui papel-chave no desenvolvimento neural e inclui uma diferença de codificação de proteína entre os genomas dos humanos modernos, dos Neandertais e dos Denisovanos, possível espécie de hominídeo descoberta na Sibéria, que viveu há mais de 40 mil anos. Os Denisovanos possuíam traços semelhantes aos dos humanos modernos, mas também se pareciam com os neandertais, em alguns aspectos.
Os pesquisadores utilizaram ferramentas genômicas para alinhar genomas dessas espécies extintas e descobrir quais genes seriam únicos e não mais presentes nas atuais populações humanas. A seguir, selecionaram os genes que eram ativos durante o desenvolvimento neural e que se encontravam relacionados a doenças neurológicas e introduziram a variante dos genes neandertais em células-tronco pluripotentes humanas, ou seja, células com capacidade de se transformar em qualquer tipo de célula adulta. A experiência gerou organóides cerebrais, estruturas celulares miniaturizadas conhecidas como mini-cérebros, que reproduzem, em parte, a estrutura e a funcionalidade do cérebro humano em desenvolvimento. O grupo de pesquisa considerou os resultados impressionantes. A atividade neuronal foi alterada de forma significativa em mini-cérebros com as variantes ancestrais, conforme revela o professor Alexandre Kihara . “Os neurônios dos organóides com as variantes genéticas ancestrais apresentaram atividade eletrofisiológica mais complexa do que a observada nos organóides humanos”, diz. “Foi um resultado muito claro, porém inesperado, o que nos faz pensar sobre o significado do achado em termos cognitivos e no contexto do desenvolvimento e evolução da nossa espécie”, completa Kihara.
Além de revelar detalhes sobre a capacidade cognitiva que resultou no sucesso da espécie humana moderna e no fracasso evolutivo de Neandertais e Denisovanos, os resultados da pesquisa sugerem que o método pode ser utilizado para explorar outras mudanças genéticas que fundamentam os características fenotípicas que separam nossa espécie de outras extintas. O pesquisador Alysson Renato Muotri , professor da Faculdade de Medicina e Diretor do Instituto de Células-Tronco da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, um dos membros da equipe do estudo, afirma que as redes neurais se comportam de forma semelhante a algumas condições neurológicas já modeladas em laboratório, como subtipos de autismos. “Essa comparação pode sugerir que nosso ancestrais tivessem habilidades extraordinárias, ou dificuldades, por exemplo, em comunicação e socialização”, afirma ele. Além de ter utilizado os organóides cerebrais para desvendar a contribuição genética do autismo e outras doenças neurológicas, em 2015 Muotri usou os mini-cérebros para demonstrar a relação causal do vírus da Zika com o surto de microcefalia no Brasil.
Estudos atuais sobre a evolução humana, baseados em análises de fósseis, indicam que existiram várias linhagens de hominídeos, mas apenas uma sobreviveu. Os Neandertais e os Denisovanos, duas dessas espécies extintas, são os que mais evoluíram e chegaram próximos aos humanos. A comparação entre os genomas dos Neandertais, dos Denisovanos e dos humanos já mostrou que muitos humanos hoje carregam genes do passado, o que permitiu uma enumeração de diferenças de características genéticas humanas específicas relevantes para a evolução humana. Ao comparar o genoma dos Neandertais e dos Denisovanos com os de humanos modernos, o professor Alysson Muotri notou várias distinções, como a existência ainda hoje, na população de certas regiões, de características do genoma arcaico. É possível que outros fragmentos tenham sido eliminados por seleção natural devido a alguma desvantagem adaptativa, seja na saúde, na fertilidade, na aparência ou na cognição. “No passado, já havíamos comparado organóides cerebrais de humanos com de outros primatas, como o chimpanzé. No entanto, para entender as origens do cérebro moderno, precisaríamos compará-los com o dos nossos primos evolutivos mais próximos, como os Neandertais.”, explica Muotri.
Humanos modernos e os Neandertais se separaram em duas linhagens há cerca de 400 mil anos. Nossos ancestrais diretos ficaram na África enquanto os Neandertais migraram para o norte europeu. Vestígios arqueológicos sugerem que os nossos ancestrais saíram da África em direção a Europa cerca de 60 mil anos atrás. Naquele momento, as duas espécies coexistiram. Os Neandertais acabaram extintos logo após esse contato com os humanos, por causas que ainda geram muita especulação. Do ponto de vista neurológico, os cientistas sabem apenas que os Neandertais possuíam volume cerebral semelhante ao dos humanos modernos, com pequenas diferenças estruturais. O material genético, extraído de fósseis, foi decodificado em 2010. Pouco se sabe sobre os Denisovanos, pois as evidências arqueológicas são quase inexistentes. Tudo o que é conhecido dos Denisovanos vem de genomas encontrados em pedaços de ossos fossilizados. Além de Kihara e Muotri , os pesquisadores brasileiros que assinam o artigo publicado na Science são Priscila D. Negraes , da Universidade da Califórnia, Estados Unidos; Roberto Hirochi Herai , da Escola de Medicina da PUC-Paraná; Mariana Ferraz e Fernando Borges , do L aboratório de Neurogenética, Centro de Matemática, Computação e Cognição, da UFABC.