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Artigo assinado por brasileiros encerra décadas de especulações sobre a interação gravitacional da antimatéria
Pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicaram em setembro, na revista Nature, artigo demonstrando que a aceleração da gravidade sobre a antimatéria é compatível com a da matéria. De acordo com o professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Cláudio Lenz César, um dos cientistas que assinam o artigo, o experimento que originou o artigo é o primeiro direto de medida do efeito da gravidade sobre o movimento de antimatéria já realizado e significa que o efeito da gravidade sobre a antimatéria é compatível com o efeito da gravidade sobre a matéria, o que exclui a possibilidade da antigravidade, isto é, a repulsão gravitacional entre matéria e antimatéria. O experimento inaugura o caminho para medidas de alta precisão, em que há possibilidade de a interação gravitacional entre matéria e antimatéria ser um pouco diferente daquela entre matéria e matéria. “Se isso ocorrer, toda a compreensão da Cosmologia e história do Universo pode ser bem diferente”, comenta o professor Cláudio Lenz. Ele lembra que não existe uma boa teoria Quântica da Gravitação e que os modelos atuais da Física são incompletos, visto que os cientistas ainda não conseguiram desvendar os mistérios da ausência de antimatéria primordial no Universo, ou uma boa explicação para toda a massa de matéria que temos no Universo, bem como não descobriram os mistérios da Matéria e Energia Escuras. “No nosso caso, somos o único grupo do mundo que detém antimatéria neutra (átomos neutros) e frios (baixas energias de movimento) para poder fazer esses experimentos”, afirma o professor.
O conteúdo do artigo publicado na Nature encerra décadas de especulações de cientistas de todo o mundo, que investigavam se a antimatéria iria interagir com a matéria gravitacionalmente do mesmo jeito que acontece com a matéria. A equivalência gravitacional é prevista pela teoria de Albert Einstein e tem se mostrado bem precisa. Para o experimento, os pesquisadores utilizaram um detector de aniquilação cobrindo toda a extensão da armadilha e observaram quantos anti-átomos escapam para cima e quantos vão para baixo. Ao escapar da armadilha, o anti-átomo colide com as paredes e se aniquila permitindo, dessa forma, sua detecção.
Uma precisão maior da medida é obtida compensando o efeito da gravidade pela aplicação de pequenas diferenças de campo magnético acima e abaixo da amostra. O princípio de equivalência de Einstein que previa que todos os corpos caem sob efeito da gravidade com a mesma aceleração, de forma independente de sua composição, continuou válido frente às medidas de aceleração da gravidade mostradas nos resultados. O experimento que motivou o artigo científico publicado foi realizado no âmbito da colaboração ALPHA entre pesquisadores de diversas nacionalidades na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, conhecida pela sigla CERN. Essa cooperação fez o primeiro aprisionamento de antihidrogênio, a medida mais precisa já realizada com antimatéria pela espectroscopia a laser, e, em período recente, realizou a primeira medida de queda do anti-átomo sob efeito da gravidade terrestre.
A concepção original do experimento já havia sido descrita pelo professor Cláudio Lenz em 1997 e é considerada simples pelos especialistas da área. Os anti-átomos são aprisionados em uma armadilha vertical e as barreiras magnéticas posicionadas acima e abaixo da amostra teriam que ser absolutamente idênticas e seriam lentamente reduzidas. Se os antihidrogênios experimentassem “antigravidade” a maioria deles escaparia para cima, caso contrário, os antihidrogênios escapariam para baixo.Sempre existirá uma fração dos átomos que escapa em direção contrária à da aceleração da gravidade, pois os átomos começam com energia cinética de movimento alta comparada com a diferença da energia potencial gravitacional ao longo da armadilha. O grupo brasileiro no ALPHA, baseado na UFRJ e no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), tem sido apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Rede Nacional de Física de Altas Energias (RENAFAE) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). No momento, o grupo trabalha no desenvolvimento de uma técnica de geração de íons frios negativos de hidrogênio, para introduzir hidrogênio na mesma armadilha do antihidrogênio e, assim, poder realizar uma comparação direta entre o átomo e o anti-átomo. A comparação direta entre átomos e anti-átomos vai permitir um salto na precisão dos testes fundamentais na fronteira da Física atual.
Enquanto isso, outros experimentos buscam em diferentes regimes possíveis mecanismos que expliquem esse mistério da assimetria entre matéria e antimatéria. Dois deles são desenvolvidos no CERN: o LHCb, um dos oito experimentos detectores de partículas a coletar dados no maior acelerador de partículas do mundo, o Large Hadron Collider, conhecido pela sigla LHC; e o BASE, que mede as oscilações de um único antipróton confinado dentro de uma armadilha eletromagnética. O Brasil em breve deve se tornar país membro do CERN, em convênio que se encontra no Congresso Nacional para aprovação e que deverá ter sanção presidencial para entrar em vigor. O convênio permitirá ao Brasil ter protagonismo maior nos experimentos na fronteira do conhecimento e que podem apenas ser realizados no CERN, devido à infraestrutura de aceleradores.