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Bolsista do CNPq publica artigo sobre os efeitos do El Niño na floração de diatomáceas na Antártica
O bolsista de Iniciação Tecnológica e Industrial do CNPq e graduando do quinto ano de Oceanologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Raul Rodrigo Costa , é o primeiro autor de artigo que discute as condições ideais de crescimento para um dos grupos mais comuns de fitoplâncton (organismos aquáticos microscópios que povoam mares, rios, lagos composto por microalgas e cianobactérias) dos ecossistemas Antárticos - as diatomáceas. As diatomáceas são algas unicelulares e suas florações são importantes para a assimilação pelos oceanos do dióxido de carbono, um dos principais gases-estufa.
O pesquisador é bolsista do projeto ECOPELAGOS vinculado à Chamada 21/2018 do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) pelo qual os estudos foram realizados. Os resultados publicados no artigo, assinado, também, por outros bolsistas do CNPq, foram os primeiros a apontar sob o ponto de vista estatístico o que seria um nicho fundamental ideal em águas antárticas para o crescimento das diatomáceas em uma região impactada pelos efeitos das mudanças climáticas. Para Raul Costa, um outro aspecto relevante da pesquisa foi o avanço do estudo em relação a trabalhos anteriores, publicados em nível mundial. “Estudar como as diatomáceas estão e vão se portar devido aos impactos nos ecossistemas marinhos provocados pelas mudanças climáticas, é crucial para entendermos a resiliência futura dos nossos oceanos”, observa ele, que completa “quando me refiro à resiliência, me refiro também a outros aspectos, como os recursos pesqueiros e a biodiversidade presente nos oceanos, ou seja, está tudo ligado. Em última instância, tudo vai afetar a gente, digo, a sociedade”, conclui Raul.
O estudo avalia como estas microalgas prosperam sob os efeitos do fenômeno El Niño, em um ecossistema Antártico impactado pelas alterações climáticas. O texto foi publicado pela Nature – communications earth & environment em dezembro de 2021. Raul e os outros autores que assinam o artigo investigaram a relação entre o primeiro El Niño extremo do século XXI, ocorrido entre 2015 e 2016, com o crescimento atípico do fitoplâncton dominado pelas diatomáceas durante a primavera e o verão do mesmo período, ao longo do Norte da Península Antártica. Os pesquisadores verificaram que, no intervalo de tempo estudado, os efeitos do El Niño, fenômeno de variabilidade climática de larga escala, que se inicia no Pacífico Equatorial, influenciaram nos padrões de ventos locais, gerando, em geral, ventos de sul, mais frios e fracos.
Os estudos foram os primeiros a apontar sob o ponto de vista estatístico o que seria um nicho fundamental ideal em águas antárticas para o crescimento das diatomáceas em uma região impactada pelos efeitos das mudanças climáticas
Ao comparar alguns parâmetros físicos por meio de sensoriamento remoto e de estações meteorológicas locais, os estudiosos perceberam que a primavera-verão entre 2015 e 2016 foi mais fria do que a média da década de 2010 a 2019. A baixa temperatura se refletiu em maiores concentração e duração de gelo marinho, além do aumento da clorofila-a, um proxy de biomassa do fitoplâncton. Na Biologia, proxy é um termo utilizado para designar uma medição indireta. Os efeitos do fenômeno El Niño neutralizaram os impactos da tendência positiva do Modo Anular Sul, associado ao aumento da temperatura do ar e do oceano, o que tem levado a temperaturas locais mais quentes, diminuindo a concentração e a duração do gelo marinho ao longo da Península Antártica nas últimas décadas. Assim, os resultados que associam a floração massiva de diatomáceas ao El Niño são um indicativo de que essas microalgas podem estar sendo afetadas pelas tendências positivas do Modo Anular Sul e, portanto, pelos efeitos das mudanças climáticas. “Os resultados indicaram que as diatomáceas não estão crescendo sob condições de derretimento glaciar localizado”, afirma Raul Costa.
