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Aplicativo que indica risco de violência doméstica para mulheres pode auxiliar decisões de profissionais de saúde de atenção básica
Colaboração de pesquisadores da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), coordenada pela professora Kerle Dayana Tavares de Lucena , criou o aplicativo VCMulher , que calcula o risco de uma mulher estar sofrendo violência doméstica. O aplicativo poderá ser utilizado por qualquer profissional de saúde da atenção básica para detectar situações de risco para esse tipo de violência no atendimento a mulheres, facilitando a tomada de decisões. Com base em evidências, os profissionais de saúde poderão prestar assistência de forma mais adequada, encaminhando as pacientes para as providências necessárias. O projeto foi desenvolvido no âmbito da Chamada Universal CNPq-MCTI Nº 1/2016, para propostas com valor de até R$ 30.000,00.
Além de calcular o risco de violência doméstica baseado em dados estatísticos, o VCMulher apresenta também serviços como telefones de todas as delegacias do município, incluindo as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, redes de apoio para onde as mulheres poderão ser encaminhadas, guias e manuais para o manejo de mulheres em situação de violência. O VCMulher se encontra em fase de pedido de patente e os pesquisadores esperam que, no futuro próximo, o aplicativo seja distribuído de forma gratuita a gestores e profissionais de saúde. Na fase piloto, o aplicativo foi testado em João Pessoa, Paraíba. A ideia era também a de aplicar o VCMulher em Maceió, Alagoas, mas os planos foram suspensos devido à pandemia.
Para chegar ao resultado final, com o aplicativo apto a ser utilizado pelos profissionais de saúde, os pesquisadores trabalharam no projeto em duas fases. Na primeira, elaboraram um protótipo capaz de emitir um diagnóstico utilizando como referência o padrão de Redes Neurais, modelo estatístico de decisão registrado por sistema computacional, criado com base nas interações entre os neurônios humanos. A rede, composta por neurônios artificiais conectados entre si e formando sinapses, registra os impulsos nervosos, que se propagam pela extensão dos neurônios artificiais. O sistema do VCMulher foi alimentado por grande quantidade de informações, dados quantitativos e qualitativos, que auxiliam os neurônios artificiais na qualidade das previsões. Esse banco de dados foi extraído da tese de doutorado da coordenadora do projeto e contém variáveis relacionadas aos perfis sociodemográfico e epidemiológico, à qualidade de vida de mulheres acima de 18 anos e dados acerca da mensuração dos tipos de violência perpetrada pelo parceito íntimo das mulheres. Para a construção desse banco de dados, a pesquisadora Kerle de Lucena coletou informações por meio de questionário aplicado a 438 mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), selecionadas de forma aleatória, de acordo com o atendimento nas unidades de saúde da família de João Pessoa. Mais de 50% das entrevistadas indicaram que já haviam sofrido um tipo de violência doméstica nos termos da pesquisa.
Na segunda fase da pesquisa, os pesquisadores trabalharam com a operacionalização do aplicativo VCMulher. Com o aplicativo, foi possível realizar o acesso ao sítio eletrônico vcmulher.com.br por meio de tablet ou celular. Durante projeto piloto realizado em João Pessoa, os profissionais de saúde foram treinados para usar dispositivo móvel em que o aplicativo VCMulher estava instalado. Após aplicar a pesquisa do VCMulher nas usuárias dos serviços de atenção básica, esses profissionais responderam formulário pessoal com questões sobre situações sociais, profissionais e de atendimento a mulheres, além de perguntas de avaliação do aplicativo.
A análise dos formulários respondidos por esses profissionais de saúde indicou que 84% deles apresentavam mais de um ano de trabalho no local de atuação, fato relevante para o vínculo com as mulheres da comunidade e para o conhecimento dos determinantes e de condicionantes do processo saúde/doença. Porém, as respostas dadas por esses profissionais indicaram também que 67% deles não conheciam os protocolos de atendimento à mulher em situação de violência e que 83% deles não se sentiam seguros ao atender casos de violência contra a mulher. Ademais, 41% dos profissionais confessaram não conhecer a rede de serviços disponível para mulheres em situação de violência. Os pesquisadores consideraram alarmante o fato de 16% dos profissionais terem afirmado não julgar relevante a qualificação para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher.
A avaliação geral do aplicativo VCMulher apresentou 83% de aprovação pelos profissionais de saúde da atenção básica. A maioria desses profissionais concordou que as informações disponíveis no aplicativo serão úteis no respectivo processo de trabalho. O aplicativo demonstrou ser de fácil utilização mesmo para indivíduos que possuem conhecimentos básicos de informática e também ganhou pontos por apresentar estética de sistema agradável de ser utilizada. O modelo de projeto piloto avaliou 165 mulheres e indicou que 49% delas possuíam risco alto de sofrer violência. Do total de avaliadas, 19% possuíam mais de 90% de probabilidade para violência doméstica enquanto 50% das avaliadas se encaixavam em risco médio. Apenas duas mulheres, 0,01% da amostra, apresentaram risco baixo para sofrer violência doméstica.
Os pesquisadores que trabalharam no projeto ressaltam que, além de ajudar na qualificação dos profissionais de saúde para o reconhecimento de sinais de violência contra mulheres e o correto atendimento dessas pacientes, o VCMulher poderá auxiliar a produção de mapas de risco e de vulnerabilidade das mulheres em situações de violência doméstica, auxiliando gestores no processo de tomada de decisão no âmbito da construção e de implementação de políticas públicas eficazes no enfrentamento do problema. A violência doméstica é uma das principais causas de morte no Brasil, sendo considerada um problema de saúde pública por ter impacto significativo na saúde física e mental das mulheres em situação de violência. Nesse contexto, são comuns problemas como depressão, hipertensão arterial, doenças cardíacas, transtornos da ansiedade, distúrbios do sono e alimentação, acidente vascular encefálico, paralisia facial e comprometimentos da sexualidade.
Estima-se que no país, cerca de 40 mil mulheres procurem assistência no Sistema único de Saúde (SUS) por problemas desencadeados pela violência. Este fato representa uma despesa anual de mais de R$ 5 milhões apenas com internações. É provável que esses valores estejam subestimados, devido à subnotificação de casos. Além disso, a violência atinge a autonomia, destrói a autoestima e reduz a qualidade de vida das vítimas, gerando conseqüências para a estruturação social, pessoal e familiar.
A violência responde por cerca de 7% das mortes de mulheres entre 15 a 44 anos em todo o mundo. Acredita-se que, dos óbitos oriundos da violência doméstica, mais de 50% apresentem como autor do crime o cônjuge da vítima ou um parceiro ou ex-parceiro da vítima. No Brasil, de acordo com dados do Atlas da Violência de 2019, 4.936 mulheres foram assassinadas no país em 2017, o que indica a morte de, em média,13 mulheres por dia. Apenas no período de 2007 a 2017, houve aumento de 30,7% no número de homicídios de mulheres no Brasil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2016, indicaram que 29% das brasileiras sofrem ou já sofreram algum tipo de violência, sendo que apenas 11% dessas mulheres procuraram uma delegacia da mulher. Em 43% dos casos, a agressão mais grave ocorreu no próprio domicílio. Além da coordenadora, Kerle de Lucena , também participaram da equipe da pesquisa, Elaine Cristina Tôrres Oliveira , Hemílio Fernandes Campos Coelho , Ronei Marcos de Moraes , Rodrigo Pinheiro de Toledo Vianna , Yana Balduíno de Araújo e Layza de Souza Chaves Deininger .