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O Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna e a contribuição do CNPq para o tema
Nesta sexta-feira, 28, é celebrado o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna. Indicador relevante da qualidade de saúde ofertada a mulheres e também influenciada pelas condições socioeconômicas da população, a mortalidade materna, segundo a definição estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), constitui o óbito de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez, devido a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela. Não se incluem causas acidentais ou incidentais. Em média, de 40% a 50% de causas para a mortalidade materna podem ser consideradas evitáveis. No Brasil, algumas das principais razões para a morte materna se referem à chegada ao serviço de saúde e ao acesso às condições de tratamento adequado.
Para estimular estudos científicos que contribuam para mudar esse cenário, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com o Ministério da Saúde (MS), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e a Fundação Bill e Melinda Gates, já lançou duas chamadas de apoio a projetos de pesquisa na área de ciência de dados que contribuam de forma significativa para a melhora da saúde da mulher, mencionando, de forma específica, o tema da mortalidade materna como um dos principais assuntos relativos à saúde feminina.
As chamadas em parceria com a Fundação Bill e Melinda Gates foram divulgadas, respectivamente, em 2018 e em 2020 , e selecionaram um total de 26 projetos, a um valor global para financiamento de R$ 11 milhões. Além de estudos sobre a saúde da mulher, as duas chamadas também apoiaram projetos de pesquisa em saúde materno-infantil e em saúde da criança no Brasil, como o do Observatório das Vacinas ; pesquisa que mostrou o impacto de doenças infecciosas durante a gravidez, na cidade do Rio de Janeiro; e estudo sobre os efeitos do Bolsa Família na saúde de mães e crianças , todos projetos já finalizados. Na chamada de 2020, com pesquisas ainda em andamento, 8 dos 12 projetos aprovados para financiamento envolvem saúde materna. Desses, 2 se referem à mortalidade materna de forma direta em seus títulos e 1 propõe sistema para previsão de casos de Near Miss materno. De acordo com definição da OMS, Near Miss se refere à mulher que quase morreu, mas sobreviveu a complicações graves durante a gestação, parto ou até 42 dias após o término da gestação.
O professor Valdemar Rodrigues de Pinho Neto , da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, é o coordenador de um dos projetos contemplados pela chamada conjunta com a Fundação Gates em 2020 e está pesquisando como a acessibilidade aos serviços de saúde e a importância do atendimento adequado pode ajudar a reduzir a mortalidade materna e a infantil por causas evitáveis. Segundo o projeto dele, desfechos adversos no período gestacional ou logo após o parto refletem, além de condições socioeconômicas desfavoráveis das mães, as características do serviço de saúde que elas conseguem acessar. O professor trabalha com o georreferenciamento das residências das gestantes e dos serviços de saúde que elas acessam, o que permitirá identificar onde se encontram os maiores gargalos nos serviços de atendimento materno e em quais localidades o direcionamento de recursos e ações exibe o maior custo/efetividade para a redução dos índices de mortalidade materna e infantil. A idéia é expandir a análise para as mulheres em idade fértil de baixa renda no Brasil, utilizando o endereço das famílias reportado no Cadastro Único do SUS. “Embora seja importante separar os fatores adversos para a gestação associados às características socioeconômicas das mães daqueles associados a qualidade dos serviços de saúde que elas acessam, tal exercício não é trivial. Isso porque esses dois componentes estão correlacionados entre si e conjuntamente afetam os desfechos de saúde materno-infantil", afirma o professor.
O professor Valdemar Pinho ressalta, ainda, que, embora a cobertura do SUS tenha avançado nas últimas décadas, as condições de serviços disponíveis são bastante heterogêneas no território nacional, apresentando níveis diferentes de precariedade, a depender da região geográfica e do contexto socioeconômico local. As desigualdades sociais e geográficas no acesso à saúde e os hospitais diferem também em relação às práticas de parto e na disponibilidade e na qualidade de outros serviços de saúde ofertados na unidade. A assistência às gestantes durante o pré-natal ou o parto varia de acordo com a composição e as características da equipe que a atende, bem como da estrutura disponível em cada hospital. “Portanto, a despeito dos avanços recentes e do pretenso caráter universal do SUS, o cenário brasileiro ainda apresenta enormes desigualdades geográficas e sociais no real acesso aos serviços de saúde materna”, salienta o professor.
O tipo de atendimento dispensado às gestantes depende, além disso, mais da proximidade da residência dessas mulheres às unidades de saúde e menos das preferências da paciente ou de seus fatores de risco. Ao passo em que as melhores evidências recomendam que a distância para os centros de referência com tratamento adequado não deve exceder 20 km, a população brasileira percorre, em média, 155 km para ter acesso a leitos de UTI, segundo dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Tais distâncias são particularmente importantes no contexto do Brasil, um país de dimensões continentais e onde as mortes maternas e infantis também são ligadas à demora no transporte para unidades com instalações e tratamentos adequados caso a gravidez apresente alguma complicação”, completa o professor Valdemar Pinho.