As diatomáceas são algas unicelulares e suas florações são importantes para a assimilação pelos oceanos do dióxido de carbono, um dos principais gases-estufa
Embora existam algumas pesquisas sobre o El Niño de 2015 e 2016, um dos mais fortes já registrados, gerando temperaturas anormais na superfície do mar de mais de 2,5 graus Celsius na zona tropical do Oceano Pacífico, ainda não se havia estabelecido uma relação clara entre intensas florações de diatomáceas e os efeitos extremos gerados por um El Niño extremo. “A publicação é uma contribuição do Grupo de Oceanografia de Altas Latitudes (GOAL) da FURG”, afirma o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professor do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica, do Instituto de Oceanografia da FURG, Carlos Rafael Mendes , que também assina o artigo. As diatomáceas desempenham funções cruciais nos ciclos biogeoquímicos dos oceanos e na estrutura trófica, isto é, nas relações alimentares entre as várias espécies constituintes de uma comunidade . Essas algas unicelulares geram de 20 a 50 por cento do oxigênio molecular libertado na atmosfera terrestre a cada ano. Porém, devido ao aquecimento gradual dos pólos, a biomassa de diatomáceas tem diminuído de forma substancial nas últimas décadas, em especial nas regiões da Antártica que passam por mudanças ecossistêmicas profundas.
Algumas espécies de diatomáceas atingem tamanho celular relativamente grande, o que permite um emaranhamento mais eficiente das células, ou seja, uma célula fica presa a outra, durante as florações. O fato aumenta a taxa de sedimentação dessas microalgas, que utilizam luz solar e dióxido de carbono da água durante seu crescimento. Quando afundam, levam esse dióxido de carbono para o fundo dos oceanos, o que os pesquisadores chamam de “bomba biológica”. Embora não sejam o único grupo de fitoplâncton responsável pelo seqüestro do dióxido de carbono atmosférico, as diatomáceas são consideradas muito eficientes na tarefa. Quando o dióxido de carbono transportado na forma particulada atinge profundidades abaixo de 1000 metros e chega até o fundo do oceano, pode ficar aprisionado lá por milhares de anos. Quando as diatomáceas não afundam e são consumidas em águas superficiais por outros organismos, elas são altamente energéticas para os consumidores primários, mostrando-se relevantes para o fluxo de energia ao longo das cadeias tróficas.
Para desenvolver o estudo, a equipe de pesquisadores analisou o fitoplâncton presente em amostras de água coletadas em campo durante a primavera e o verão entre os anos de 2015 e 2016 no Norte da Península Antártica. O fitoplâncton das amostras foi analisado pela técnica de Cromatografia Líquida de Alto Desempenho, o que permitiu aos pesquisadores separar e quantificar os pigmentos contidos nos cloroplastos presentes nas células das amostras. Além disso, os pesquisadores trabalharam com um software de taxonomia química, que permite quantificar a contribuição relativa e absoluta de cada grupo de fitoplâncton, por meio da proporção de pigmentos acessórios biomarcadores em relação à clorofila-a, tipo mais abundante de pigmentos verdes encontrados nas plantas e que tem papel fundamental no processo de fotossíntese.
O próximo passo do grupo de pesquisa é desenvolver um índice que consiga representar quantitativamente o estresse de luz, ou a falta dele, utilizando a clorofila-a. Raul Costa diz que a medição de luz em campo é complicada devido a algumas interferências, como as nuvens e o sombreamento do próprio navio e equipamento utilizado, a roseta. “Nosso objetivo é usar este índice para provar que as diatomáceas estão sendo expostas a um excesso de radiação em camadas rasas de mistura, que são provocadas pelo derretimento glaciar localizado. Nós já temos alguns indícios, mas estamos buscando provas concretas”, afirma ele.
Para Raul, participar de um grupo de pesquisa como o GOAL/FURG é um feito que ele sempre buscou. “E hoje, eu tenho profissionais da ciência que acreditam no meu trabalho e me permitem usar dados muito valiosos. Então, eu não tenho palavras para descrever esta experiência, o que posso dizer é que dou o meu melhor todos os dias, esperando nunca decepcionar essas pessoas que acreditam em mim e no meu trabalho”, diz ele, que espera aumentar a qualidade de seus trabalhos futuros, evoluindo como pesquisador. Além de Raul e do professor Carlos Rafael Mendes, também assinam o artigo o pesquisador português Afonso Ferreira ; o bolsista de Produtividade em Pesquisa e membro do Comitê Assessor de Oceanografia do CNPq, Eduardo Resende Secchi , do Instituto de Oceanografia da FURG; e os também professores do mesmo instituto Virgínia Maria Tavano e Tiago Segabinazzi Dotto .