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Esponjas, Recifes e Bancos de Rodolitos: o singular mosaico da foz do Amazonas
As imagens dos recifes da Foz do Amazonas recentemente divulgadas pelo Greenpeace comprovam o que um grupo de pesquisadores brasileiros apontou em artigo publicado há pouco menos de um ano, no qual coletaram novas evidências geofísicas, detalharam identificações de espécies e mapearam um surpreendente sistema recifal na Margem Equatorial do Brasil.
Composto por 39 pesquisadores, incluindo 17 bolsistas de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) [1] -, e com apoio de projeto de pesquisa e desenvolvimento da ANP/Brasoil e da Marinha do Brasil, o grupo relatou o resultado das expedições que realizou na foz do Rio Amazonas, em 2010, 2012 e 2014. No artigo An extensive reef system at the Amazon River mouth , publicado em 22 de abril de 2016 (Moura et al. Science Advances), eles confirmaram a presença de um extenso recife de cerca de 9.500 km² em um gradiente de condições singulares regidas pela pluma do rio ao longo do tempo e do espaço. Assista o vídeo com a rotina de trabalho do grupo durante as expedições.
A importância e apresentação dos seus relatos fez com que o artigo ganhasse uma grande repercussão mundial e, em menos de um ano, atingisse 30 mil acessos na íntegra e 10 mil downloads gratuitos no portal da Science . No convés do navio, as imagens demonstrando a alta vitalidade dos organismos coletados despertaram o interesse da mídia. As ilustrações apresentando um esquema do sistema recifal dividido em setores norte, centro e sul, refletiram, de maneira didática, o mapeamento de ambientes, facilitando a compreensão do grande público.
Histórico
A existência desse sistema havia sido relatada pela primeira vez há mais de 40 anos, em 1975, quando da conclusão do Projeto REMAC (Reconhecimento global da margem continental brasileira), uma cooperação entre o CNPq, a Petrobras, a Marinha do Brasil, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e o Woods Hole Oceanographic Institution (EUA), iniciada em 1972. Até hoje, o REMAC é considerado o mais extensivo e integrado programa de pesquisas geológicas marinhas já realizado no Brasil e o equivalente marinho do Projeto RADAM (Projeto Radar da Amazônia Os primeiros relatos estão apresentados em dois trabalhos publicados em 1975, ambos com os pesquisadores John D. Milliman e Henyo T. Barreto. Um deles, que conta, também, com o geólogo marinho e oceanógrafo Colin P. Summerhayes, traz o que seria o primeiro mapa dos recifes da região.
Outro relato pioneiro sobre a possível ocorrência de recifes foi feito por Bruce Collette e Klaus Rützler, do Museu Nacional de História Natural dos Estados Unidos, que estudaram a fauna associada aos bancos camaroneiros da margem equatorial brasileira. A descoberta de uma rica comunidade de peixes recifais associados a esponjas foi um desdobramento científico inusitado dessa uma campanha de levantamento de estoques pesqueiros.
No entanto, apesar da relevância ecológica e biogeográfica desse ambiente sob a pluma do rio, até 2016 não havia um detalhamento oceanográfico e biológico integrado dos tipos de fundos, o que permitiu a retomada da questão.
Foi quando o trabalho dos 38 brasileiros, além de uma pesquisadora norte-americana (Patricia Yager, Universidade da Georgia), apresentou estimativas da distribuição, do tamanho e da biodiversidade desse sistema recifal, distribuído da Guiana Francesa até o Maranhão. Nele, são listadas 35 espécies de algas, 61 de esponjas e 73 de peixes recifais, compreendendo um importante e integrado registro científico dessa biodiversidade. A coleção de esponjas da expedição americana, depositada na Smithsonian Institution, conta com cerca de uma dúzia de exemplares preservados da região da Foz do Rio Amazonas. O efetivo baixo número de registros tombados na Smithsonian surpreendeu até mesmo o curador da coleção, Dr. Klaus Rützler, que gentilmente cedeu essas informações.
