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Estudo comprova que proteção de recifes de coral garante sobrevivência de espécies de interesse pesqueiro
Artigo publicado na última edição da revista científica Marine Ecology Progress Series (MEPS) e cujo primeiro autor é o ex-bolsista de doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Daniel Lino Lippi , trata dos padrões de deslocamento de espécies de interesse pesqueiro encontradas nos recifes de coral, ambientes reconhecidos como abrigo da vida marinha e que se estendem por cerca de três mil quilômetros, ao longo da costa brasileira. O texto, assinado ainda por pesquisadores do Brasil, de Portugal e dos Estados Unidos, discorre sobre o movimento e a densidade de dois tipos de peixe, a baúna, conhecida pelo nome científico de Lutjanus alexandrei , e o papagaio, denominado Sparisoma axillare. As duas espécies são alvo de captura na pesca artesanal da região Nordeste e são endêmicas do Brasil, ou seja, sua existência na natureza está restrita ao País. Na área recifal onde ocorreu a pesquisa, um trecho protegido do litoral sul de Pernambuco, em que o turismo e a pesca são proibidos, o peixe-papagaio é visto em extensos cardumes itinerantes próximos ao topo dos recifes. A baúna, por sua vez, se agrega em grande quantidade nas cavernas para descansar.
Durante o estudo, que teve aprovação na Comissão de Ética no Uso Animal (CEUA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e foi licenciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os peixes foram marcados internamente com transmissores que emitem um sinal acústico único para cada indivíduo. Nessa fase do trabalho, os animais eram coletados nos recifes de corais e transferidos para o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene-ICMBio), com sede em Tamandaré. No laboratório, uma vez anestesiados, ocorria a inserção cirúrgica do transmissor acústico. Após um período de recuperação, eram devolvidos ao mar, exatamente nos mesmos locais onde haviam sido capturados. Desse modo, de dezembro de 2016 a outubro de 2017, vinte peixes-papagaio e nove baúnas foram monitorados por dezessete receptores dentro de uma extensão de um quilômetro quadrado.
Tamandaré região onde foi feita a pesquisa (imagem: Google Maps)
Os cientistas utilizaram no estudo censos visuais subaquáticos e telemetria acústica. No censo visual, os pesquisadores identificam a espécie e anotam a quantidade de peixes durante o mergulho. “Os resultados mostram que a densidade das duas espécies de peixes é mais elevada dentro da área fechada do que fora”, diz a bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professora do Departamento de Oceanografia da UFPE, Beatrice Padovani Ferreira , uma das autoras do artigo. No caso da baúna, a densidade em alguns locais dentro da área fechada chega a ser onze vezes maior em relação à área aberta para a pesca.
Pesquisa usou inserção cirúrgica do transmissor acústico.
A telemetria permite a observação dos movimentos dos peixes em suas áreas de ocupação. Por meio dela, é possível mensurar o espaço utilizado por esses animais e identificar os locais de maior intensidade de uso, como áreas de alimentação, reprodução e repouso. Quando um peixe se aproxima de um determinado receptor, o equipamento registra o código deste peixe, além da data e a hora da detecção. Dessa maneira, foi possível monitorar os movimentos de cada indivíduo enquanto eles permaneciam dentro da área coberta pelos receptores. Assim, a pesquisa revelou informações como por onde os peixes nadam e as áreas em que eles passam mais tempo. A partir da telemetria é possível também se estudar a contribuição das áreas fechadas para a pesca local. Um exemplo é o deslocamento de peixes adultos para locais em que a pesca é permitida, efeito conhecido como transbordamento ou spillover .
“Constatamos que as duas espécies estão conseguindo acumular número de indivíduos e biomassa na área fechada, garantindo a manutenção da população e a continuidade do seu ciclo vital”, considera o primeiro autor do artigo, Daniel Lippi, que desenvolveu o trabalho durante o doutorado no Departamento de Oceanografia da UFPE, sob a orientação da professora Beatrice Ferreira. A área do recife onde os indivíduos passaram a maior parte do tempo, conhecida como área de vida, variou de 0,10 a 0,45 km². Dessa maneira, também é possível quantificar a proporção da área de vida que está inserida dentro da área fechada. Os resultados apontam que, em média, 95% do espaço ocupado pela baúna e 88% do ocupado pelo peixe-papagaio estão dentro da área fechada, comprovando a importância da medida para a manutenção da biodiversidade e dos estoques pesqueiros.
A pesquisa foi realizada com financiamento do CNPq e apoio da Fundação Toyota/ SOS Mata Atlântica . O estudo também teve parceria com a universidade norte-americana Texas A&M University de Galveston (TAMUG), por meio de colaboração firmada pelo programa Pesquisador Visitante Especial (PVE) do CNPq. Além da transferência de conhecimento e do empréstimo de equipamentos, o PVE permitiu o intercâmbio de professores e alunos entre as universidades. As duas instituições foram representadas, respectivamente, pela professora Beatrice Padovani Ferreira e pelo professor Jay R. Rooker, do departamento de Biologia Marinha da TAMUG. O trabalho contou, ademais, com o apoio da Ocean Tracking Network (OTN), uma rede global colaborativa de monitoramento de espécies por telemetria acústica, com sede no Canadá.
ÁREA FECHADA
A Área de Recuperação Recifal de Tamandaré (PE) é uma zona de exclusão de turismo e pesca criada em 1999 e se encontra inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) Federal Costa dos Corais. Com 259 hectares, essa zona de preservação da vida marinha (ZPVM) é um laboratório a céu aberto que há dez anos tem sua manutenção garantida pelas Fundações Toyota do Brasil e SOS Mata Atlântica. Em 2017, a área foi reconhecida pelo CNPq como um sítio do Programa Ecológico de Longa Duração (PELD). O PELD Tamandaré Sustentável atua numa extensão de 216.574,06 hectares de paisagem marinha, incluindo a ZPVM e abrangendo ainda praias, manguezais, recifes de corais e a plataforma continental (extensão submersa) no Litoral Sul de Pernambuco.
Expressões da colonização em Praia dos Carneiros, no município de Tamandaré (PE). (imagem:Wikipedia)
Os recifes de coral ocorrem em mais de cem países e territórios e, embora cubram apenas 0,2% do fundo do mar, abrigam pelo menos 25% das espécies marinhas, além de assegurar proteção costeira e segurança alimentar e econômica de centenas de milhões de pessoas. No entanto, os recifes de coral estão entre os ecossistemas mais vulneráveis do planeta aos impactos da ação humana, o que inclui ameaças globais da mudança climática e acidificação dos oceanos, e impactos locais da poluição terrestre, como entrada de nutrientes e sedimentos da agricultura, poluição marinha, pesca excessiva e práticas destrutivas de pesca.