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Campanha Novembro Azul alerta para a necessidade de os homens retomarem os cuidados com a própria saúde
O mês está acabando, mas o alerta promovido pela campanha mundial Novembro Azul, conscientizar os homens sobre os cuidados com a saúde, em especial o câncer de próstata, precisa ser permanente. A doença é a causa da morte de 28,6% da população masculina que desenvolve tumores malignos. No Brasil, onde um homem morre a cada 38 minutos devido a tumor na próstata, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a doença é o segundo tipo de câncer mais frequente entre os homens, atrás apenas dos tumores de pele não-melanoma. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Urologia , ao longo do ano de 2021 a previsão é a de que sejam diagnosticados 65 mil novos casos de câncer de próstata. Se detectada na forma inicial, a doença pode ter 90% de chances de cura. Por isso os especialistas da área recomendam que homens a partir dos 50 anos de idade procurem um urologista ao menos uma vez ao ano, para realizar exames de toque retal e também de sangue, para avaliar a dosagem do antígeno prostático específico (PSA). Calcula-se que cerca de 20% dos pacientes com câncer de próstata sejam diagnosticados apenas pela alteração no toque retal. Se houver histórico familiar da doença na família, os homens devem adotar essas medidas a partir dos 45 anos.
O alerta do Novembro Azul torna-se relevante em especial neste momento, quase dois anos após o início da pandemia, quando se atenta para os impactos do período na saúde masculina, sobretudo no diagnóstico e no tratamento do câncer de próstata. Em face do atraso cirúrgico emergencial e eletivo durante a pandemia, mais de um milhão de cirurgias foram canceladas ou adiadas e os procedimentos cirúrgicos para tratamento do câncer de próstata também foram impactados. Segundo dados obtidos pela Sociedade Brasileira de Urologia, no período houve uma queda de 27% nos exames de PSA e uma baixa de 21% nas biópsias da próstata. Da mesma forma, informações do Ministério da Saúde revelam que ocorreu uma redução de 21,5% nas cirurgias para a retirada da próstata por câncer, em comparação com os anos de 2019 e de 2020. O número de consultas urológicas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) caiu 33,5%, bem como as internações de pacientes com o diagnóstico da doença, que apresentaram queda de 15,7%. Em 2021, as consultas com urologistas continuam baixas. Até julho deste ano, foram realizadas pouco mais de 1,8 milhão de consultas, menos da metade das ocorridas em 2019 (4,2 milhões) e pouco mais da metade das realizadas em 2020 (2,8 milhões). O quadro é preocupante, visto que dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde indicam que a mortalidade por câncer de próstata no Brasil aumentou cerca de 10% em cinco anos, subindo de pouco mais de cerca de 14 mil casos registrados em 2015 para cerca de 16 mil casos registrados em 2019. Os dados estão disponíveis na página eletrônica da Sociedade Brasileira de Urologia.
A campanha Novembro Azul enfatiza, assim, a necessidade de os homens retomarem os cuidados com a saúde e voltarem a ir ao médico, visto que o diagnóstico precoce do câncer de próstata é fundamental para aumentar as chances de cura. Esse tipo de câncer é uma doença que não manifesta sintomas na fase inicial e acontece quando as células da próstata, uma glândula de cerca de 20 gramas do sistema reprodutor masculino, com forma semelhante a uma castanha e localizada abaixo da bexiga, começam a se multiplicar de forma desordenada. Alguns desses tumores podem crescer com rapidez, espalhando-se por outros órgãos, podendo levar os pacientes a óbito. A maioria dos tumores, porém, cresce de forma tão lenta que não chega a dar sinais durante a vida do homem. Os sintomas somente aparecem na fase avançada da doença, podendo provocar dores fortes, inclusive a óssea, sintomas urinários, insuficiência renal e infecção generalizada. Nesse estágio, cerca de 95% dos tumores não respondem a tratamento, sendo potencialmente fatais aos pacientes.
Além do histórico familiar, alguns dos fatores de risco para o câncer de próstata são idade, raça, obesidade e sedentarismo. O câncer de próstata é considerado um câncer da terceira idade, visto que cerca de 75% dos casos no mundo ocorrem em homens a partir dos 65 anos. A incidência e a mortalidade da doença também aumentam de forma significativa após os 50 anos. Além disso, a doença tem maior incidência entre os homens negros. A alimentação inadequada, à base de gordura animal e deficiente em grãos, frutas, verduras e legumes constitui outro fator de risco para a doença. O excesso de gordura corporal aumenta o risco de o paciente apresentar câncer de próstata avançado. Ainda está associada ao câncer de próstata a exposição a substâncias como aminas aromáticas, comuns nas indústrias química, mecânica e de transformação de alumínio; arsênio, utilizado como conservante de madeira e como agrotóxico; produtos de petróleo; motor de escape de veículo; hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, conhecidos por HPA; fuligem e dioxinas.
