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Dia Mundial do Meio Ambiente: a contribuição da ciência para a preservação da natureza
O Dia Mundial do Meio Ambiente, instituído em 1972 pela Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 5 de Junho, é uma data criada para alertar as pessoas sobre os problemas ambientais e reforçar a importância da preservação dos recursos naturais. Mudanças climáticas, escassez de recursos, entre outros efeitos do desequilíbrio ambiental têm conseqüências drásticas para o planeta e toda a população. A compreensão dessa realidade e a descoberta de meios de reverter esse desequilíbrio ou minimizar os danos são questões que dependem fundamentalmente de estudos científicos e investimento continuado em pesquisas.
Bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI), integrantes e coordenadores de projetos importantes apoiados pela agência no âmbito de programas de longa duração como o PELD (Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração) falam do assunto e pontuam a importância do investimento em ciência para a conservação do meio ambiente e a busca de soluções eficazes.
Cerrado brasileiro na Chapada dos Veadeiros (GO), um dos biomas estudados por projetos do programa PELD, como o coordenado pela Profª. Mercedes Bustamante.
“A convergência de profundas crises ambientais globais, como a mudança do clima e o declínio da biodiversidade, demandam um esforço amplo e interdisciplinar da ciência no entendimento de quais são as causas, impactos e soluções de tais crises", explica a bióloga e bolsista em Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq/MCTI, Profª Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), coordenadora de projeto apoiado pelo PELD e membra do comitê cientifico do Centro de Sínteses em Biodiversidade do CNPq, o SinBiose .
“A convergência de profundas crises ambientais globais, como a mudança do clima e o declínio da biodiversidade, demandam um esforço amplo e interdisciplinar da ciência no entendimento de quais são as causas, impactos e soluções de tais crises", Profª Mercedes Bustamente (UnB)
Esses impactos, aponta o Prof. Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e bolsista PQ do CNPq, oferecem riscos reais para o Brasil e já estão sendo sentidos como o aumento dos eventos climáticos extremos em todo o planeta. “São prejuízos socioeconômicos enormes”, alerta Artaxo, um dos mais importantes nomes da ciência mundial em temas como mudanças climáticas, em palestra proferida em seminário realizado pelo CNPq e Academia Brasileira de Ciências no final de abril deste ano .
Segundo o pesquisador, com o aquecimento global, o Brasil poderá sofrer nas próximas décadas, por exemplo, impactos na mudança no solo, na redução drástica da chuva no Nordeste, na Amazônia e no Centro-Oeste, no déficit de água, na produção de alimentos, entre outros efeitos. “O aumento do nível do mar é uma ameaça importante. Segundo o IPCC [ Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ], esse aumento pode chegar a 1, 1,5 metro ao longo deste século. É muita coisa. Pense na infreaestrutura portuária, nas cidades costeiras, o impacto socioeconomico que isso pode ter”, conclui.
Pesquisador do projeto PELD Abrolhos e bolsista PQ do CNPq, Rodrigo Leão de Moura também faz um importante alerta sobre as mudanças climáticas, resultantes, em grande parte de atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis, a mudança do uso do solo e o desmatamento. “As mudanças climáticas e o uso intensivo da biosfera estão reconfigurando profundamente a estrutura e o funcionamento de todos os ecossistemas, com consequências que afetam a biodiversidade e a provisão de serviços ecossistêmicos essenciais para o bem estar humano”, explica o pesquisador, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Foto aérea do Arquipélago de Abrolhos, região estudada pelo PELD Abrolhos. Esses estudos têm gerado e interpretado a mais longa série de dados sobre a cobertura dos maiores e mais biodiversos recifes do Atlântico Sul. Esses dados têm ajudado a avaliar os efeitos e a efetividade das Unidades de Conservação, e evidenciaram áreas e espécies mais sujeitas a estressores locais que podem e devem ser controlados, tais como dragagens próximas a recifes. Foto: Fernando Moraes (PELD Abrolhos)
Moura ressalta, ainda, que “embora difíceis de perceber na escala temporal de uma vida, ou mesmo de uma geração humana, estamos diante de uma das reconfigurações mais rápidas jamais sofrida pela vida na Terra. Entender as consequências dessas mudanças, inclusive para que se possa desenvolver estratégias de mitigação e adaptação, requer séries temporais longas de dados ambientais, consorciadas com reconstruções paleo-ecológicas e modelagens de cenários futuros”.
Bustamente também pontua “a velocidade e as profundas implicações já sentidas por toda a sociedade e que se agravarão para as futuras gerações” e afirma que esse cenário aponta para o imperativo ético de atuar na conservação da natureza e na restauração ecológica de ecossistemas degradados. “Tais ações devem ser orientadas pelo conhecimento científico e também pelo conhecimento tradicional acumulado por povos indígenas e comunidades locais”, completa.
Pesquisas de longa duração: investimento continuado
Segundo a professora Mercedes, “estudos de longo prazo permitem detectar tendências de mudanças na biodiversidade e no funcionamento dos ecossistemas que não seriam perceptíveis em análises de curto prazo”. Por isso, é importante continuar programas de pesquisa ecológica de longa duração.
“No país detentor da maior biodiversidade do planeta, cuja economia depende fortemente do provimento regular e previsível de serviços ecossistêmicos, não deveríamos sequer cogitar a interrupção de pesquisas ecológicas de longa duração”. Prof. Rodrigo Moura (UFRJ)
No âmbito do CNPq, a necessidade de um investimento de longa duração norteia programas estratégicos que fomentam a geração de conhecimento sobre o ecossistema, biodiversidade e a produção de conhecimento cientifico sobre os biomas brasileiros e o continente Antártico, por exemplo. Destacam-se o PELD , que em 2022 completa 25 anos de criação, e o Programa Antártico Brasileiro - PROANTAR , criado há 40 anos para fomentar a pesquisa científica na região antártica.