Além disso, foi feito um inédito imageamento acústico do fundo ao longo da Foz do Amazonas, possibilitando mapeamentos que revelaram maiores detalhes do leito marinho, que agora foi filmado e fotografado pelo Greenpeace. "Os dados acústicos obtidos permitiram o mapeamento de estruturas e fundos recifais, incluindo rodolitos. Essa espacialização da informação dos tipos de fundos foi importante para termos uma ideia da extensão e da morfologia dos fundos recifais", explica o pesquisador Alex Bastos (UFES), bolsista de Produtividade do CNPq e um dos autores do artigo.
Próximos passos
As imagens apresentadas pelo Greenpeace no final de janeiro deste ano confirmam os resultados anteriores que demonstraram a existência de um mosaico recifal construído por algas calcárias coralináceas, formando bancos de rodolitos em diferentes estágios de desenvolvimento e sustentando uma comunidade de esponjas que abriga uma rica biodiversidade associada. Os pesquisadores planejam, ainda este ano, uma próxima expedição brasileira para coletar novas amostras geológicas e biológicas e produzir fotos e vídeos durante a estação seca, quando as águas ficam mais claras.
Primeiro autor do artigo, o Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Rodrigo Moura, explica que "a margem equatorial brasileira é extremamente complexa e ainda requer muito investimento e esforço para que se possa planejar as atividades econômicas sem agredir a biodiversidade e os recursos pesqueiros".
Os Estudos
Os resultados do REMAC e da expedição dos americanos foram publicados em 1975 e 1977, respectivamente. O objetivo do projeto brasileiro era reconhecer as características da plataforma continental do país e assegurar soberania sobre a Zona Econômica Exclusiva do Brasil, enquanto que os americanos visavam dimensionar os estoques camaroneiros da região.
As expedições mais recentes, incluindo dois navios americanos (2010 e 2012) e um da Marinha do Brasil (NHo Cruzeiro do Sul, em 2014), foram voltadas ao mapeamento do fundo e à formação de coleções de referência que estão sendo utilizadas em dissertações de mestrado, teses de doutorado e publicação de artigos científicos. Como a dissertação do bolsista do CNPq, Nicholas do Vale, a ser defendida no final do mês de fevereiro na Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, descrevendo os rodolitos da Amazônia. O aluno é orientado por Gilberto Menezes Amado-Filho, pesquisador titular do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), um dos autores do artigo e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, que tem se dedicado à caracterização estrutural dos rodolitos ao longo da Zona Econômica Exclusiva brasileira. Rodolitos são nódulos calcários que favorecem o crescimento de uma rica fauna e flora associada.
"O material coletado tem sido fundamental na descrição e identificacão de espécies novas de esponjas, assim como para novos registros de outros grupos de invertebrados que estão sendo estudados", explica Fernando Coreixas de Moraes, pesquisador associado do JBRJ, que embarcou em 2014. "Dentre estas espécies, destacam-se grandes esponjas que dependem dos rodolitos para fixação e ao mesmo tempo estabilizam os nódulos de carbonato de cálcio, promovendo o crescimento da matriz recifal", completou.
O incremento no estudo das esponjas é, inclusive, um dos diferenciais do trabalho, com 267 esponjas coletadas e depositadas na Coleção de Porifera do Museu Nacional, um Banco de Imagens com 964 fotos em alta resolução e 196 vídeos FullHD indexados com nome das espécies, números de tombo, localidade, entre outras informações. "Todo esse material serve de base para publicações científicas e é fonte para a popularização da ciência, ferramentas fundamentais para a gestão e a conservação marinha", finaliza Moraes.
Segundo Alex Bastos, do ponto de vista geológico, um dos principais resultados do mapeamento acústico do fundo foi a identificação de recifes na borda da plataforma, o que indica a implantação e crescimento recifal em condições de nível de mar baixo. "A confirmação da ocorrência de recifes de borda de plataforma na Foz do Amazonas abre uma perspectiva científica importante com relação a evolução recifal no Atlântico Equatorial e suas relações com a variação relativa do nível do mar", completou Bastos.
A pesquisa, portanto, ao apresentar uma análise extensa desse sistema disposto embaixo da pluma da foz do Amazonas, feita a partir de material biológico e geológico, forneceu uma série de 'insights' quanto às respostas de recifes tropicais a condições desfavoráveis. Entender esse comportamento em um momento em que há um cenário mundial de mudanças climáticas e fatores locais como poluição e sobrepesca, que aceleram a deterioração das condições ideais para os sistemas recifais, é de fundamental importância.