Projeto da professora Rosa Maria Soares Madeira Domingues , bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Epidemiologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz e docente permanente do programa de pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fiocruz, também contemplado na chamada conjunta de 2020 com a Fundação Gates, pretende, por sua vez, construir e validar algoritmo para a identificação da morbidade materna grave, usando dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS). “Nossa intenção, ao desenvolver esse algoritmo utilizando técnicas de aprendizagem de máquina, é verificar se informações disponíveis no SIH-SUS, principalmente relacionadas à causa da internação e aos procedimentos realizados durante a internação hospitalar, são capazes de predizer o desfecho óbito materno”, afirma a professora. “Como óbito materno e casos de morbidade materna grave compartilham dos mesmos determinantes, espera-se que esses fatores preditivos do óbito sejam também preditivos da morbidade materna grave”, completa ela. Assim, a professora diz que o algoritmo permitirá a identificação de diagnósticos e de procedimentos associados a situações de maior gravidade em mulheres, além de identificar locais em que essas situações são registradas de forma mais freqüente, norteando ações de melhoria de qualidade da atenção obstétrica.
Com o projeto, a professora também tem o objetivo de validar os critérios recomendados pela OMS para a definição de Near Miss Materno. Essa organização internacional estabeleceu 25 critérios clínicos, laboratoriais e de manejo para casos de quase morte materna. A identificação de apenas um desses critérios já é suficiente para a definição de Near Miss Materno. Para sua pesquisa, a professora Rosa Maria Domingues utilizará a base de dados do estudo “Nascer no Brasil”, inquérito nacional de base hospitalar realizado entre 2011 e 2012, com mais de 20 mil puérperas. Ademais, o projeto prevê o desenvolvimento de painel de indicadores online, utilizando indicadores de morbidade materna grave provenientes do SIH-SUS, indicadores sociais e de atenção ao pré-natal disponíveis no Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) informações socioeconômicas do Cadastro Único e dados sobre óbito materno identificados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
O painel indicará locais com vulnerabilidade aumentada para o óbito materno e poderá ser utilizado por gestores do SUS para a vigilância e o controle da mortalidade materna. “Além de estimar o número de casos de morbidade materna grave e, consequentemente, a demanda de atendimento aos serviços de saúde, a análise da morbidade materna grave permitirá identificar quem são as mulheres que mais apresentam complicações e quais são as causas mais frequentes dessas complicações graves em gestantes e puérperas, auxiliando no planejamento das ações de saúde”, diz a professora. Ela alerta que esses fatores determinantes poderão variar em diferentes contextos, devido às desigualdades sociais e regionais encontradas em um país de dimensões continentais como o Brasil.
Segundo a professora, a mortalidade materna se mostra um dos piores indicadores de saúde em locais com recursos limitados. A grande maioria dos óbitos poderia ser evitada pela atuação oportuna dos serviços e do sistema de saúde. Porém, mortes maternas são raras em número absoluto, o que dificulta sua análise estatística, em especial no âmbito local dos serviços. De fato, no Brasil, nem todo óbito materno é registrado de forma correta no SIM, sistema criado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) para abastecer de forma regular dados sobre mortalidade no país e, assim, subsidiar as diversas esferas de gestão na saúde pública. Muitas vezes, se registram no SIM apenas as causas terminais de uma sucessão de eventos que culminaram com a morte da mãe. A situação mascara a causa básica e dificulta a identificação do óbito materno. Por isso o Ministério da Saúde calcula a Razão de Mortalidade Materna (RMM) utilizando fatores de correção. O índice é um dos principais indicadores de qualidade de atenção à saúde das mulheres no período reprodutivo.
Dos 38.919 óbitos maternos registrados no SIM de 1996 a 2018, 67% decorreram de causas obstétricas diretas, como complicações durante a gravidez, o parto ou o puerpério, devido a intervenções desnecessárias; omissões; tratamento incorreto ou uma cadeia de eventos resultantes de qualquer dessas causas. No mesmo intervalo de tempo, as causas obstétricas indiretas foram responsáveis por 29% dos casos de mortalidade materna e derivaram de doenças pré-existentes à gestação ou que se desenvolveram durante a gravidez. Em média, por ano, ocorreram 1.176 óbitos maternos diretos e 465 óbitos maternos indiretos. As duas principais causas obstétricas diretas para a mortalidade materna foram hipertensão e hemorragia, ao passo que as razões indiretas que mais causaram mortes maternas foram doenças do aparelho circulatório e do aparelho respiratório.