Os tratamentos para o câncer de próstata variam de cirurgia a radioterapia, no caso de doença que só atingiu a próstata e não se espalhou para outros ógãos, a cirurgia em combinação com tratamento hormonal, quando o tumor se encontra avançado. No caso de metástase, quando o câncer já se espalhou para outras partes do corpo, o tratamento mais indicado é a terapia hormonal. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os homens usuários de planos de saúde têm direito a procedimentos preventivos e a tratamentos e procedimentos reabilitadores para câncer de próstata. Os planos, assim, são obrigados a cobrir dois exames com importante papel para o diagnóstico da doença, como o exame de toque retal e o exame de sangue PSA. No sistema público de saúde, segundo o INCA, existem no Brasil 317 unidades e centros de assistência habilitados no tratamento dos mais diversos tipos de câncer e todos os estados brasileiros possuem ao menos um hospital habilitado na área de Oncologia, em que os pacientes poderão encontrar de exames a cirurgias mais complexas. Cabe às secretarias estaduais e municipais de Saúde organizar o atendimento dos pacientes, definindo para que hospitais os pacientes provenientes da Rede de Atenção Básica deverão ser encaminhados.
Para reforçar a importância do Novembro Azul e responder algumas dúvidas sobre o câncer de próstata, convidamos o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, livre docente em Urologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP e professor de Uro-Oncologia da Universidade de Campinas-UNICAMP, Dr. Leonardo Oliveira Reis para uma entrevista sobre o assunto.
CNPq - Embora dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) indiquem que a mortalidade por câncer de próstata no Brasil haja aumentado cerca de 10% em cinco anos e o câncer de próstata seja a segunda doença mais frequente entre os homens, atrás apenas do câncer de pele, ainda existe preconceito quanto aos exames necessários para detectar essa enfermidade. O que fazer então para mudar esse quadro? Uma campanha realizada apenas uma vez ao ano é suficiente para reverter esses índices?
Leonardo Reis - O maior papel das campanhas é de informação e conscientização da população, minimizando desinformação e preconceitos. A avaliação médica deve ser individualizada, com base na decisão informada e compartilhada do paciente, e em consonância com seus valores e crenças. Diagnósticos são essenciais para a qualidade de informações sobre mortalidade. O percentual de mortes por câncer de próstata que não são identificadas como tal (subnotificação) é tanto maior quanto menos diagnósticos são feitos. Portanto, o aumento na mortalidade por câncer de próstata no Brasil, pode, entre outras possibilidades, ser explicado por avanços no diagnóstico e notificação. Outro dado importante e pouco disseminado é o amplo espectro de apresentação desta neoplasia que varia de quadros indolentes a letais. Segundo o INCA , mesmo sendo o câncer mais incidente (29,2 %), corresponde à segunda causa de óbito (13,1 %), com a menor relação óbitos / casos novos (0,24) dentre as neoplasias com maior incidência.
CNPq - Como conscientizar a população de que os exames para câncer de próstata devem ser frequentes, a partir dos 50 anos? Deve-se enfatizar mais que doença é silenciosa e, quando os sintomas aparecem, ela já está em estágio avançado?
Leonardo Reis - Além da frequência da doença e de seu padrão “silencioso”, no qual sintomas ocorrem tardiamente, frequentemente relacionados à sua disseminação (metástases), são também centrais na decisão de rastreio a acurácia (precisão) dos métodos disponíveis para identificar pacientes em maior risco e os casos mais graves, a disponibilidade de tratamentos que interferem na história natural da doença (minimizam danos) e fatores concorrentes no comprometimento da qualidade e tempo de vida dos pacientes. Deste modo, as campanhas devem informar e conscientizar a população sobre ações que visam promover a saúde em contexto amplo, prevenindo ou minimizando danos, a partir de informação de qualidade e baseada na melhor evidência científica disponível. Muito além de questões da próstata, o “novembro azul” tem a missão de combater desinformação e preconceitos e promover a atenção à saúde masculina.
CNPq - Ao contrário do câncer de mama, em que é possível realizar o autoexame, o câncer de próstata não tem essa indicação, não?
Leonardo Reis - Considerando o passo da ciência, muito provavelmente evoluiremos para métodos mais precisos e menos invasivos num futuro próximo. A próstata é menos acessível ao autoexame (“toque”), ao contrário das mamas, e dos testículos que são órgãos externos. E ainda que a semiologia do exame prostático tenha sido normatizada para alunos de medicina que têm conhecimento anatômico, o mesmo ainda não é uma realidade para população leiga.
CNPq - Com a pandemia, muitas pessoas interromperam tratamentos médicos e várias cirurgias eletivas foram canceladas. A situação afetou também o tratamento para câncer de próstata. Esse quadro já está sendo revertido?
Leonardo Reis - O sistema de saúde, especialmente público, considerando sua elevada demanda, está habituado a oferecer tratamento com base na classificação de risco (ou seja, priorizar o mais grave com chance de se beneficiar com tratamento). Embora os maiores centros médicos nunca pararam de atender problemas não relacionados ao COVID, foi inevitável o represamento que vem sendo minimizado com o avanço da vacinação e do conhecimento acerca da infecção pelo SARS-CoV-2, permitindo o redirecionamento de recursos e esforços para os diversos problemas de saúde.
CNPq- Por que obesidade e sedentarismo são alguns dos fatores de risco para o câncer de próstata?
Leonardo Reis - Obesidade e sedentarismo promovem estado hipercatabólico e de inflamação sistêmica subclínica crônica que, além de aumentar risco cardiovascular, interfere negativamente na indução e promoção de neoplasias, inclusive próstata. Deste modo, apresentam significativo potencial degradante no risco, na gravidade de neoplasias, na qualidade de vida e longevidade, sendo importantes fatores a serem combatidos.