Notícias
Nota de Pesar - Dr. Alberto Setzer
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lamenta profundamente o falecimento do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Alberto Setzer. O presidente da agência, Ricardo Galvão, manifesta seu pesar por meio da nota abaixo.
Na última sexta-feira, 8 de setembro, acordamos com a triste notícia do falecimento do Dr. Alberto Setzer, o notável cientista brasileiro que idealizou, estruturou e dirigiu o Programa Queimadas do INPE, de 1985 a 2020. A notícia repercutiu na imprensa nacional e seu falecimento foi profundamente lamentado pelas instituições científicas do país. Mas gostaria de fazer um relato particular sobre o Alberto, que só vim a conhecer pessoalmente em setembro de 2016, quando tornei-me Diretor do INPE, embora já o admirasse por suas realizações.
Minha primeira conversa com ele foi impactante. Ficou-me claro que estava dialogando com um nobre cientista cuja preocupação principal não era o reconhecimento da importância de seus trabalhos pela academia, mas sim seu benefício imediato para a sociedade. De facto, embora tivesse trabalhos científicos de grande impacto (seus trabalhos receberam cerca de 16.000 citações), sua preocupação primordial era com o Programa Queimadas, com aumento substancial do desmatamento em nossos biomas, e com o efeito do aquecimento global para nosso país.
Começou a interessar-se pelo método de monitoramento de queimadas por satélite em meados da década de 1980, quando este tema ainda não era popular. Mas imediatamente reconheceu sua importância para o Brasil. Em colaboração com cientistas estrangeiros e com o Professor Pedro Silva Dias, da USP, publicou um relevante trabalho em 1988 na prestigiosa revista científica Journal of Geophysical Research com o título “ Emissões de queima de biomassa e camadas de neblina associada sobre a Amazônia ”. Esse trabalho recebeu cerca de 700 citações e marcou o início de uma carreira altamente exitosa, com grande reconhecimento nacional e internacional, sobre queimadas em diferentes biomas.
Mas Alberto não limitou sua atuação à produção acadêmica, ao contrário empenhou-se com grande denodo em desenvolver o Programa Queimadas, fornecendo dados sobre queimadas em todo o país disponíveis de forma aberta e gratuita, e também amigável para o não especialista, no Portal do INPE, http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/portal/
Não há quem tenha acessado o portal que não tenha ficado impressionado com a alta qualidade dos dados fornecidos, um exemplo paradigmático de como a ciência de qualidade pode servir à sociedade.
Alberto era um cientista bona fide e não se deixava dominar por pressões superiores ou ideológicas ao disponibilizar ou comentar os dados sobre queimadas. Em setembro de 2020, o General Mourão celebrou nas redes sociais a queda de 5% nas queimadas na Amazônia em agosto. Sem nenhum receio, em uma entrevista à Reuters, Alberto alertou que os dados podiam estar equivocados. Segundo ele, um erro de leitura de um satélite da NASA acabou gerando uma distorção nas informações sobre focos de calor na floresta em agosto e estimou que, uma vez corrigidos, os dados provavelmente apontariam um aumento de 1% a 2% no número de focos de queimada.
Em agosto de 2019, quando eu enfrentava o Governo sobre os dados do desmatamento na Amazônia, Alberto foi também contundente em uma entrevista ao Deutsche Welle sobre o número de focos de incêndio na Amazônia, que nos primeiros vinte dias de agosto tinha superado os resultados dos últimos nove anos. Concluo essa breve recordação sobre um dos cientistas brasileiros que muito contribuiu para o país com sua contundente frase nessa entrevista,
“ Queimadas são resultado de má-fé, preguiça e ignorância ”
Ricardo Galvão