Mesmo assim, dados do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgados em 2020 informam que o Brasil conseguiu reduzir a RMM em 8,4% entre 2017 e 2018, baixando de 64,5 óbitos para 59,1 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. No período, as regiões Norte, Nordeste e Sudeste apresentaram os maiores percentuais de redução da RMM, com redução, respectivamente, de 9,1%, 8,3% e 14,6%. A região Sul apresentou redução de apenas 0,7% e a região Centro-Oeste registrou aumento de 14% na RMM. No contexto da pandemia, o Ministério lançou o Plano de Apoio à Gestação e Puerpério Saudáveis, medida que visara garantir o cuidado adequado às gestantes neste momento. O plano destinou cerca de R$ 260 milhões para apoiar estados e municípios no reforço ao acompanhamento de gestantes e mulheres no pós-parto na rede pública de saúde.
Para a professora Rosa Maria Domingues , as inúmeras notícias de mortalidade materna nos últimos dias de gravidez e logo depois do parto, que têm sido divulgadas neste período da pandemia, são informações cuja análise é relevante, pois permitirão avaliar os óbitos ocorridos neste contexto por impacto direto, como o de mortes pela COVID-19, e indireto, como morte por falhas na assistência às gestantes e puérperas. “O Brasil apresenta uma razão de mortalidade materna elevada, apesar da cobertura praticamente universal de assistência pré-natal e ao parto no país. Esses dados sugerem que existem problemas na qualidade da assistência ao ciclo gravídico-puerperal. Esses problemas certamente foram agravados durante a pandemia, devido a barreiras de acesso a serviços de contracepção, assistência pré-natal, serviços de interrupção legal da gestação, assistência ao parto, unidades de cuidados intensivo e recursos assistenciais diversos”, afirma a professora. Segundo ela, essas barreiras assistenciais podem resultar na elevação de óbitos maternos por COVID-19 e no crescimento de óbitos maternos por outras complicações clínicas e/ou obstétricas.
O Brasil apoia o esforço de eliminação da mortalidade materna evitável, iniciativa global prevista na Agenda 2030 , estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Uma das metas na área de Saúde e Bem-Estar da Agenda é a redução, até 2030, da taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos. A OMS calcula que cerca de 830 mulheres morrem todos os dias no mundo, devido a complicações na gravidez e no parto. Na data do Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna também se comemora o Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher. A escolha de um dia específico de âmbito mundial pela saúde da mulher foi definida em 1984, durante o IV Encontro Internacional Mulher e Saúde, realizado na Holanda, quando o Tribunal Internacional de Denúncia e Violação dos Direitos Reprodutivos ressaltou o aumento da mortalidade materna.
As Chamadas Grand Challenges Explorations
As Chamadas Grand Challenges Explorations são chamadas conjuntas, resultado de parceria firmada entre o CNPq, o Ministério da Saúde (MS), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e a Fundação Bill & Melinda Gates (FBMG). As Chamadas são parte de iniciativa criada pela Fundação Gates em 2010, para a integração do conhecimento na área de nascimento, crescimento e desenvolvimento saudáveis. O principal objetivo é o de apoiar projetos de pesquisa que contribuam, de forma significativa, para o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação do Brasil, na área de ciência de dados, e que, ao mesmo tempo, contribuam para a melhora da saúde materno-infantil, da saúde da mulher e da saúde da criança no Brasil.
Por meio da Grand Challenges Explorations Brasil, os parceiros da Chamada compartilharam do objetivo de apostar e de investir na crescente experiência do Brasil em ciência de dados, epidemiologia e em saúde pública, para enfrentar os principais problemas em saúde materno-infantil de nosso tempo. Com isso, as Chamadas buscaram propostas inovadoras que usassem ciência de dados e modelagens para entender os principais fatores que impactam a saúde materna e o desenvolvimento infantil no Brasil. A ideia era que os projetos financiados ajudassem os gestores a definir melhores políticas públicas e intervenções nessa área. Além disso, as Chamadas tiveram como meta promover ações de educação, de popularização e/ou divulgação científica para diferentes tipos de público, com alcance de amplos setores da sociedade, em articulação com especialistas, grupos e instituições que atuam nas áreas de educação formal e não formal.
Além das Chamadas para a área de Ciências de Dados, a colaboração com a Fundação Bill e Melinda Gates também resultou em dois editais, lançados pelo CNPq em 2013 e 2014 , respectivamente. O primeiro deles, para projetos sobre o Prematuridade, financiou 12 pesquisas, ao custo aproximado de R$ 8,4 milhões. O segundo, que recebeu propostas sobre Desenvolvimento Infantil, selecionou 9 projetos, ao custo total para financiamento de R$ 11 milhões.