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“Teleconexões atmosféricas”: o que são e como podem ajudar a construir modelos para prever e enfrentar secas na Amazônia
“O bater de asas de uma borboleta no Brasil pode provocar um furacão no Texas.” Você provavelmente já escutou essa frase, cunhada pelo meteorologista Edward Lorenz, em 1961. Nesse mesmo sentido, pesquisadores brasileiros estão demonstrando que a recente seca na ocorrida na Amazônia, pode ter relações significativas com fenômenos meteorológicos em distantes regiões do globo, que não se encontram fisicamente ligadas. São as chamadas teleconexões.
Esse grupo, em grande parte integrado por pesquisadores com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq, publicou na revista científica Atmospheric Research artigo mostrando os resultados de uma pesquisa que verificou o papel-chave das teleconexões atmosféricas na formação da dinâmica da seca na região da Amazônia Legal brasileira, evidenciando que acontecimentos em uma parte do mundo podem sim influenciar o clima em outra área geográfica. O estudo foi baseado no Índice de Anomalias de Precipitação do Centro Global de Climatologia de Precipitação (GPCC), para o período de 1970 a 2019, e fornece uma base para modelos preditivos e estratégias de mitigação para o combate aos desafios induzidos pelo clima na região, incluindo estratégias para a detecção precoce da intensidade e das áreas a serem afetadas.
“Nosso estudo avança a estrutura metodológica para analisar influências climáticas nos padrões regionais de seca, oferecendo um modelo integrado para avaliar a previsibilidade de tais eventos”, afirma o artigo, que tem como como primeiro autor o bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq, Celso Augusto Guimarães Santos , professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), instituição de outros três coautores Richarde Marques da Silva (também bolsista PQ), Daris Correia dos Santos e Reginaldo Moura Brasil Neto. Também assinam o artigo o professor da Universidade Federal de Campina Grande Carlos Antônio Costa dos Santos (mais um bolsista PQ); e o pesquisador da Universidade do Sul do Alabama, Estados Unidos, Gabriel de Oliveira.
O estudo apresenta estratégias de gerenciamento de recursos hídricos, fator essencial para a administração sustentável de recursos naturais da Amazônia. Ao longo dos anos, a elaboração e o aprimoramento de sistemas de monitoramento e previsão de secas tornaram-se cruciais, implicando na necessidade de maior compreensão dos processos por trás do desenvolvimento da seca, fenômeno que pode afetar vastas regiões continentais, representando riscos naturais que trazem, ainda, implicações sociais, econômicas e ambientais.
A região amazônica possui características climáticas únicas, com significativa variabilidade sazonal de precipitação. Esse cenário é desafiador, pois áreas com alta precipitação pluviométrica são intercaladas com zonas com menor precipitação. A compreensão dessa variabilidade espacial e sazonal é essencial para se avaliar os padrões de precipitação naquela área geográfica. Embora estudos anteriores já tenham contribuído para a compreensão do quadro na Amazônia, havia ainda uma lacuna na análise abrangente das intricadas teleconexões atmosféricas e sua influência direta nos padrões de seca da Amazônia Legal Brasileira.
A novidade do artigo é o emprego métodos estatísticos avançados para avaliar a sincronicidade e a divergência entre os principais índices climáticos e sua associação com a variabilidade das chuvas, oferecendo novas propostas sobre os mecanismos subjacentes. “Ao conduzir essa análise holística, nossa pesquisa não apenas contribui para uma compreensão mais profunda das flutuações climáticas regionais, mas também aprimora a previsibilidade de futuros eventos climáticos, informando assim as estratégias mais eficazes de adaptação e gerenciamento de recursos”, escrevem os autores.
Reconhecida como a maior floresta tropical do mundo, a região da Amazônia desperta interesse científico devido à abundância de recursos de água e de energia solar, bem como ao papel crucial de armazenamento de carbono, vital para a regulação climática. A região, porém, experimenta a variabilidade das chuvas diretamente influenciada pelos oceanos Atlântico e Pacífico. As secas graves de 2005, 2010, e do biênio 2015/2016, na Bacia da Amazônia, levantaram preocupações com relação à sua frequência, gravidade e impactos nas florestas do bioma. Esses eventos estavam ligados ao aquecimento das águas da superfície no Atlântico Tropical Norte. Estudos anteriores já demonstraram também que, por causa do aquecimento das águas do Pacífico Equatorial central, fenômeno associado ao El Niño, a zona de convergência intertropical muda de forma anormal para o norte sobre o Atlântico tropical. Essa modificação enfraquece os ventos alísios do nordeste, diminuindo a penetração de umidade no interior da Amazônia.
Em 2023, alguns dos autores do artigo também assinaram um texto científico publicado na revista Nature, tratando da ameaça dos incêndios florestais na Amazônia brasileira e, em maio último, também publicaram na Science artigo sobre o delta do Alabama, considerado a “Amazônia dos Estados Unidos”, devido à sua biodiversidade. Na entrevista a seguir, o professor Celso Santos explica como as teleconexões atmosféricas influenciam a seca na Amazônia brasileira, comenta os resultados da pesquisa do artigo que será publicado, fala sobre os desafios para levar os resultados da pesquisa à prática e apresenta iniciativas para se mitigar a degradação ambiental.
CNPq - Por que decidiram explorar a interação entre teleconexões atmosféricas e fenômenos da seca na Amazônia Legal brasileira e quais os principais resultados da pesquisa? Descobriram algo que surpreendeu?
