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O efeito do desmatamento nas chuvas na Floresta Amazônica
A influência do desmatamento na Amazônia na quantidade de chuva da região é objeto de estudo publicado na revista Nature Climate Change no final de fevereiro deste ano, que contou com comentário do Professor da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, referência mundial em mudanças climáticas e bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O artigo de Artaxo , assinado em conjunto com Jeffrey Q. Chambers, pesquisador da Universidade da Califórnia (EUA), comentou o estudo Regional dry-season climate changes due to three decades of Amazonian deforestation , de quatro pesquisadores das universidades americanas de Princeton e Miami (Jaya Khanna, David Medvigy, Stephan Fueglistaler e Robert Walko), que analisou o impacto do desmatamento em média escala na quantidade de chuva na região de Rondônia, na Amazônia. "Eles mostram que quando desmatamos uma região de médio porte (parte do estado de Rondônia), a mudança na vegetação altera a circulação e faz chover menos na parte da região correspondente a antes do desmatamento, e chove mais depois da região desmatada", afirma Artaxo. O professor explica que esse "deslocamento" da chuva é um efeito da mudança de rugosidade da superfície que ocorre quando uma região é desmatada. A floresta tem o dossel das árvores que causa um atrito na circulação da atmosfera, enquanto que este atrito é muito menor em uma área de pastagem ou plantação.
O estudo de Jaya Khanna e seus colegas analisou a região onde o Programa LBA , do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) coleta dados meteorológicos desde a década de 90 e mostrou que, em grandes áreas desmatadas, chove mais de um lado e menos do outro, de acordo com a direção do vento. Essa mudança pode ter consequências sérias para o clima da Terra - e para a agropecuária na região Norte
Analisando informações de satélite e cruzando-as com medições feitas em campo e modelos de computador, Khanna e colegas mostraram que o sudeste de Rondônia está em média 25% mais seco nos meses da estação seca, enquanto o noroeste teve um aumento equivalente nas chuvas nestas últimas três décadas. A chuva concentrou-se depois da área desmatada, ou seja, foi 'encurralada' pela região desmatada.
Segundo os pesquisadores, a devastação foi tão extensa - mais de 50% da floresta amazônica foi devastada em Rondonia nas últimas três décadas - que alterou o próprio mecanismo de precipitação no Estado: no lugar da chuva amazônica tradicional, na qual a umidade é inicialmente trazida do Atlântico e transportada ao longo da floresta e a chuva é reciclada pela evaporação que ocorre nas próprias árvores, modifica-se este regime, onde a precipitação é empurrada pelo vento por sobre a área desmatada e a floresta na sua borda.
Artaxo, eu seu artigo, aponta que esse estudo observou uma mudança de pequenos pontos de desmatamento, na década de 80, para clareiras florestais de tamanho intermediário na década de 2000, o que levantou a hipótese de que essa mudança modificaria as interações floresta-atmosfera, passando de uma condução térmica, sob pequenas clareiras, para serem dinamicamente movidas, sob grandes clareiras associadas a reduções na rugosidade da superfície.
"A produção da chuva ocorre por três razões diferentes: a termodinâmica da atmosfera, o vapor de água e os núcleos de condensação de nuvens. Todos têm que agir conjuntamente para que a chuva aconteça. Quando ocorre o desmatamento, a estratificação da atmosfera se altera, de um regime de condução térmica para um modo mais dinâmico, pela alteração da rugosidade de superfície", explicou o pesquisador, citando que esse efeito não era, em geral, incluído nos modelos climáticos. "Mas agora, com a descoberta do fenômeno, teremos que levar a rugosidade de superfície muito a sério, pois altera a quantidade e a localidade da precipitação", completou.
Paulo Artaxo, atualmente, coordenada uma pesquisa sobre os efeitos no ecossistema amazônico de aerossóis atmosféricos naturais e emitidos em queimadas e aponta as fortes conexões do estudo publicado na Nature com a emissão de aerossóis: "O efeito que eles observaram foi durante a estação seca, quando há muito aerossol na atmosfera devido às queimadas. Portanto, os aerossóis não são os limitantes na produção da chuva nesse caso da estação seca, e os efeitos dinâmicos predominam". O que é preciso saber, agora, segundo ele, é se este efeito também ocorre em outras regiões da Amazônia, tais como o Pará e o Norte do Mato Grosso, da mesma maneira que ocorre em Rondônia.
Para isso, novos estudos observacionais e de modelagem precisam ser feitos para entender o efeito para outras regiões e para a Amazônia como um todo. "A falta de dados meteorológicos na escala necessária na Amazônia é uma limitação importante. Os efeitos da mudança na superfície devido ao desmatamento são regionais até agora, mas a ciência pode mostrar novos aspectos deste fenômeno em escalas diferentes", finaliza Artaxo.
Desmatamento
Segundo Paulo Artaxo, muitos estudos do programa LBA mostram que o desmatamento tem efeitos irreversíveis na escala temporal de algumas décadas. É até possível que parte da mata se recomponha, mas nunca será atingida a biodiversidade e a estrutura do dossel original da floresta em três ou quatro décadas. "Talvez depois de 100 anos, a mata secundária possa se recompor a níveis originais, mas a biodiversidade é fortemente afetada pelo desmatamento, bem como a evaporação de água, a rugosidade do terreno e muitos outros impactos importantes", complementa. Segundo ele, seria necessário reduzir o desmatamento a zero. "O patrimônio valioso da floresta amazônica deve ser preservado por seus serviços ambientais positivos e na mitigação das mudanças climáticas, além da importante perda na biodiversidade", defende.
Paulo Artaxo
Físico, Doutor em Física Atmosférica pela USP, Paulo Artaxo tem uma intensa atuação nacional e internacionalmente em estudos referentes à física aplicada a problemas ambientais, em especial nas questões de mudanças climáticas globais, meio ambiente na Amazônia, física de aerossóis atmosféricos, poluição do ar urbana e outros temas.
Já trabalhou na NASA, nas Universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (Estados Unidos) e, atualmente é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP. Em 2009, foi agraciado com o título de Doutor em Filosofia Honoris Causa pela Universidade de Estocolmo, Suécia.
É membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia de Ciências dos países em desenvolvimento (TWAS) e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, além de ser membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e de 7 outros painéis científicos internacionais.
Está, ainda, na coordenação do Programa FAPESP de Mudanças Globais e da Rede CLIMA do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e é representante da comunidade científica no CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Já recebeu diversos prêmios e homenagens, incluindo o prêmio de Ciências da Terra da TWAS, o Prêmio Dorothy Stang de Ciências e Humanidades, o prêmio Fissan-Pui-TSI da International Aerosol Research Association e a Ordem do Mérito Científico Nacional, na qualidade de comendador, do Governo Federal, Em 2016, foi agraciado com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto do CNPq, em parceria com a Marinha e Fundação Conrad Wessel.
Coordenação de Comunicação Social com informações do Observatório do Clima
Reuters/Alamy Stock Photo
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