Rodrigo Moura reforça a importância desse investimento continuado, segundo ele estratégico. “No país detentor da maior biodiversidade do planeta, cuja economia depende fortemente do provimento regular e previsível de serviços ecossistêmicos, não deveríamos sequer cogitar a interrupção de pesquisas ecológicas de longa duração”, afirma. E conclui: “A interrupção de pesquisas ecológicas de longa duração faz com que os gestores e a sociedade entrem numa espécie de vôo cego, ou seja, são forçados a tomar decisões de curto, médio e longo prazo sem o necessário balizamento”.
Futuro: o ainda que ser feito
Segundo Paulo Artaxo, as vulnerabilidades do Brasil têm que balizar o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa para o Brasil. O pesquisador alerta que um dos grandes desafios que o Brasil vai ter é a questão as mudanças climáticas: “Sem um clima estável, dificilmente, por exemplo, os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável [adotados pela ONU] poderão ser cumpridos".
Artaxo afirma que as perspectivas de pesquisas cientificas nos próximos 20 e 30 anos precisam ser pautadas por essas questões e que é necessário promover uma ciência muito mais disciplinar e integrada, focada nos objetivos de desenvolvimento da nossa sociedade. “Chega de dividir entre química, física, matemática, geologia, porque a natureza não conhece essas divisões”, explicou.
Para Rodrigo Moura, a pauta das discussões precisa ser rapidamente direcionada para a expansão estratégica das pesquisas de longa duração, de forma a ampliar sua cobertura e efetividade, juntamente com a melhoria nos fluxos de integração de resultados junto a diversas áreas estratégicas para a economia e o bem estar da população brasileira.
Mudanças climáticas: o que diz a ciência
Entrevista com o Prof. Paulo Artaxo
1 – Qual a importância da ciência para a preservação do meio ambiente?
Políticas públicas baseadas em ciência sempre têm maior efetividade e benefícios para nossa sociedade. Em particular na questão da degradação ambiental, vemos que muitas indústrias e atividades econômicas, como a mineração, vão pelo lucro mais rápido não importa o impacto ambiental e social. Muitos setores econômicos no Brasil precisam evoluir para estratégias onde as questões socio-econômica e ambiental sejam levadas em conta na cadeia produtiva da empresa.
2- O quão vulnerável às mudanças climáticas o Brasil é?
Os últimos 3 relatórios do IPCC mostram claramente que o Brasil é um país muito vulnerável às mudanças climáticas. Isso por causa de nossa localização tropical, por ter 8500 Km de áreas costeiras, uma economia baseada no agronegócio e um sistema de geração de eletricidade que depende da chuva, entre outros pontos. E também somos vulneráveis ao aumento da intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos, como está ocorrendo atualmente. O Brasil precisa se adaptar ao novo clima, que já mudou. As mudanças climáticas estão aqui conosco agora, e não mais no futuro. A chuva que irriga o agronegócio no Brasil central está se reduzindo, e nas próximas décadas será reduzida ainda mais, podendo comprometer a produtividade agrícola do Brasil central.
3- Quais os principais emissores de gases de efeito estufa no mundo?
Globalmente, cerca de 83% das emissões de gases de efeito estufa ocorre pela queima de combustíveis fósseis e 17% pelo desmatamento de florestas tropicais. No Brasil, 44% das emissões ocorre pelo desmatamento da Amazônia. O Brasil tem vantagens estratégicas, pois nenhum outro país consegue reduzir suas emissões em 44% em alguns anos, com muitos benefícios adicionais. O Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento da Amazônia em 2028, mas precisamos da implementação de políticas públicas para que esta necessária tarefa seja realizada.
4 - Além da recorrência de eventos extremos, quais efeitos do aquecimento global já estamos sentindo no país?
O Brasil tem regiões que já se aqueceram mais de 2 graus centígrados, que é o dobro da média mundial. A precipitação no Nordeste brasileiro e no Brasil central já foi reduzida em 10 a 20%, dependendo da região. A chuva no sul do Brasil aumentou em média. O aumento do nível do mar está acelerando a erosão costeira, em particular no Nordeste. As chuvas estão muito mais fortes e concentradas, com impactos socio-econômicos fortes em todas as regiões do país. A Amazônia pode estar entrando em um regime de transição, com perda de carbono por degradação florestal devido às mudanças climáticas. São alterações fortes no clima, com impactos socioeconômicos importantes para nossa sociedade.
5 - O que cabe ao Brasil no combate ao aquecimento global?
O Brasil tem vantagens estratégicas que deveria aproveitar para retomar seu papel de liderança ambiental, que perdeu no atual governo. Temos enormes vantagens estratégicas e vulnerabilidades importantes, que devem ser levados em conta no planejamento estratégico do país. Podemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030, conforme comprometido pelo governo no Acordo de Paris e na COP-26. Isso levaria o Brasil de volta à liderança ambiental global, com vantagens estratégicas importantes. Temos que desenvolver estratégias para a Amazônia que não comprometam a floresta. Temos que adaptar nossas cidades aos eventos climáticos extremos, e temos que aproveitar o enorme potencial de geração de energia solar e eólica tanto no Nordeste quanto nas demais regiões.