Celso Santos - A escolha deste tema de pesquisa surgiu da necessidade de aprofundar a compreensão sobre a variabilidade sazonal e espacial das precipitações na Amazônia, uma região de importância climática crucial, mas sujeita a influências de padrões globais de teleconexões atmosféricas. Essas conexões podem alterar substancialmente a distribuição e quantidade de chuvas, modificando os padrões de precipitação em escala global, inclusive na Amazônia.
Os principais resultados desta pesquisa indicam que os eventos extremos de seca na Amazônia Legal estão substancialmente vinculados às variações nas teleconexões atmosféricas. As teleconexões dominantes interanuais identificadas foram: Oscilação Multidecadal Atlântica (AMO), Oscilação do Atlântico Norte (NAO), Índice Tropical do Atlântico Norte (TNA), padrão do Pacífico Norte Americano (PNA) e Circulação Meridional do Atlântico (AMOC); enquanto na escala decadal, a Oscilação Decadal do Pacífico (PDO), Índice da Oscilação Sul (SOI), Índice Niño Oceânico (ONI) e Índice Tropical do Atlântico Sul (TSA) mostraram-se preponderantes. Um achado inesperado foi a identificação de duas regiões homogêneas dentro da Amazônia Legal que reagem de maneira distintamente diferente às teleconexões, realçando a complexidade da resposta climática regional às variações globais.
CNPq - O senhor pode explicar de forma breve como essas teleconexões interferem naquela região?
Celso Santos - As teleconexões atmosféricas, como ENSO, AMO e PDO, impactam o clima ao alterar os padrões de circulação atmosférica e oceânica, influenciando as condições meteorológicas a grandes distâncias de suas origens. Na Amazônia Legal, essas teleconexões afetam a variabilidade da precipitação, tanto sazonal quanto espacialmente. Por exemplo, a AMO e o PDO podem influenciar a frequência e intensidade das secas ao modificar a temperatura superficial do oceano, o que, por sua vez, afeta a dinâmica de sistemas de alta e baixa pressão que dirigem os ventos e padrões de chuva na região. Essas teleconexões são, portanto, determinantes cruciais para entender a distribuição irregular das chuvas e a incidência de secas extremas observadas em anos específicos.
CNPq - Na prática, que tipo de contribuição os resultados obtidos pela pesquisa podem gerar?
Celso Santos - As compreensões obtidas pela análise detalhada das teleconexões atmosféricas e seus impactos sobre os padrões de seca na Amazônia Legal oferecem fundamentos robustos para o desenvolvimento de modelos preditivos de secas e estratégias de mitigação. Tais ferramentas são essenciais para o planejamento de gestão de recursos hídricos e desenvolvimento de políticas de adaptação climática. Além disso, ao melhorar a precisão das previsões de seca, as comunidades locais podem melhor se preparar e responder às variações climáticas, protegendo a biodiversidade e os ecossistemas, bem como garantindo sustentabilidade econômica e social na região.
CNPq - Ano passado, o senhor também foi um dos autores de artigo publicado em outubro na revista Nature Ecology & Evolution sobre os desafios enfrentados pela Amazônia brasileira devido ao aumento de queimadas. Em maio deste ano, teve outro artigo publicado na Science, sobre estratégias de gestão para preservar o ecossistema do delta do maior rio do Alabama, nos Estados Unidos, com frequência referido como a Amazônia norte-americana. Para um pesquisador envolvido com esses temas, quais são os maiores desafios para levar os resultados da pesquisa para a prática?
Celso Santos - Uma das maiores dificuldades em implementar as descobertas científicas na prática decorre da necessidade de alinhamento e cooperação entre políticas públicas, interesses econômicos e compromissos sociais. Os desafios são amplificados por divergências entre os objetivos de conservação e as prioridades de desenvolvimento econômico, particularmente nas áreas dominadas pela agroindústria, que muitas vezes priorizam a expansão em detrimento da preservação ambiental.
Além disso, as questões legislativas e de governança frequentemente complicam a aplicação eficaz de medidas de conservação. Por exemplo, mesmo que as pesquisas sugiram métodos de manejo sustentável, a aplicação depende de políticas regulatórias robustas, financiamento adequado e, crucialmente, uma forte vontade política, que nem sempre está presente.
CNPq - Os resultados das pesquisas apontam caminhos que se pode adotar para se mitigar a degradação ambiental, mas o que mais falta para a realização de ações que contribuam para a melhora do quadro?
Celso Santos - Embora os resultados de pesquisas forneçam diretrizes claras para ação, existem barreiras significativas para sua implementação. Uma das principais lacunas é a integração e cooperação entre entidades governamentais, organizações não governamentais e o setor privado. Isso é essencial para o desenvolvimento de estratégias integradas de conservação que sejam econômica e ecologicamente viáveis.
Além disso, há uma necessidade premente de conscientização e educação das comunidades locais e de partes interessadas sobre os benefícios de práticas sustentáveis e sobre as consequências a longo prazo da degradação ambiental. O financiamento adequado para pesquisa e implementação de políticas também é crucial, assim como o estabelecimento de sistemas de monitoramento e responsabilidade que assegurem a execução eficaz das estratégias propostas. Finalmente, incentivos econômicos para práticas de uso da terra que favoreçam a sustentabilidade podem acelerar a adoção de abordagens mais verdes por parte de atores locais e regionais.