Conectividade - A foz do rio Amazonas representa a fronteira de distribuição de várias esponjas, corais e peixes de águas rasas, entre outros grupos de organismos costeiros e associados a recifes. Isso porque grandes rios criam lacunas importantes na distribuição dos recifes. No caso do rio Amazonas, cuja foz gera extensos fundos lamacentos na margem equatorial da América do Sul, uma grande área do Atlântico Norte tropical é fortemente afetada em termos de salinidade, pH, penetração de luz e sedimentação, condições desfavoráveis que imprimem uma pressão seletiva importante nos organismos recifais do Atlântico Ocidental.
No entanto, muitas espécies associadas a recifes ocorrem em ambos os lados da foz do rio, como a esponja-barril ( Xestospongia muta ), que é importante abrigo para peixes e invertebrados. Por esses complexos fundos vivos de rodolitos e esponjas, forma-se um "corredor de esponjas" que viabiliza a conectividade entre as populações do Caribe e Brasil, como proposto por Collette e Rützler, em 1977.
Em 2014, sobre as estruturas carbonáticas, os pesquisadores encontraram, também, as esponjas Theonella atlantica , que só era conhecida do Caribe, assim como Didiscus verdensis , tida como endêmica do Arquipélago de Cabo Verde, na costa oeste da África. Estes registros reforçam a importância da região da foz do Amazonas no contexto biogeográfico do Atlântico tropical e trabalhos recentes mostram que o interesse pela biodiversidade dessa região tem aumentado.
Em janeiro deste ano, um detalhado estudo da fauna de esponjas da Plataforma da Guiana foi publicado na revista Zootaxa , com base em coletas holandesas entre 1966-70, revelando 119 espécies, das quais 36 novas para a ciência. O autor conclui, comparando os resultados do artigo de 2016 dos brasileiros, que há uma certa semelhança na composicão de espécies de esponjas entre a Plataforma da Guiana e a margem equatorial brasileira, indicando um contínuo populacional importante para espécies adaptadas aos fundos lamosos e carbonáticos rígidos.
PETRÓLEO
A exploração de petróleo na margem equatorial brasileira mereceu atenção dos pesquisadores, que alertam para a necessidade de estudos mais detalhados sobre potenciais impactos.
Em 2013, 125 blocos exploratórios de perfuração de petróleo na plataforma amazônica foram oferecidos em leilão internacional, 35 dos quais foram adquiridos por empresas nacionais e transnacionais. Na última década, um total de 80 blocos exploratórios foi adquirido para prospecção de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, 12 dos quais constam no último mapa de Blocos Exploratórios e Campos de Produção da região, elaborado pela ANP. Na área de águas rasas da bacia, há três blocos.
"Essas atividades de grande escala representam um grande desafio ambiental e as empresas devem catalisar uma avaliação socioeconômica mais completa do sistema antes que os impactos se tornem extensivos", aponta o artigo de 2016. É preciso, portanto, estudar a viabilidade das operações de petróleo e gás, considerando sensibilidades ambientais e sociais.
Os dados apresentados pelo artigo estão subsidiando, inclusive, o estudo de impacto ambiental do IBAMA para a exploração do petróleo. "Após a publicação do artigo, solicitamos, em complemento ao estudo ambiental, o mapeamento e as informações sobre as formações recifais da margem equatorial, que estão sendo consideradas nas análises de impacto e risco ambientais", explica Maria Teresa Maya Caldeira, coordenadora-geral da Coordenação Geral de Petróleo e Gás da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama.
Coordenação de Comunicação Social do CNPq
[1] Rodrigo L. Moura,Gilberto M. Amado-Filho, Paulo S. Salomon, Michel M. Mahiques, Alex C. Bastos, Rodolfo P. Paranhos, Eduardo Siegle, Alberto G. Figueiredo Jr., Renato C. Pereira, Eduardo Hajdu, Nils E. Asp, Sigrid Neumann-Leitão, Ronaldo B. Francini-Filho, Rogerio A. B. Valle, Cristiane C. Thompson, Carlos E. Rezende e Fabiano L. Thompson.
Fernando Moraes/JBRJ
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