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PELD 20 ANOS - Pesquisa de sítio do PELD é tema de volume especial do periódico Marine Biology Research
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) publicaram resultados integrados de 20 anos de estudo sobre o ecossistema do Estuário da Lagoa dos Patos (ELPA), situado no litoral do Rio Grande do Sul, em uma edição especial do Marine Biology Research , periódico internacional de pesquisas na área da biologia marinha.
O grupo integra a equipe do sítio ELPA, que vem sendo apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde a sua concepção em 1997, por meio do Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD).
O apoio contínuo à pesquisa permitiu um avanço significativo do conhecimento sobre a variabilidade da biota e as funções e processos do ecossistema. O sítio ELPA, a partir da articulação com sociedade civil e órgãos ambientais, vem contribuindo para a conservação e manejo sustentável do estuário e áreas costeiras adjacentes.
A série de artigos apresentada no periódico - 10 artigos originais e um artigo de revisão - aponta "a importância dos dados ambientais de longo prazo na descrição das mudanças no ecossistema, o monitoramento robusto dos ciclos e tendências e a avaliação adequada para estratégias de conservação", como descrevem os editores convidados Clarisse Odebrecht, Eduardo Resende Secchi, Paulo Cesar Abreu e José Henrique Muelbert e o editor do Jornal, Franz Uiblein, no editorial que introduz o volume temático.
Esse monitoramento é especialmente importante para o ELPA, pois é uma região onde a pesca é uma das atividades econômicas mais importantes, sendo, também, um dos principais fatores de mudança ambiental em seu ecossistema. Os estudos relatados nos artigos avaliam, dentre outros pontos, os efeitos da pesca sobre a abundância e dinâmica populacional das espécies exploradas e espécies protegidas no Estuário e na costa marinha adjacente.
O Sítio ELPA
A escolha do Estuário da Lagoa dos Patos e Costa Marinha Adjacente como objeto de estudo está relacionada a suas características ecológicas diversas, alta produtividade biológica e importância das atividades portuárias e industriais nessa região, localizada no extremo sul do país, área estratégica para o MERCOSUL. Além disso, já havia o registro de dados e informações ambientais desde o final do século XIX.
Imagem de Satélite da Lagoa dos Patos
Os resultados dos estudos realizados desde 1979 no Sítio ELPA, em conjunto com as análises dos 18 anos, no âmbito do PELD, segundo Clarisse Odebrecht , professora da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e uma das pesquisadores do sítio, fornecem séries de dados de quase 40 anos sobre seus componentes bióticos e abióticos da região. Essa extensa base de informação é única em estuários no Brasil, e revela dois pontos de fundamental importância sobre o funcionamento ecológico desse ambiente: uma grande variabilidade ao longo do tempo - exercendo funções determinantes em todos os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos - e a importância dos impactos naturais e da ação do homem, gerando mudanças significativas na ecologia do ELPA.
Uma das avaliações resultantes dos estudos é a influência das variações hidrológicas - chuvas e ventos - nas condições físicas e químicas da coluna de água e da dinâmica dos sedimentos no Estuário. A ecologia do ELPA é condicionada, primariamente, por essas variações que podem ser afetadas por diversos fatores tais como eventos naturais esporádicos e imprevisíveis, mas episódicos - o El Niño, por exemplo - e fortes tempestades que afetam esta região.
Nas últimas quatro décadas, foi demonstrado que essas variações, além de ações humanas como obras de dragagens e pesca descontrolada, desequilibram a estrutura e alteram a dinâmica de populações e comunidades do bentos, plâncton, nécton e a distribuição dos habitats submersos e emersos no Estuário.
Na fase quente do El Niño, por exemplo, o bloqueio das frentes causa um aumento nas taxas de precipitação e uma extensão do período de chuvas com dominância de ventos de nordeste, condição na qual a salinização das águas fica restrita à área da desembocadura trazendo impactos importantes como a quebra na safra de camarão e suas consequências socioeconômicas, além de alterações na composição da flora e fauna do estuário. Além disso, sedimentos em suspensão, nutrientes e componentes biológicos são transportados para a zona costeira e alteram a produção desse ambiente. Por outro lado, a produção de arroz inundado se beneficia com a não salinização das águas utilizadas para irrigação das lavouras. No caso de eventos de La Niña, a situação é oposta, com diminuição na precipitação pluviométrica e na descarga de água doce.
O professor da FURG e bolsista de Produtividade em Pesquisa 1B do CNPq Paulo Cesar Abreu , também do ELPA, explica que a maior quantidade de chuvas na região em anos de El Niño, até um valor limite de aproximadamente 1.500 mm de chuva por ano, leva a um aumento da biomassa de fitoplâncton. Já valores mais altos de chuva não permitem o acúmulo da biomassa de fitoplâncton no estuário, a qual é transportada para a região costeira. Por outro lado, as maiores chuvas, com consequente exportação de sedimentos da Lagoa dos Patos para a região costeira, contribuem para uma mudança significativa na comunidade do fitoplâncton na praia do Cassino, na costa marinha adjacente. Esses resultados indicam que mudanças na hidrodinâmica no ELPA representam o mecanismo mais importante no controle das florações de fitoplâncton nesse ambiente.
Similarmente, variações interanuais e interdecadais de plantas e macroalgas bentônicas do ELP são explicadas em geral pela variabilidade climática de larga escala. As maiores abundâncias históricas foram observadas nos verões do início da década de 80 (1981/1982), 90 (1991/1992) e em 2011. Os resultados de longo prazo (1999 até 2016) indicam que as áreas de plantas como as fanerógamas submersas do Estuário estão ameaçadas, indicando uma possível modificação do estado de equilíbrio ecológico do estuário. Como consequência dessa situação, mesmo com os recentes aumentos nas concentrações de nutrientes reportados pelos estudos, poderia ocorrer uma menor retenção dos nutrientes nas áreas rasas, com possíveis reflexos na produção secundária e na capacidade de sequestro de carbono destas áreas.
Todas essas mudanças modulam a composição das espécies de peixes da região, com alterações na abundância relativa e diversidade, inclusive as espécies de importância comercial e que, há muitas gerações, sustentam a pesca artesanal no estuário. Entre elas, destaca-se a tainha em suas fases de recrutamento e agregação reprodutiva, bem como a captura do camarão rosa. A alteração na entrada de ovos e larvas, que se reflete no número de organismos juvenis e adultos no estuário, devido a eventos como El Niño, influencia as pescarias de espécies comercialmente importantes, afetando a comunidade de pescadores artesanais que atuam nesta região há muitas gerações.
Lagoa dos Patos
"Deve-se ressaltar que a disponibilidade de recursos pesqueiros como a corvina, miragaia e bagres marinhos para a pesca artesanal no estuário também é afetada pela sobrepesca destas espécies nas pescarias industriais na plataforma continental adjacente", complemente José Henrique Muelbert , também professor da FURG e membro do sítio ELPA.
Portanto, é importante avaliar as possíveis alterações na dinâmica populacional e o atual estado de explotação dessas espécies, cujos juvenis e subadultos utilizam o estuário. Essas e outras espécies de peixes são presas de mamíferos marinhos, como o leões-marinhos, a toninha e, especialmente, a população de botos, residente do ELPA, e de aves aquáticas que utilizam o estuário para reprodução ou durante a migração. "Supõe-se, portanto, que o padrão de distribuição desses predadores também seja influenciado pelas variações hidrológicas. Além disso, é possível que a redução na disponibilidade de presas preferenciais possa, em longo prazo, afetar negativamente a dinâmica populacional (taxas reprodutivas e de sobrevivência) dos botos e de aves que dependem do ELP, causando um declínio nas suas abundâncias" finaliza Eduardo Secchi , professor da FURG e bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D do CNPq.
Como consequência desses estudos, tem-se, hoje, informações sólidas que auxiliam em políticas de conservação da biodiversidade e desenvolvimento regional sustentável. Os resultados sobre a ocupação espacial dos diferentes estágios de vida dos peixes como a corvina, contribuem para aprimorar modelos de conservação em estuários. José Henrique Muelbert explica que a maioria dos modelos atuais de conservação estuarina não inclui a dinâmica espacial destes ambientes. "Utilizando larvas de peixes como 'proxies' desta dinâmica, foi possível aprimorar modelos de conservação estuarina através da identificação do habitat essencial de peixes e da incorporação desta informação no planejamento da conservação espacial de estuários. Ainda, a partir da identificação de áreas preferenciais de distribuição de mamíferos marinhos (botos) no ELPA e a sua sobreposição com a atividade pesqueira, foi possível propor a criação de uma área de exclusão de pesca visando a conservação de sua população no ELPA", informa Eduardo Secchi.
Essa proposta resultou na inclusão de um item de Instrução Normativa Interministerial (INI 12/2012) que ordena a atividade pesqueira de emalhe nas regiões sul e sudeste do Brasil. A participação ativa de membros da equipe em reuniões e workshops propiciaram a inclusão de duas espécies de tainha ( Mugil liza e Mugil curema ) na lista de espécies ameaçadas de extinção da IUCN Red List of Threatened Species.
Além disso, o grupo tem promovido atividades de extensão junto às escolas da rede publica do município de Rio Grande, com boa repercussão. Dentre elas, destacam-se duas iniciativa com o objetivo de estimular os alunos a observarem os ecossistemas costeiros da região, sua fauna e flora, com ênfase nos mamíferos e tartarugas marinhas e seus problemas de conservação: o grupo "Parceiros do Mar" e "Universidade e Comunidade: uma proposta de integração dos saberes científicos e tradicionais sobre a ecologia do estuário da Lagoa dos Patos e comunidades pesqueiras".
Formação de recursos humanos e produção científica
Desde o início das atividades no ano de 1998, o PELD-ELPA contou com uma equipe de no total vinte pesquisadores docentes e sete em pós-doutoramento, responsável pela formação de alunos de doutorado (58), mestrado (112), graduação (60) e em nível de especialização (16). Essa equipe, juntamente com os técnicos foram responsáveis pela produção de artigos científicos publicados em periódicos especializados (291), Livros (9) e capítulos em livros (51) além de outras produções técnicas (34) e videos para divulgação do conhecimento (8).
"A participação de bolsistas e alunos tem sido fundamental para o avanço de conhecimento obtido no ELPA. Por um lado, essa participação traz benefícios mútuos, ainda que haja o risco da descontinuidade, pois a presença de alunos é temporária e nem sempre garantida", pondera Eduardo Secchi. Para ele, a institucionalização do PELD-ELPA representa uma perspectiva que solucionaria o problema da temporariedade em um programa de longa duração, mas requer a participação de um número maior de técnicos da Instituição.
Coordenação de Comunicação Social do CNPq
Divulgação/ELPA
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